quarta-feira, 7 de março de 2012

ODISSÉIA - HOMERO (em versos)

Homero - fonte: Wikipedia

(texto atualizado em 18/3/12)

Tradução de Manuel Odorico Mendes (1799-1864)

LIVRO I


Canta, ó Musa, o varão que astucioso,
Rasa Ílion santa, errou de clima em clima,
Viu de muitas nações costumes vários.
Mil transes padeceu no equóreo ponto,
Por segurar a vida e aos seus a volta; (5)
Baldo afã! Pereceram, tendo, insanos,
Ao claro Hiperiônio os bois comido,
Que não quis para a pátria alumiá-los.
Tudo, ó prole Dial, me aponta e lembra.


Este é o começo da Odisséia em verso, na tradução de Manuel Odorico Mendes, na bela edição da Edusp.


A leitura em verso não é nada fácil. Na edição que tenho, ajuda muito o índice que acompanha cada página explicando o que são aquelas palavras de pouco uso ou em forma de neologismos e adaptações poéticas muito criativas por Odorico Mendes.


Da guerra e do mar sevo recolhidos (10)
Os que eram salvos, um por seu consorte
Calipso, ninfa augusta, apetecendo,
Separava-o da esposa em cava gruta.
O Céu porém traçou, volvendo-se anos,
De Ítaca reduzi-lo ao seio amigo, (15)
Onde novos trabalhos o aguardavam.
De Ulisses condoíam-se as deidades;
Mas, sempre infenso, obstava-lhe Netuno.
Este era entre os Etíopes longínquos,
Do oriente e ocidente últimos homens, (20)
Num de touros e ovelhas sacrifício,
A deleitar-se; e estavam já no alcáçar
Do Olimpo os habitantes, em concílio,
O soberano, a recordar Egisto,
Do Agamemnônio Orestes imolado, (25)
Principia: "Os mortais, ah!, nos imputam
Os males seus, que ao fado e à própria incúria
Devem somente. Contra o fado mesmo,
Do porvir não cuidadoso, há pouco Egisto,
Em seu regresso o Atrida assassinando, (30)
Esposou-lhe a mulher, bem que enviado
O Argicida sutil o dissuadisse:
'De o matar foge, e poluir seu leito;
Senão, tem de vingá-lo, adolescente,
Sendo investido no seu reino, Orestes'. (35)
Mercúrio o amoestou, mas surdo Egisto
Os delitos por junto expia agora".


COMENTÁRIO:


Orestes, filho de Agamêmnon, matou em vingança Egisto, que lhe havia matado o pai e tomado a mãe em adultério. De nada valeu a Egisto o aviso dos deuses, enviado pelo mensageiro Mercúrio (Hermes) dizendo que o jovem filho de Agamêmnon acabaria por vingar o pai.


Agamêmnon é um dos grandes guerreiros gregos que comandaram a luta contra Tróia.


A quem Minerva: "Sumo pai Satúrnio,
Jaz com razão punido esse perverso;
Todo que o imitar, como ele acabe! (40)
Mas a aflição de Ulisses me compunge,
Que, há tanto longe dos amenos lares,
Em ilha está circúnflua e nemorosa,
Lá no embigo do mar, onde é retido
Pela filha de Atlante onisciente, (45)
Que o salso abismo sonda, o peso atura
Das colunas que a terra e o céu demarcam.
A deusa com brandícias o acarinha;
De Ítaca ele saudoso, o pátrio fumo
Ver deseja e morrer. Não te comoves? (50)
Irritou-se faltando, em sua morada
E em Tróia, com ofertas e holocaustos?"


Na edição especial que tenho, há uma introdução de Haroldo de Campos e uma apresentação do professor de literatura grega da Universidade de São Paulo - Antonio Medina Rodrigues -, responsável também pela edição. Se um dia eu tiver mais tempo, disponibilizo o texto do Haroldo de Campos em nome da cultura (clique aqui).


PROFESSOR MEDINA
Digo a vocês que tive o privilégio de ter aulas com o professor Medina no primeiro ano de faculdade (2001). Foram aulas maravilhosas. O cara era doido. Quando ele se empolgava descrevendo as sacanagens entre os deuses, ele começava a gritar e gesticular na sala de maneira que até as meninas menos tímidas ficavam vermelhas.




"E o Junta-nuvens: 'Que proferes, filha,
Do encerro dessa boca? Eu deslembrar-me
Do mortal mais sisudo, o mais devoto, (55)
Aos celícolas pio e dadivoso!
Da terra o abarcador é quem o avexa,
Por ter do olho privado a Polifemo,
O mor Ciclope, que, num antro unida
A Netuno, pariu Toosa, estirpe (60)
De Forcis, deus do pego insemeável.
O Enosigeu de então lhe poupa a vida,
Mas de Ítaca o arreda. Provejamos
Na vinda sua; aplaque-se Netuno:
Só Contra todos contender não pode'. (65)


A olhicerúlea: 'Ó padre, ó rei supremo,
Se vos praz que à família torne Ulisses,
Da ínsula ogígia à ninfa emadeixada
Mercúrio o intime, o herói prudente parta.
A Ítaca baixo a confortar o filho: (70)
Os comantes Argeus convoque ousado;
Suste aos vorazes procos a carnagem
De flexípedes bois e ovelhas píngües.
Dali, na Esparta e na arenosa Pilos,
Do amado genitor se informe e indague, (75)
E entre humanos obtenha ilustre fama'.


(...)"


Bom, para a leitura em prosa desta parte que aqui está em versos Homérico-odoricianos é só ver a postagem em prosa que está no blog.



"Já liga alparcas de ouro incorruptíveis,
que a propelem como aura pelas ondas
Ou pelo amplo terreno; a lança empunha
De érea afiada ponta e desmedida, (80)
Com que turmas de heróis desfaz metuenda,
Progênie de tal pai. Do Olimpo frecha;
Em Ítaca, ao vestíbulo de Ulisses
Tem-se, e de hasta na destra, parecia
O hóspede Mentes, campeão dos Táfios. (85)
Ao pórtico acha intrusos pretendentes,
Sobre couros de bois que morto haviam,
Os dados a jogar. Servos e arautos
Misturam nas crateras água e vinho,
Ou com povosa esponja as mesas pulem, (90)
E partem nelas abundantes carnes.
Distante a vê Telêmaco deiforme:
No meio, taciturno e consternado,
No genitor pensava, que expulsá-los
E reger venha o leme do governo. (95)
Entrementes a avista, e não sofrendo
Por mais tempo de fora um peregrino,
Corre, aperta-lhe a mão, sua arma toma:
'Hóspede amigo, salve; o que precisas,
Depois do teu repasto o saberemos'. (100)


(...)


COMENTÁRIOS:
Na Grécia Antiga, a recepção de um visitante era toda marcada por um ritual. Jamais se iniciavam as tratativas e assuntos diversos antes de se alimentar bem as visitas. Só após a refeição é que se começavam as discussões e conversas.



"Ei-lo encaminha a déia, e já na sala
Ante celsa coluna encosta a lança
À nítida hastaria, onde em fileira
As de Ulisses valente em pé dormiam.
Num trono a põe dedáleo de alcatifa (105)
E de escabelo aos pés, senta-se perto
Em variegada sela; à parte ficam,
Para que, à bulha e ao trato com soberbos,
O hóspede o apetite não perdesse,
E do pai ele a folgo o interrogasse. (110)
De gomil de ouro às mãos verte uma serva
Água em bacia argêntea, a mesa lustra,
Que enche a modesta afável despenseira
De pães e das presentes iguarias;
Escudelas de várias novas carnes (115)
O trinchante apresenta e copos de ouro,
Que arrasa de almo vinho arauto assíduo.


Suspenso o jogo, os feros pretendentes
Ocupam já cadeiras e camilhas;
Dão água às mãos arautos, pão cumulam (120)
Servas em canistréis; atiram-se eles
Aos regalados pratos, e as crateras
Lhes coroam mancebos. Farta a sede,
Farta a fome, em prazer os embriagam
Música, dança, adornos de banquetes: (125)
Cítara ebúrnea entrega um dos arautos
A Fêmio, que forçado ali tangia
E o cântico ajustava as som das cordas.


Inclinou-se Telêmaco a Minerva,
Dizendo à puridade: 'Hóspede caro, (130)
Vou talvez enfadar-te? Eles só curam
De cantigas e danças, porque impunes
Comem do alheio, os bens do herói consomem,
Cuja ossada ou jaz podre em longes terras,
Ou rola entre maretas; ah!, se o vissem (135)
Cá reaparecer, mais que ouro e galas,
Planta leve amariam. Fado acerbo
Urge-o, porém, e embora algum terrestre
A volta sua afirme, as esperanças
Murchas estão, nem luzirá tal dia. (140)
Ora, quem és? de que família e pátria?
Com que gente vieste e em que navio?
Vindo a pé não te creio. Uses franqueza,
Hóspede me és recente ou já paterno?
A muitos nosso teto agasalhava, (145)
E meu pai atraía os forasteiros'.


(...)


Quando li "Os Lusíadas" precisei recomeçar várias vezes as primeiras páginas até pegar o ritmo e sonoridade do texto. Leituras como essa da "Odisséia" precisam de concentração e paciência. Mas depois que pegamos o jeito, passa a ser interessante. Faz tempo que não leio ritmos assim... desde que minha dedicação concentrou-se somente na representação sindical, só raramente mergulho em textos mais complexos.


Bibliografia:
HOMERO. Odisséia. Tradução de Manuel Odorico Mendes. Edição de Antonio Medina Rodrigues. Edusp.

2 comentários:

Anônimo disse...

Oh Deus! Estou sofrendo para ler essa obra, mas o blog está me ajudando muito. Eu tinha dito que leria Odisséia mais para frente, mas vi meu cronograma esses dias e vi que a leitura começa a ser discutida a partir de amanhã... Estou lendo aqui, e vou terminá-lo sem dúvida, nem que eu passe a madrugada lendo KKK' Ler uma obra como esta rápido não funciona, como você disse em um comentário é preciso paciência para pegar a sonoridade, mas depois, vou ler de novo com mais calma. Estou lendo rapidamente agora e pegando comentários no blog para ão ficar perdida na aula de amanhã, mas sem dúvida é uma ótima leitura, mesmo não lendo com a atenção merecida (por causa da pressa) já posso perceber que da próxima vez que eu for ler foi adquirir uma grande bagagem com essa leitura, pois estando nesse momento no canto II, 190 posso perceber que essa leitura faz com que o leitor fantasie a situação, e nos dá um conhecimento de mundo e de ser (: Muito bom o blog tio, está me ajudando muito. Merci (:
- Fanny Saldanha

William Mendes disse...

Olá sobrinha querida!

Quem me dera eu pudesse ajudar um pouco mais com algumas coisinhas que aprendi.

Quando comecei esta postagem, tive a ilusão de que teria tempo para digitar mais coisas...

Meu trabalho está me consumindo umas 12 horas por dia (snif) não estou conseguindo postar muito nos dias que correm.

Beijos,