Texto de Rosane Pavam, de Carta Capital.
Ray Bradbury, sempre ligado ao público. Fonte: Carta Capital. |
O escritor norte-americano Ray Douglas Bradbury, morto dia 6, aos 91 anos, de causas desconhecidas, viajou pela literatura como um grande aventureiro. Ele se dizia um “escritor de ideias”, não de ficção científica, como ficou conhecido após criar sucessos como Crônicas Marcianas (1950), O Homem Ilustrado (1951), ou o romance Farenheit 451 (1953), este transformado em filme por François Truffaut em 1966. Seu método consistia em associar palavras a ponto de lhes dar uma história inteira, como explicou certa vez no documentário The Illustrated Man. O que viesse como consequência era o inesperado, mas também o que morava dentro dele.
Toda a sua escrita era marcada por esse método associativo, algo assemelhado ao da poesia, aquela com a qual trabalha um Manoel Barros, no Brasil. Em Bradbury, um escrito sempre começava por uma palavra, digamos “berçário”, conforme explicava naquele documentário: “Datilografo a palavra em minha máquina, não sei por quê. E imagino como seria esse berçário. Do passado, do presente? Do futuro. Em que país? No Pólo Norte, na África? E então começo a construir um ambiente tridimensional. Você põe as crianças naquele lugar, seus pais, relaciona-os com o mundo. De repente, você voa apenas porque ousou colocar as palavras no papel. Nem sabia que a história estava com você, mas continua a escrever”.
Nadava em bom humor. Dizia divertir-se com as ideias. Melhor dizendo, brincava com elas: “Não sou uma pessoa séria e não gosto de gente séria.” Sua disposição para falar ao público durou até o fim. Em 1955, casado, pai de quatro meninas, foi à televisão para que Groucho Marx o desafiasse no show You Bet Your Life. Groucho não o conhecia, mas ele, então com 35 anos, já escrevera seus livros mais importantes e roteirizara Moby Dick, de John Huston. “O que você faz, Ray?”, pergunta-lhe Groucho. “Sou um escritor (a writer).” Groucho, confundindo writer com rider (piloto): “De motocicleta?” Ray esclarece a diferença de ofícios, soletrando a palavra writer. E Groucho: “Muito confortante que estejamos diante de um escritor que saiba soletrar”.
Desinteressado em que somente o público da FC o distinguisse, Bradbury escreveu fantasias científicas sem preocupações de verossimilhança. Em sua Marte, era possível respirar e viver dos sonhos. E ele não imaginava um mundo sem bibliotecas. Em Farenheit 451, o protagonista, um bombeiro, faz as fogueiras onde os livros, objetos condenados, devem ser destruídos. Muitos leram esta ficção como uma condenação ao autoritarismo político. Não Bradbury, o livre: “Minha ideia era alertar contra os males da televisão”.
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