sábado, 12 de junho de 2021

120621 - Diário e reflexões



Refeição Cultural

"Eu não estava interessado nos Hell's Angels, mas a questão mais ampla que me preocupava era se nós tínhamos, como Strini havia sugerido, nos prendido a uma forma de pensar que já não era mais revolucionária..." (MANDELA, 2012, p. 612)


Temos que pensar de forma revolucionária, temos que ter utopias!

Sábado, 12 de junho. Quando me levantei pouco depois das 6 horas da manhã, o dia estava com uma neblina rara de se ver. Queria terminar mais um capítulo da autobiografia de Nelson Mandela e às 7h já estava no texto.

Ontem, ouvi também um bate papo entre o jurista Pedro Serrano, o historiador Fernando Horta e o linguista Gustavo Conde que me deixou muito pensativo. Ouvir Pedro Serrano não é qualquer coisa para um militante de esquerda e para alguém que luta por justiça social. 

Serrano disse em suas reflexões que o tempo atual é de completa superficialidade nos pensamentos e nos conceitos, nos objetivos e nas questões contemporâneas. A esquerda e a direita são extremamente superficiais. E ele tem razão, na minha opinião. As causas são sempre focadas nas questões emergenciais e não há projetos com engajamentos para médio e longo prazo.

Ao ouvi-lo argumentando sobre a superficialidade das pessoas e dos projetos e objetivos das forças políticas e sociais, concordei com ele que precisamos recuperar os projetos e causas que nos norteiem o futuro coletivo, que nos apontem caminhos para salvar a humanidade e o mundo onde vivemos. Estamos falando em utopias! O que nos move? A que mundo pertencemos? 

Aí pego os exemplos tirados da leitura da autobiografia do líder negro sul-africano Nelson Mandela. A libertação do povo negro sul-africano e o fim do regime racial do apartheid só foi possível porque havia um projeto de futuro, coletivo, de todo um povo, que sofria e que queria mudar aquilo, queria a liberdade, a igualdade, queria usufruir tudo o que a terra pode oferecer a um povo e tudo o que a humanidade criou. E a luta em busca desse sonho, desse objetivo, durou décadas.

Repito a preocupação de Mandela, que citei acima: será que nossa forma de pensar já não é mais revolucionária? Nos acostumamos às merdas com as quais estamos lidando? Não sonhamos mais mudar a realidade?

Isso é sério! Temos que pensar a respeito disso, avaliar com franqueza qual tem sido o sentido de nosso viver e tomar decisões sobre o que queremos pessoal e coletivamente, para nós e para o mundo no qual vivemos.

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Tenho pensado a respeito disso, mesmo aos 52 anos de idade, mesmo fora do movimento organizado de lutas sociais ao qual participei por duas décadas. Avalio que estamos pensando de forma superficial, sim. Todos nós da esquerda. E não acho que vamos mudar a nossa história se não tivermos um projeto de mundo, de humanidade, de vivência para as próximas décadas e estratégias e táticas desenvolvidas para chegarmos lá; o "nós" aqui, o plural majestático, é porque estou falando de nós, nós humanos, nós humanidade, nós seres vivos.

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METÁFORA DA HORTA

"Uma horta era uma das poucas coisas na prisão que se podia controlar. Plantar uma semente, observá-la crescer, cuidar dela e então colhê-la, proporcionava uma satisfação simples, porém duradoura. A sensação de ser o zelador de um pequeno pedaço de terra oferecia um pequeno gosto de liberdade.
  De certa forma, eu via a horta como uma metáfora para certos aspectos da minha vida. Um líder também deve cuidar da sua horta; ele também planta sementes, e então observa, cultiva e colhe o resultado. A exemplo do jardineiro, um líder deve se responsabilizar pelo que cultiva; ele deve ocupar-se com seu trabalho, tentar repelir os inimigos, preservar o que pode ser preservado, e eliminar o que não pode prosperar.
" (p. 597/98)


Profunda essa metáfora que Mandela usa. Em certas situações na vida temos pouca ou nenhuma capacidade de controlar os acontecimentos. Mas sempre há coisas que podemos controlar minimamente, como nosso comportamento, por exemplo. Nossas atitudes são provocadas pelo mundo exterior a nós, é verdade, mas desenvolver técnicas e capacidade de controlar nossas atitudes é algo fundamental para um militante de esquerda e um lutador das causas sociais. Soube que isso é possível ao ser dirigente e líder das lutas dos bancários, negociador e gestor de entidades de classe.


O ENSINAMENTO EM "GUERRA E PAZ"

"Um livro que li muitas vezes foi o grande trabalho de Tolstói, Guerra e Paz (apesar de o título conter a palavra guerra, este livro era permitido). Fiquei particularmente fascinado pela descrição do General Kutuzov, a quem todos na corte russa subestimaram. Kutuzov derrotou Napoleão precisamente porque não foi seduzido pelos valores superficiais e efêmeros da corte, e tomou suas decisões com base em uma compreensão visceral de seus homens e seu povo. Isso me lembrou novamente que, para realmente liderar o seu povo, a pessoa deve também verdadeiramente conhecê-lo." (p. 601)


Outro grande momento do livro de Mandela foi essa passagem na qual ele cita uma obra clássica da literatura mundial, seus personagens e a vida real. Aliás, a citação fala da superficialidade da vida na corte, assim como Pedro Serrano dos tempos que correm.

"para realmente liderar o seu povo, a pessoa deve também verdadeiramente conhecê-lo"

Amig@s, essa é uma questão crucial. Por quase duas décadas fui dirigente sindical e por esse mesmo período de militância fiz trabalho de base junto aos trabalhadores que representava. Nunca deixei de estar nos locais de trabalho porque não conseguiria realizar nada das lutas que empreendi se não estivesse em relação aberta e franca com as pessoas que representava e, é claro, se não tivesse objetivos e utopias a perseguir e nortear meu caminho.

É isso.

Temos que ter utopias, temos que deixar de sermos superficiais, temos que desenvolver projetos e estratégias para salvar o planeta Terra e a humanidade. Entendo que essa é uma tarefa da esquerda. É uma tarefa que não vai a lugar algum sem o engajamento dos jovens e a participação das demais gerações que aqui estão.

William


Bibliografia:

MANDELA, Nelson. Longa caminhada até a liberdade. Tradução de Paulo Roberto Maciel Santos. Curitiba: Nossa Cultura, 2012.


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