terça-feira, 13 de julho de 2010

Hoje, eu não fiz a diferença


Quando eu era criança, caiu na porta de casa uma rolinha ferida com um corte no papo, de onde saíam as sementinhas que ela havia comido.

Eu a peguei, limpei o ferimento, costurei a pelinha do papo com a ajuda de minha mãe e a deixamos em uma caixa de sapato para se recuperar.

Aparentemente, o único ferimento que ela tinha era mesmo o papinho rasgado. Horas depois, ela estava melhor e voou para a antena da casa vizinha e depois para o mundo.

Eu fiz a diferença para aquele passarinho.


Hoje, dia chuvoso e frio no centro de São Paulo, eu voltava do almoço acompanhado de colegas de meu trabalho. Um deles, quase pisou em um filhote de passarinho, encolhido no vão do degrau de uma cafeteria. Vimos que estava vivo. Provavelmente, caiu de alguma árvore.

Eu o peguei do chão, preocupado em alguém pisar nele e esmagá-lo. Fiquei com ele na mão, meio sem saber o que fazer. Acabei por procurar um lugar para abrigá-lo, achei um local na praça, uma espécie de caixinha de hidrante, com uma área interna protegida da chuva e o deixei ali.

Depois do café, já meio pensativo se não poderia fazer algo mais, voltei até o local e pensei se não deveria levá-lo na mão até meu trabalho e, sei lá, colocá-lo em uma caixinha e tentar alimentá-lo.

Eu não fiz isso. Fiquei indeciso e não fiz nada.

Voltando, o pessoal ainda comentou que a natureza é assim mesmo e que ele vai ser comida de rato hoje e depois o rato comida de gato...

Cara, vim embora no trem lembrando do filhote de passarinho.

É evidente que eu o deixei lá para a morte. Na minha mão, ele poderia ter uma chance. Ali, ou morreria de frio ou comido.

Cheguei a minha casa muito mal. Me sentindo um bosta!

Eu não fiz o possível por aquele passarinho. Que merda!

Hoje, eu não fiz a diferença.


TIRANDO LIÇÕES SINDICAIS E DE VIDA MILITANTE

Ainda remoendo o peito e tentando tirar alguma lição do fato, penso que faltaram duas atitudes comuns nas crianças e que perdemos quando nos tornamos adultos:

- a simplicidade. A criança sente vontade de algo e vai logo fazendo se não lhe põem freio. Lembrei-me da historinha da criança que salvava uma conchinha na praia em milhões delas, mas salvava uma conchinha!

- a descomplicação. A criança não fica fazendo conta e calculando dificuldades nas coisas. Não fica vendo impossibilidades em tudo.


Hoje, faltou-me um coração de criança e uma atitude militante decisiva. Hoje, eu não fiz a diferença!

2 comentários:

Carlos Eduardo Bancário disse...

William, parabéns pelo texto inteligente nos propósitos simbólicos em propor uma postura mais humana em relação ao mundo. Mas pensando no pássaro, que m..... Esse realmente já foi. Só um milagre. E vê que a turma ainda vai te zoar por causa do passarinho perdido. Segue na luta, vlw

William Mendes disse...

Camarada e amigo, todos nós somos, inexoravelmente, o resultado dos instantes de vida que nos compõem. Sem receio da zoação! William