Refeição Cultural
Temos que desafiar a lei quando ela é injusta
Ao ler a autobiografia de Nelson Mandela, hoje pela manhã, me emocionei. Às vezes, vivemos aquelas coincidências que despertam emoção pelo inusitado do fato.
Dias atrás, interrompi as leituras dos clássicos que estou lendo, livros de leitura demorada, e li alguns livros menores, tragédias gregas entre eles. Li Édipo Rei e Antígona, de Sófocles, e Prometeu Acorrentado, atribuído a Ésquilo. Preenchi algumas de minhas lacunas culturais.
A leitura de Mandela está numa parte difícil porque estou acompanhando os relatos do período em que ele esteve preso na ilha de Robben, cumprindo pena de prisão perpétua por lutar pela liberdade e igualdade para o povo negro sul-africano, povo humilhado e sobrevivendo na absoluta miséria por causa da minoria branca africâner e o regime racista do apartheid.
De repente, Mandela nos conta que chegou a participar de peças teatrais durante seus estudos universitários.
"Eu apareci em apenas alguns dramas, mas tive um papel memorável: o de Creonte, o rei de Tebas, na Antígona de Sófocles. Eu havia lido algumas das peças clássicas do teatro grego na prisão e as achava enormemente inspiradoras. O que eu tirei delas foi que o caráter era medido através de como as situações difíceis eram encaradas e que um herói era um homem que não cedia nem diante das circunstâncias mais difíceis." (p. 557)
Gente, eu havia acabado de ler e conhecer a história de Antígona! Foi de arrepiar! A literatura tem dessas coisas, as intertextualidades e as referências são a base da literatura mundial. As grandes obras literárias, os grandes autores e pensadores, sempre dialogam entre si ao longo dos milênios de cultura humana.
Seguindo com a descrição feita por Mandela, no parágrafo seguinte, eu comecei a temer que a identificação entre Mandela e o personagem que ele interpretou, o rei Creonte, fosse me decepcionar.
"Quando Antígona foi escolhida para ser encenada, eu ofereci os meus serviços, e me pediram que eu interpretasse Creonte, um rei idoso lutando em uma guerra civil pelo trono de sua querida cidade-estado. No início da peça, Creonte é sincero e patriótico, e há sabedoria nas suas falas iniciais quando ele sugere que a experiência é a base da liderança e que os deveres para com o povo têm prioridade sobre a lealdade a um indivíduo." (p. 557)
Ao ler a tragédia de Sófocles eu fiquei muito puto com o rei Creonte. Minha simpatia havia sido evidentemente pela figura de Antígona. Seguimos com a descrição de Mandela.
"Mas Creonte lida com os seus inimigos impiedosamente. Ele decretou que o corpo de Polinice, irmão de Antígona, que havia se rebelado contra a cidade, não merecia um funeral apropriado. Antígona se rebela com base em que há uma lei acima daquela do estado. Creonte não quer ouvir Antígona, nem ouve a ninguém a não ser os seus demônios interiores. Sua inflexibilidade e cegueira não caem bem em um líder, pois um líder deve temperar a justiça com misericórdia. Antígona era quem simbolizava a nossa luta; ela era, à sua própria maneira, uma guerreira pela liberdade, pois ela desafiava a lei por ela ser injusta." (p. 558)
Cara, meus olhos encheram d'água...
Demais!
É por isso que temos que lutar contra todas as desgraças e crimes lesas-pátrias cometidos pelos golpistas e pelos bolsonaristas após o golpe de Estado em 2016. Temos que ser guerreiros pela liberdade e lutar pelo que é justo, ou seja, lutar contra as reformas e leis que prejudicaram o povo brasileiro e a classe trabalhadora e entregaram o patrimônio público para meia dúzia de burgueses apaniguados do regime nazifascista de plantão.
William
Bibliografia:
MANDELA, Nelson. Longa caminhada até a liberdade. Tradução de Paulo Roberto Maciel Santos. Curitiba: Nossa Cultura, 2012.
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