quinta-feira, 22 de março de 2012

DO ESTADO - O LEVIATÃ de HOBBES

Thomas Hobbes.


OBSERVAÇÃO INICIAL

Vencida a primeira parte de O LEVIATÃ, obra maior de Thomas Hobbes, parte esta que versou a respeito - "DO HOMEM" -, comecei a leitura da parte relativa ao Estado.

O primeiro capítulo é muito bom porque dá um apanhado geral do que vimos na primeira parte em relação ao que Hobbes chama de "LEIS DE NATUREZA" e do porquê é necessário se constituir um Estado civil para que os homens possam viver em sociedade e tenham um árbitro que faça valer os pactos feitos pela coletividade.

Pactos esses que equivalem à cessão de parte dos direitos que cada indivíduo tem em relação a serem livres para fazer e querer qualquer coisa para si, mesmo as coisas dos outros indivíduos - o que nos leva naturalmente por nossa LIBERDADE a uma CONDIÇÃO PERMANENTE DE GUERRA.

Como o capítulo não é grande, segue abaixo a leitura atenta dele com algumas marcações do que achei interessante, marcações como negritos, sublinhados etc.


CAPÍTULO XVII


DAS CAUSAS, GERAÇÃO E DEFINIÇÃO DE UM ESTADO


O FIM ÚLTIMO, causa final e desígnio dos homens (que amam naturalmente a liberdade e o domínio sobre os outros), ao introduzir aquela restrição sobre si mesmos sob a qual os vemos viver nos Estados, é o cuidado com sua própria conservação e com uma vida mais satisfeita. Quer dizer, o desejo de sair daquela mísera condição de guerra que é a consequência necessária (conforme se mostrou) das paixões naturais dos homens, quando não há um poder visível capaz de os manter em respeito, forçando-os, por medo do castigo, ao cumprimento de seus pactos e ao respeito àquelas leis de natureza que foram expostas nos capítulos décimo quarto e décimo quinto.


Porque as leis de natureza (como a justiça, a equidade, a modéstia, a piedade, ou, em resumo, fazer aos outros o que queremos que nos façampor si mesmas, na ausência do temor de algum poder capaz de levá-las a ser respeitadas, são contrárias a nossas paixões naturais, as quais nos fazem tender para a parcialidade, o orgulho, a vingança e coisas semelhantes. E os pactos sem a espada não passam de palavras, sem força para dar a menor segurança a ninguém. Portanto, apesar das leis de natureza (que cada um respeita quando tem vontade de respeitá-las e quando pode fazê-lo com segurança), se não for instituído um poder suficientemente grande para nossa segurança, cada um confiará, e poderá legitimamente confiar, apenas em sua própria força e capacidade, como proteção contra todos os outros. Em todos os lugares onde os homens viviam em pequenas famílias, roubar-se e espoliar-se uns aos outros sempre foi uma ocupação legítima, e tão longe de ser considerada contrária à lei de natureza que quanto maior era a espoliação conseguida maior era a honra adquirida. Nesse tempo os homens tinham como únicas leis as leis da honra, ou seja, evitar a crueldade, isto é, deixar aos outros suas vidas e seus instrumentos de trabalho. Tal como então faziam as pequenas famílias, assim também fazem hoje as cidades e os reinos, que não são mais do que famílias maiores, para sua própria segurança ampliando seus domínios e, sob qualquer pretexto de perigo, de medo de invasão ou assistência que pode ser prestada aos invasores, legitimamente procuram o mais possível subjugar ou enfraquecer seus vizinhos, por meio da força ostensiva e de artifícios secretos, por falta de qualquer outra segurança, e em épocas futuras por tal são recordadas com honra.


Não é a união de um pequeno número de homens que é capaz de oferecer essa segurança, porque quando os números são pequenos basta um pequeno aumento de um ou outro lado para tornar a vantagem da força suficientemente grande para garantir a vitória, constituindo portanto tal aumento um incitamento à invasão. A multidão que pode ser considerada suficiente para garantir nossa segurança não pode ser definida por um número exato, mas apenas por comparação  com o inimigo que tememos, e é suficiente quando a superioridade do inimigo não é de importância tão visível e manifesta que baste para garantir a vitória, incitando-o a tomar a iniciativa da guerra.


Mesmo que haja uma grande multidão, se as ações de cada um dos que a compõem forem determinadas segundo o juízo individual e os apetites individuais de cada um, não poderá esperar-se que ela seja capaz de dar defesa e proteção a ninguém, seja contra o inimigo comum, seja contra as injúrias feitas uns aos outros. Porque divergindo em opinião quanto ao melhor uso e aplicação de sua força, em vez de se ajudarem só se atrapalham uns aos outros, e devido a essa oposição mútua reduzem a nada sua força. E devido a tal não apenas facilmente serão subjugados por um pequeno número que se haja posto de acordo, mas além disso, mesmo sem haver inimigo comum, facilmente farão guerra uns aos outros, por causa de seus interesses particulares(1).


(1) Esta parte é uma grande lição para todos nós que lidamos com movimento social e organizações políticas. Um grupo grande, hegemônico em uma organização qualquer, que permite maior foco de suas ações para os apetites individuais do que para os projetos políticos coletivos tende a perder a hegemonia para adversários menores ou tende a viver com crises de guerra interna um contra o outro. JURO PRA VOCÊS QUE TENHO VISTO MUITO DISSO NO MOVIMENTO DE ESQUERDA!


(...) Pois se fosse lícito supor uma grande multidão capaz de consentir na observância da justiça e das outras leis de natureza, sem um poder comum que mantivesse a todos em respeito, igualmente o seria supor a humanidade inteira capaz do mesmo. Nesse caso não haveria, nem seria necessário, qualquer governo civil, ou qualquer Estado, pois haveria paz sem sujeição.


Também não é bastante para garantir aquela segurança que os homens desejariam que durasse todo o tempo de suas vidas, que eles sejam governados e dirigidos por um critério único apenas durante um período limitado, como é o caso numa batalha ou numa guerra. Porque mesmo que seu esforço unânime lhes permita obter uma vitória contra um inimigo estrangeiro, depois disso, quando ou não terão mais um inimigo comum, ou aquele que por alguns é tido por inimigo é por outros tido como amigo, é inevitável que as diferenças entre seus interesses os levem a desunir-se voltando a cair em guerra uns contra os outros (2).


(2) Aqui podemos ver o que aconteceu no Brasil até os anos oitenta em ditadura militar e após a volta da democracia. Antes, os movimentos de esquerda e civil estavam unidos contra os milicos e alguns de seus patrocinadores. Nos anos noventa, no forte ataque neoliberal ao país, os movimentos de esquerda estiveram unidos contra a direita civil arrasando o Estado brasileiro mesmo após o fim da ditadura. HOJE, TODA A ESQUERDA ORGANIZADA LUTA CONTRA SI MESMA, UNS CONTRA OS OUTROS (AQUI E LÁ FORA) E O CAPITAL E OS ESPOLIADORES DA SOCIEDADE NADAM DE BRAÇADA NA MANUTENÇÃO DE SEU PATRIMÔNIO (PATRIMONIALISMO) ÀS CUSTAS DOS DIREITOS PÚBLICOS E CIVIS.




DO PORQUE OS HUMANOS NÃO PODEREM VIVER COMO ABELHAS E FORMIGAS (subtítulo meu)


É certo que há algumas criaturas vivas, como as abelhas e as formigas, que vivem socialmente umas com as outras (e por isso são contadas por Aristóteles entre as criaturas políticas), sem outra direção senão seus juízos e apetites particulares, nem linguagem através da qual possam indicar umas às outras o que consideram adequado para o benefício comum. Assim, talvez haja alguém interessado em saber por que a humanidade não pode fazer o mesmo. Ao que tenho a responder o seguinte.


PRIMEIRO, que os homens estão constantemente envolvidos numa competição pela honra e pela dignidade, o que não ocorre no caso dessas criaturas. E é devido a isso que surgem entre os homens a inveja e o ódio, e finalmente a guerra, ao passo que entre aquelas criaturas tal não acontece.


SEGUNDO, que entre essas criaturas não há diferença entre o bem comum e o bem individual e, dado que por natureza tendem para o bem individual, acabam por promover o bem comum. Mas o homem só encontra felicidade na comparação com os outros homens, e só pode tirar prazer do que é eminente.


TERCEIRO, que, como essas criaturas não possuem (ao contrário do homem) o uso da razão, elas não veem nem julgam ver nenhum erro na administração de sua existência comum. Ao passo que entre os homens são em grande número os que se julgam mais sábios, e mais capacitados que os outros para o exercício do poder público. E esses esforçam-se por empreender reformas e inovações, uns de uma maneira e outros doutra, acabando assim por levar o país à desordem e à guerra civil.


QUARTO, que essas criaturas, embora sejam capazes de um certo uso da voz, para dar a conhecer umas às outras seus desejos e outras afecções, apesar disso carecem daquela arte das palavras mediante a qual alguns homens são capazes de apresentar aos outros o que é bom sob a aparência do mal, e o que é mau sob a aparência do bem; ou então aumentando ou diminuindo a importância visível do bem ou do mal, semeando o descontentamento entre os homens e perturbando a seu bel-prazer a paz em que os outros vivem.


QUINTO, as criaturas irracionais são incapazes de distinguir entre injúria e dano, e consequentemente basta que estejam satisfeitas para nunca se ofenderem com seus semelhantes. Ao passo que o homem é tanto mais implicativo quanto mais satisfeito se sente, pois é neste caso que tende mais para exibir sua sabedoria e para controlar as ações dos que governam o Estado.


POR ÚLTIMO, o acordo vigente entre essas criaturas é natural, ao passo que o dos homens surge apenas através de um pacto, isto é, artificialmente. Portanto não é de admirar que seja necessária alguma coisa mais, além de um pacto, para tornar constante e duradouro seu acordo: ou seja, um poder comum que os mantenha em respeito, e que dirija suas ações no sentido do benefício comum.




A única maneira de instituir um tal poder comum, capaz de defendê-los das invasões dos estrangeiros e das injúrias uns dos outros, garantindo-lhes assim uma segurança suficiente para que, mediante seu próprio labor e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda sua força e poder a um homem, ou a uma assembleia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. O que equivale a dizer: designar um homem ou uma assembleia de homens como representante de suas pessoas, considerando-se e reconhecendo-se cada um como autor de todos os atos que aquele que representa sua pessoa praticar ou levar a praticar, em tudo o que disser respeito à paz e segurança comuns; todos submetendo assim suas vontades à vontade do representante, e suas decisões a sua decisão (3).




(3) Até aqui no Leviatã, não encontrei a tal aversão de Hobbes à democracia. Percebam que ele está se referindo a "um homem" ou a "uma assembleia de homens", coisa que nós da esquerda tanto defendemos. Mas como ainda falta umas quatrocentas páginas, vai saber o que vamos encontrar lá adiante...




(...) Isto é mais do que um consentimento, ou concórdia, é uma verdadeira unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada por um pacto de cada homem com todos os homens, de um modo que é como se cada homem dissesse a cada homem:


- Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações.


Feito isto, à multidão assim unida numa só pessoa, se chama Estado, em latim civitas. É esta a geração daquele grande Leviatã, ou antes (para falar em termos mais reverentes) daquele Deus Mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus Imortal, nossa paz e defesa.


Pois graças a esta autoridade que lhe é dada por cada indivíduo no Estado, é-lhe conferido o uso de tamanho poder e força que o terror assim inspirado o torna capaz de conformar as vontades de todos eles, no sentido da paz em seu próprio país, e da ajuda mútua contra os inimigos estrangeiros. É nele que consiste a essência do Estado, a qual pode ser assim definida: Uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum.


Àquele que é portador dessa pessoa se chama soberano, e dele se diz que possui poder soberano. Todos os restantes são súditos.


Este poder soberano pode ser adquirido de duas maneiras. Uma delas é a força natural, como quando um homem obriga seus filhos a submeterem-se, e a submeterem seus próprios filhos, a sua autoridade, na medida em que é capaz de destruí-los em caso de recusa. OU como quando um homem sujeita através da guerra seus inimigos a sua vontade, concedendo-lhes a vida com essa condição. A outra é quando os homens concordam entre si em submeterem-se a um homem, ou a uma assembleia de homens, voluntariamente, com a esperança de serem protegidos por ele contra todos os outros. Este último pode ser chamado um Estado Político, ou um Estado por instituição. Ao primeiro pode chamar-se um Estado por aquisição. Vou em primeiro lugar referir-me ao Estado por instituição.




COMENTÁRIO FINAL


Este texto foi publicado em 1651. Ele todo é muito bem organizado e concatenado. Na leitura da primeira parte do livro, foi possível perceber que Hobbes não deixa escapar um detalhe de visão estrutural do mundo. Um mundo onde ele inclui a figura de Deus.





Bibliografia:
HOBBES DE MALMESBURY, THOMAS. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. Coleção Os Pensadores. Nova Cultural, edição 1999.

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