segunda-feira, 21 de junho de 2021

32. Hamleto - William Shakespeare



Refeição Cultural - Cem clássicos

"HAMLETO: Ser ou não ser... Eis a questão. Que é mais nobre para a alma: suportar os dardos e arremessos do fado sempre adverso, ou armar-se contra um mar de desventuras e dar-lhes fim tentando resistir-lhes? Morrer... dormir... mais nada... Imaginar que um sono põe remate aos sofrimentos do coração e aos golpes infinitos que constituem a natural herança da carne, é solução para almejar-se. Morrer... dormir... dormir... Talvez sonhar... É aí que bate o ponto. O não sabermos que sonho poderá trazer o sono da morte, quando alfim desenrolarmos toda a meada mortal, nos põe suspensos. É essa ideia que torna verdadeira calamidade a vida assim tão longa! Pois quem suportaria o escárnio e os golpes do mundo, as injustiças dos mais fortes, os maus-tratos dos tolos, a agonia do amor não retribuído, as leis amorosas, a implicância dos chefes e o desprezo da inépcia contra o mérito paciente, se estivesse em suas mãos obter sossego com um punhal? Que fardos levaria nesta vida cansada, a suar, gemendo, se não por temer algo após a morte - terra desconhecida de cujo âmbito jamais ninguém voltou - que nos inibe a vontade, fazendo que aceitemos os males conhecidos, sem buscarmos refúgio noutros males ignorados? De todos faz covardes a consciência. Desta arte o natural frescor de nossa resolução definha sob a máscara do pensamento, e empresas momentosas se desviam da meta diante dessas reflexões, e até o nome de ação perdem. Mas, silêncio! Aí vem vindo a bela Ofélia. Em tuas orações, ninfa, recorda-te de meus pecados." (SHAKESPEARE, Hamleto, p. 74)


Reli o clássico Hamleto, de Shakespeare, entre ontem e hoje. Foi minha terceira incursão na tragédia, escrita por volta do ano de 1600. Minha primeira leitura foi ainda na juventude, antes dos 20 anos. Depois, a li em 2005, já adulto e com maior experiência de vida. Agora a releio aos 52 anos. Que tragédia! É um grande clássico da literatura mundial.

Desta vez, a leitura foi motivada por outra leitura em andamento: Ulysses, de James Joyce. Dias atrás, li o capítulo 9 da epopeia irlandesa e parte da temática abordada no capítulo se trata de Hamlet e Shakespeare. Assim que terminei a leitura, pensei em reler o clássico shakespeareano. Ler aqui a postagem sobre a leitura de Joyce.

Essa tragédia deu origem a algumas expressões que se tornaram populares na cultura mundial. O drama do jovem príncipe Hamlet nos põe a pensar sobre a vida e a morte.

A edição que tenho foi presente de meu primo mineiro Jorge Luiz, na tradução de Carlos Alberto Nunes e com ilustrações feitas no século XIX, por John Gilbert.

Ilustração de John Gilbert. Hamleto segura
nas mãos o crânio do bobo do rei, Yorick.

Alguns textos que li sobre Shakespeare me trouxeram conhecimento novo a respeito do dramaturgo e poeta. As leituras de curiosidades se deram após ver o debate sobre o personagem Hamlet através de Stephen Dedalus, personagem de Joyce. 

Shakespeare teve três filhos, e o único filho homem - Hamnet - morreu aos 11 anos de idade. Alguns críticos dizem que as tragédias do dramaturgo ficaram muito mais intensas após isso. No Ulysses, de Joyce, o personagem principal, Leopold Bloom, também padeceu dessa dor indescritível, perder o único filho homem - Rudy -, que no dia em que se passa a estória, teria também 11 anos de idade.

Muitos estudiosos e críticos associam a semelhança entre o nome do filho morto de Shakespeare (Hamnet) ao nome do personagem principal da tragédia (Hamlet).

Algumas passagens de Hamleto são por demais fantásticas, a do "ser ou não ser", a do crânio do bobo da corte durante a passagem de Hamleto pelo cemitério, dentre outras. Veja alguns excertos abaixo:

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"HAMLETO: Recebamo-lo, então, como a estrangeiro. Há muita coisa mais no céu e na terra, Horácio, do que sonha a nossa pobre filosofia." (p. 46)

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"POLÔNIO: (...) Vou falar-lhe outra vez. Que é que o meu príncipe está lendo?

HAMLETO: Palavras, palavras, palavras..." (p. 58)

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"HAMLETO: Pode-se pescar com um verme que haja comido de um rei, e comer o peixe que se alimentou desse verme.

O REI: Que queres dizer com isso?

HAMLETO: Nada; apenas mostrar-vos como um rei pode fazer um passeio pelos intestinos de um mendigo." (p. 107)

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"HAMLETO: Deixa-me vê-lo. (toma o crânio.) Pobre Yorick! Conheci-o, Horácio. Um sujeito de chistes inesgotáveis e de uma fantasia soberba. Carregou-me inúmeras vezes às costas. E agora, como me atemoriza a imaginação! Sinto engulhos. Era aqui que se encontravam os lábios que eu beijei não sei quantas vezes. Onde estão agora os chistes, as cabriolas, as canções, os rasgos de alegria que faziam explodir a mesa em gargalhadas? Não sobrou uma ao menos, para rir de tua própria careta? Tudo descarnado! Vai agora aos aposentos da senhora e dize-lhe que embora se retoque com uma camada de um dedo de espessura, algum dia ficará deste jeito. Faze-a rir com semelhante pilhéria. Dize-me uma coisa, Horácio, por obséquio.

HORÁCIO: Que é, príncipe?

HAMLETO: Acreditas que Alexandre, depois de enterrado, tivesse esse mesmo aspecto?

HORÁCIO: Igual, igual, príncipe.

HAMLETO: E este cheiro? Puá!!

                  (joga o crânio.)"

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É isso. Mais um clássico relido.

Eu sei que deveria focar na leitura das dezenas de clássicos que ainda não li (o tempo de minha vida está escorrendo pelas bordas da terra plana na qual me peguei após o golpe de Estado no Brasil e as mortes severinas ficam nos cercando nos dias que correm), mas não tem jeito. Às vezes, temos que reler clássicos que já vimos muito tempo atrás. Até porque somos outra pessoa, o mundo é outro, o contexto idem e até a leitura coletiva da obra é outra.

Abraços aos leitores e leitoras.

William


Bibliografia:

SHAKESPEARE, William. Hamleto. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Coleção Universidade de Bolso. Ediouro/10983.


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