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| O grito de Crisóstomo. |
Refeição Cultural
O DIVERSO É O COMUM
Certa vez, quando era adolescente, cheguei numa madrugada, vindo da rua, e dei um longo grito no quintal de minha avó, onde morávamos, e assustei muita gente. Foi um ato insano. Foi um grito de dor. Não deveria ter feito aquilo, mas fiz. Devia estar numa deprê impossível de suportar.
Ao assistir ao filme "O filho de mil homens" me lembrei na hora desse episódio de minha vida ao ver Crisóstomo gritar em frente ao mar para aliviar sua dor e sua solidão.
Vi por esses dias três filmes que me deixaram pensativo, filmes cuja temática central diria ser as idiossincrasias desse fantástico animal que somos, os seres humanos, únicos na natureza enquanto espécie que cria abstrações que dominam os criadores e únicos no comportamento mesmo sendo bilhões de indivíduos da mesma espécie.
Os filmes "O filho de mil homens" (2025), "O pior vizinho do mundo" (2022) e "Papai" (2023) se interligaram em minhas reflexões ao me fazerem pensar nas complexidades das relações humanas, nas violências dolorosas dos preconceitos humanos e nas possibilidades de mudança contidas em cada um de nós, enquanto seres incompletos e biologicamente preparados para as adaptações aos ambientes aos quais estamos inseridos como seres vivos e tentando sobreviver.
Crisóstomo (Rodrigo Santoro), Otto (Tom Hanks), Clark (Sean Penn) e as personagens com as quais interagem e convivem ou por um curto espaço de tempo ou por toda uma vida refletem a questão que me deixou bolado nesses dias: o quanto somos diversos e o quanto a solidão de alguma forma marca a vida de boa parte da sociedade humana, muitas vezes pelo fato de não nos encaixarmos naqueles padrões violentos impostos a nós por outros.
O rapaz que gritou no quintal de casa numa madrugada lá nos anos oitenta sentia uma dor impossível de suportar no peito. Crisóstomo grita quando precisa aliviar a dor que sente no peito. A solidão nesses casos não era solitude, era incompletude.
Otto encontrou certo dia a cor em sua vida, o motivo de seguir adiante. Depois sua vida ficou cinza, opaca. O rapaz que não se encontrava na vida, que vivia a esmo num mundo cinza, encontrou a cor nas veredas que trilhou, depois encontrou sentidos nas coisas que lhe destacaram para fazer.
Na conversa entre Clark e a jovem Girlie vemos os acasos do destino que definem as vidas de todos nós, fuck esse papo furado de controle da situação... controle o cacete! Ninguém controla nada! Assim foi minha vida também... de vereda em vereda...
Quando vi, estava fora de casa. Quando vi, brigava com todo mundo, queria viver, queria morrer, queria amar. Quando vi era pai, aventureiro, sindicalista, tinha emprego fixo quase sob tortura de um governo desgraçado.
Acho que Crisóstomo nunca foi condutor. Otto nunca foi condutor. Incrível, mas Clark não conduziu sua vida, o acaso a definiu. Nunca conduzi minha vida. Ela foi indo, indo, a esmo. Só fiz foi tentar fazer o correto da jornada.
Concluí muita coisa da existência. Vejo o diverso a cada olhar ao redor... Vejo muita dor e solidão também... Queria poder aliviar a dor de muita gente...
Hoje nem gritar eu posso...
Como nos ensina Rubem Alves em seu texto perfeito "O nome", vivemos numa gaiola, o nosso nome, e já se esperam tudo de mim, e de Crisóstomo, e de Otto, e de Clark, e de cada um de vocês.
O que nos salva das gaiolas dos nomes são os imponderáveis que a existência nos apresenta a cada amanhecer e anoitecer.
Enfim, as histórias das personagens desses filmes, suas dores, as violências e preconceitos que viveram, os encontros e as descobertas, as relações humanas pelo simples fato de existirem, me fazem encerrar de forma otimista as reflexões.
Amanhã será outro dia, por muito tempo ainda. Não só para mim, um personagem do mundo, mas para todos nós, viventes desse mundo cheia de diversidade.
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FILMES
O filho de mil homens (2025)
Direção: Daniel Rezende. Roteiro: Daniel Rezende, Valter Hugo Mãe, Duda Casoni. Com: Rodrigo Santoro, Miguel Martines, Juliana Caldas, Johnny Massaro, Rebeca Jamir, Grace Passô e elenco.
Sinopse (Netflix):
Em uma pequena vila, um pescador solitário (Crisóstomo) com o sonho de ter um filho se conecta, de forma extraordinária, a um grupo de pessoas e seus segredos.
Comentário:
O filme retrata de forma surpreendente as questões complexas ligadas às relações humanas, abordando o quanto a violência e as diversas formas de preconceitos podem afetar a vida das pessoas, alterando o curso de suas histórias.
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O pior vizinho do mundo (2022)
Direção: Marc Forster. Roteiro: David Magee Com: Tom Hanks, Mariana Treviño, Rachel Keller, Manuel Garcia-Rulfo, Cameron Britton, Juanita Jeannings, Mack Bayda.
Sinopse (Netflix):
Decepcionado com o mundo e cansado da dor do luto, um aposentado rabugento planeja pôr um fim nesse sofrimento, mas tudo muda quando conhece uma família cheia de vida.
Comentário:
Filme muito bom! Otto é o vizinho ranzinza que gosta das coisas certas e das regras respeitadas em seu condomínio de casas, algo muito difícil de se ver. Ao longo da história, vamos conhecendo as particularidades de Otto e fica mais fácil entender como cada um de nós é diferente e único no tecido social chamado sociedade humana.
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| Cena do filme "Daddio" |
Papai (Daddio), de 2023.
Direção: Christy Hall. Com: Sean Penn e Dakota Johnson.
Sinopse (Wikipedia):
Após aterrissar no Aeroporto Internacional John F. Kennedy, uma jovem toma um táxi para regressar ao seu apartamento em Manhattan, Nova York. Durante a corrida, e o trânsito intenso por causa de um acidente, ela e o taxista Clark conversam sobre diversos temas, inclusive os relacionados à vida pessoal deles.
Comentário:
Poderia parecer uma história sem verossimilhança o nível da conversa entre a jovem passageira e o motorista se não tivéssemos o hábito de pegar táxi ou aplicativo e de repente começar a ouvir as histórias mais absurdas ou até mesmo contar a um estranho questões de foro íntimo. Gostei do filme e fiquei pensando também sobre as idiossincrasias de cada ser humano.
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É isso!
Essa foi mais uma postagem da série sobre filmes.
O texto anterior pode ser lido aqui.
William




















