sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

A mentira como arma letal



Opinião

Neste final de ano, tivemos a notícia de duas mortes causadas de alguma maneira por mentiras divulgadas de forma viral em redes sociais sem que as vítimas tivessem a chance de combater os efeitos causados pelas mentiras, sendo acusadas e julgadas pelos tribunais das pessoas comuns de forma impiedosa e invasora em suas vidas pessoais. Na atualidade, nem sequer existe a chance de se clamar pela presunção de inocência. Acusação feita, condenação feita. Assassinato da reputação ou até morte da vítima.

Esses processos de fake news são tão violentos e massacram tão intensamente as vítimas que muitas vezes as pessoas não conseguem resistir ao processo de aniquilamento e dor e sucumbem. Independentemente de as acusações mentirosas serem dolosas e intencionais ou involuntárias, sem dolo ou intenção, é necessário que algo seja feito formalmente pelas autoridades e pela sociedade, inclusive em relação a penalização dos responsáveis.

Uma jovem de 22 anos, Jéssica, tirou sua vida após mentiras divulgadas em redes sociais alegarem que ela teria uma relação amorosa com uma pessoa famosa. De nada valeu ela e a mãe desmentirem o fato e pedirem para serem deixadas em paz. Jéssica nasceu na pequena Araguari, cidade que frequentei quando morava em Uberlândia, Triângulo Mineiro. O pioneiro youtuber PC Siqueira, de 37 anos, tirou sua vida após um longo processo de linchamento público e cancelamento por uma acusação nunca comprovada de pedofilia. Ele foi alvo de ataques de ódio anos seguidos, até quando operou seu estrabismo foi alvo de ódio nas redes. Viveu a vida toda sob assédio e humilhações públicas.

A mentira pode ser uma das armas mais letais da humanidade. No clássico Otelo, o mouro de Veneza, de Shakespeare, mentiras intencionais para expor Desdêmona ao ciúme de Otelo fazem parte da tragédia encenada na peça do dramaturgo inglês que estudava a alma e o comportamento humano através de seus personagens e enredos.

A mentira pode matar. Essas duas tragédias na semana do Natal me apertaram o coração e me deixaram angustiado, e acabei me lembrando das mentiras que inventaram contra mim em uma das funções públicas que desempenhei ao ser representante eleito pelos trabalhadores da ativa e aposentados da comunidade do Banco do Brasil em nossa autogestão em saúde, a Cassi. Apesar da violência moral, humilhações e assédio que sofri por meses seguidos, o desfecho não foi trágico, "só" tive custo psicológico e político. Arquivaram as acusações levianas por falta de provas. Mas quem soube disso em nossa comunidade?

Acusar pessoas sem provas é algo cada dia mais grave e com consequências cada dia mais sérias e sem retorno. A sociedade e as instituições devem criar mecanismos para que isso não aconteça a ninguém. O direito à presunção de inocência e à privacidade são direitos básicos dos seres humanos. Temos que interromper essa nova forma de destruição de pessoas físicas e jurídicas através de fake news. Quem acusa alguém falsamente deve pagar pelo crime que comete.

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A mentira como ferramenta política

Uma carta "anônima" serviu de pretexto para um processo administrativo sem pé nem cabeça contra um diretor estatutário cujo mandato era absolutamente transparente e de conhecimento de todos.

O mandato que exerci em nome dos associados da Cassi entre 2014 e 2018 foi um mandato diferenciado em vários sentidos. 

Em primeiro lugar, tudo que fiz, defendi e encaminhei politicamente foi publicado na internet e em rede social para qualquer pessoa do país acompanhar em tempo praticamente real. Prestei contas por quatro anos desde o primeiro dia de mandato. Quantos representantes de pessoas fizeram isso na história até aquele período?

Minhas posições políticas e técnicas eram de conhecimento de todas as áreas dentro da autogestão e fora dela. Nunca um diretor havia estado presencialmente em todas as bases sociais da Cassi respondendo perguntas e explicando como funcionava o modelo assistencial da autogestão. Não visitei apenas bases sociais gigantes como alguns faziam antes, visitei estados pequenos para valorizar e dar igualdade de tratamento aos participantes de nosso sistema de saúde Cassi.

Para defender os interesses da Cassi e dos associados, tomei decisões que me fizeram deixar de receber dezenas de milhares de reais de PLR a que todos os bancários do banco cedidos tinham direito. Minha atitude foi uma forma política de pressionar o Banco a assumir a despesa daquela remuneração de seus funcionários e não a Cassi, uma autogestão em saúde. Esse embate político livrou a Cassi para sempre de despesas de milhões de reais, pois fiz o recurso daquele direito ser pago pelo patrocinador. Essa informação era sabida nos corredores da instituição.

Cartão corporativo - Está em evidência a questão de gastos com cartão corporativo, principalmente depois dos valores inimagináveis gastos pelo presidente do país entre 2019 e 2022. Os diretores da Cassi tinham direito a cartão corporativo quando iniciei o mandato. Era e é algo absolutamente normal numa empresa do porte da Cassi. Por decisão pessoal, guardei o cartão numa gaveta até o fim do mandato. Nunca utilizei um centavo do cartão corporativo a que tinha direito.

Quando a autogestão contingenciou algumas despesas por causa da questão histórica e recorrente em décadas de déficits orçamentários, passei a usar recursos próprios, de meus proventos, para manter o planejamento estratégico da diretoria a qual era responsável. Uma de minhas funções estatutárias como diretor de saúde era a relação com os conselhos de usuários e associados país afora. Era também o gestor das unidades regionais próprias da Cassi, tanto administrativas quanto de atendimento em saúde. Com o contingenciamento de recursos, passei a contar com apoio de entidades representativas e com meus recursos para cumprir as agendas da diretoria. Foram milhares de reais investidos no compromisso com a base social que representava.

Tenho a tranquilidade de dizer que imagino que poucos gestores da história da Cassi leram tantos documentos completos da autogestão e estudaram a história da Caixa de Assistência como eu fiz. Durante o mandato que exercemos eram milhares de páginas de súmulas e atas semanais para debater e deliberar. E mesmo cumprindo agendas nas unidades Cassi nos estados, eu lia toda a documentação. Alguns adversários políticos inventavam mentiras e ilações alegando que o diretor só trabalhava nas terças, dia das reuniões executivas, como se meu trabalho de duas ou três jornadas diárias nas regionais da Cassi e as leituras de documentos em finais de semana e noites afora não fosse trabalho. Mentiras levianas e criminosas de gente de má-fé.

A democracia e o respeito ao corpo de profissionais da Cassi foi um marco em nossa gestão. Processos seletivos transparentes com oportunidades para todos, todas e todes, gestão com paridade de gênero tendo durante nosso mandato praticamente a metade das funções gerenciais sendo exercidas por mulheres. Foram quatro anos de relações cordiais de trabalho com as equipes tanto na sede em Brasília quanto nas 27 Unidades Cassi e CliniCassi nos estados. Fui um defensor incansável das trabalhadoras e trabalhadores da Cassi.

A agenda pública que mantive do primeiro ao último dia de mandato permitiram que as lideranças dos associados, entidades sindicais e associativas e conselheiros de usuários me dessem retorno (feedback) dizendo que liam todas as postagens que fazia, mesmo sendo textos longos, técnicos e políticos sobre a Cassi. Foram mais de 650 textos e mais de meio milhão de acessos durante o mandato.

Para finalizar a descrição de alguns marcos de nossa passagem pela gestão da Cassi, desenvolvemos estudos técnicos nunca realizados que comprovaram a eficiência do modelo assistencial de Estratégia de Saúde da Família (ESF). Ao levar a questão do déficit do custeio da Cassi para as entidades representativas, fui um dos responsáveis pela criação de uma mesa nacional de negociação com o Banco, que resultou em receitas novas incluindo a parte patronal. E tenho orgulho de dizer que durante os quatro anos de nosso mandato nenhum direito do associado foi perdido ou reduzido. Não aceitei em hipótese alguma levar adiante propostas patronais que propunham a quebra da solidariedade no custeio de nosso sistema de saúde Cassi.

Imagino que os exemplos acima da forma como gerimos a Cassi em nome dos associados já são suficientes para as leitoras e leitores entenderem o quanto foi sem coerência com a realidade alguns gestores da Cassi aceitarem abrir um processo administrativo contra o diretor eleito a partir de uma cartinha anônima de baixíssimo nível dizendo que eu não trabalhava, que eu gastava recursos da Cassi com viagens pessoais, que as pessoas que trabalhavam comigo eram vagabundas, que eu era ditador e baixarias do tipo. E mesmo sendo algo sem pé nem cabeça, iniciaram o lawfare contra a minha pessoa.

Coincidentemente, duas semanas antes da carta "anônima" dar entrada às instâncias diretivas da autogestão em saúde, o mesmo diretor eleito havia sido tema de um pedido de processo administrativo pela parte indicada pelo patrocinador por causa dos textos informativos ao corpo social que representava, feitos em seu blog na internet. A metade eleita da gestão não concordou com o pedido de processo por entender que liberdade de opinião não pode ser criminalizada. Aliás, o patrocinador também usava seus canais de comunicação para opinar livremente sobre a Cassi e os gestores eleitos. Direitos iguais.

Dias depois da rejeição de processo administrativo contra o diretor, aparece a carta "anônima" com acusações que desafiavam a realidade pública dos fatos...

Imaginem vocês a situação que vivi durante meses. Havia uma acusação contra mim, abriram um processo administrativo contra mim, todo mundo sabia o que a carta anônima dizia e eu não tinha acesso à denúncia formalmente (só muito tempo depois me deram uma cópia). Evidente que pessoas que me respeitavam me disseram o teor das ilações. Quando advogados e advogadas passaram a me defender, me tranquilizaram pelo fato de terem tomado conhecimento do que descrevi acima, de minha vida pública e publicada, e do absurdo de eu sequer ter direito pleno à minha defesa.

O que mais doía era saber que as mentiras não tinham cabimento e, mesmo assim, a metade indicada pelo patrocinador mais uma senhora mau-caráter de nossa metade eleita aceitarem aquele documento para que eu passasse meses de martírio e humilhações. Eles sabiam que eu era inocente e nenhuma daquelas acusações tinha fundamento. Para se ter ideia dos absurdos do processo, os relatórios da auditoria me pediram para "justificar" onde estava e o que estava fazendo em uma centena de dias aleatórios dos quatro anos do mandato por não ter passado nas catracas do prédio, como se eu não fosse diretor estatutário e como se algum humano lembrasse de uma coisa dessas (meu blog me salvou desse assédio!). Um dos dias citados, eu tinha sido palestrante da Cassi em curso de formação na Unidade Cassi SP. Com certificado assinado pelo presidente da Cassi... meus advogados vendo aquilo disseram que aquele assédio sairia caro para a empresa.

A primeira parte do duro processo de assédio, eu vivenciei entre dezembro de 2017 e maio de 2018, quando se encerrou meu mandato na autogestão. Não preciso dizer que esse processo foi usado contra a minha candidatura à reeleição... as chapas concorrentes alegavam que eu não trabalhava e que tinha processo contra mim na Cassi (uso político do lawfare). A segunda parte do assédio durou de junho até abril do ano seguinte, já no governo do inelegível. Acabei saindo mais cedo do que imaginei da empresa pública para a qual dediquei a minha vida e depois tive acesso aos documentos que desaconselharam meus algozes a entrarem com ação na justiça contra a minha pessoa, porque as acusações não se sustentariam perante a justiça, não havia provas daqueles absurdos inventados contra mim. O processo foi arquivado.

Como disse, ser vítima dessas mentiras inventadas contra pessoas inocentes é algo terrível. Muitas pessoas devem ficar no limite do suportável por causa dos efeitos das ilações construídas para destruir pessoas. Algumas pessoas sucumbem e fazem algo impensável em contextos normais de estresse.

Eu confesso que suportei pacificamente e psicologicamente o que fizeram contra a minha honra e a minha história de lutas em nome da classe trabalhadora por ter tido uma formação política humanista e de esquerda no movimento sindical bancário. E porque tive o apoio das entidades sindicais e da militância que conheciam meu trabalho de toda uma vida. Imagino que muitas pessoas talvez tivessem chegado no seu limite com tanta covardia e perversidade baseadas em mentiras.

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É isso! Ver nesta semana desfechos trágicos de casos de mentiras e ilações contra pessoas me deixou triste demais e com o coração carregado por saber que qualquer pessoa inocente pode ser vítima dessas ferramentas de assassinato de reputações e destruições de vidas.

Não desejo isso para ninguém, nem para as pessoas com visões de mundo opostas à minha. Criar acusações falsas contra as pessoas não é legal. Não façam isso. Por trás dessas ondas de mentiras existe um alvo que é uma pessoa de carne e osso, um ser humano.

William


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