domingo, 26 de junho de 2016

A antiga produção de papel - Ilusões Perdidas, Balzac





Refeição Cultural - A antiga produção do papel


Terminei a leitura da primeira parte do romance Ilusões Perdidas, de Honoré de Balzac, obra escrita entre 1835 e 1843.

Ilusões Perdidas é um dos romances mais volumosos dos 89 contidos n'A Comédia Humana. A primeira parte é "Os dois poetas" e vai até a página 190. Tem passagens muito interessantes e descritivas do mundo retratado, ou seja, a França da primeira metade do século 19, que inclui o período pós Revolução Francesa, o período do terror entre 1793/94 e o período de Napoleão.

Agora é encarar a segunda parte do romance... que vai da página 191 até a 568. Iremos num ritmo lento, lento e tranquilo, porque minha vida tem pouco espaço para o deleite literário. Sem contar que estou o tempo todo lendo outras literaturas de interesse e relendo meus escritos nos blogs para torná-los definitivos e revistos (até nova revisão...)

Vou transcrever aqui um trecho desta parte que me chamou muito a atenção: a história da produção do papel. Balzac nos dá uma aula falando a respeito do material utilizado, onde é feito, vantagens e desvantagens de acordo com a qualidade e origem etc. É muito interessante! 

Hoje, achamos bem simples e quase todo mundo sabe que aqueles desertos verdes de florestas de eucaliptos são para a produção de papel. Mas imaginem a história deste invento humano...


Ilusões Perdidas, A Comédia Humana - Balzac

O papel, origem e materiais na confecção e a impressão

"O papel, produto não menos maravilhoso que a imprensa, à qual serve de base, existia há muito tempo na China quando, pelos condutos ignorados do comércio, chegou à Ásia Menor, onde, por volta do ano de 750, segundo algumas tradições, se fazia uso de um papel de algodão triturado e reduzido a pasta. A necessidade de substituir o pergaminho, cujo preço era excessivo, fez com que se encontrasse, por uma imitação do papel bombyx (tal era o nome do papel de algodão no Oriente), o papel de trapos, dizem uns que em Basileia, em 1170, por gregos refugiados; afirmam outros que em Pádua, em 1301, por um italiano chamado Pax. Assim, o papel se aperfeiçoou lenta e obscuramente; mas o certo é que já no tempo de Carlos VI fabricava-se em Paris a cartolina para cartas de jogar. Quando os imortais Faust, Coster e Guttemberg inventaram O LIVRO, artesãos, desconhecidos como tantos grandes artistas dessa época ajustaram o fabrico do papel às necessidades da tipografia. Nesse século XV, tão vigoroso e tão simples, os nomes dos diferentes formatos de papel, bem como os nomes dados aos caracteres tipográficos, levaram a marca da ingenuidade do tempo. Assim o Raisin, o Jesus, o Colombier, o papel Pot, o Ecu, o Coquille, o Couronne, tomaram esses nomes do cacho de uvas, da imagem de Nosso Senhor, da coroa, do escudo, do pote, enfim da filigrana marcada no meio da folha, como mais tarde, sob Napoleão se pôs uma águia: daí o papel chamado Grande Águia. Assim também se chamaram aos caracteres Cícero, Santo Agostinho, Grande Cânon, segundo os livros de liturgia, as obras teológicas e os tratados de Cícero nos quais esses caracteres foram pela primeira vez empregados. O itálico foi inventado pelos Aldos, em Veneza: daí seu nome. Antes da invenção do papel mecânico, cujo comprimento é ilimitado, os maiores formatos eram o Grande-Jesus e o Grande-Colombier, embora este último servisse quase só para atlas ou para gravuras. Sem dúvida, as dimensões do papel de impressão estavam subordinadas às das prensas. Na época de que David falava, a existência do papel de bobina parecia uma quimera na França, embora já Denis Robert d'Essonne houvesse, em 1799, inventado, para o fabricar, uma máquina que Didot-Saint-Léger tentou posteriormente aperfeiçoar. O papel velino, inventado por Ambroise Didot, data somente de 1780. Este rápido bosquejo demonstra insofismavelmente que todas as grandes aquisições da indústria e da inteligência são feitas com excessiva lentidão e por agregações despercebidas, exatamente como procede a natureza. Para chegar à sua perfeição, a escrita, a linguagem talvez... passou pelo mesmo tatear que a tipografia e a fabricação do papel...". (páginas 146/147)


Comentário final

Essa aula foi do próprio narrador das Ilusões Perdidas, Balzac. O casal de personagens enamorados estava conversando quando David Séchard falou de problemas futuros na produção do papel francês. Aí o narrador pediu uma licença ao leitor (cara, isso é muito moderno!) e começou a narrar a explicação acima. Vejam como foi:

"A uma pergunta da jovem operária, que não sabia o que significava 'pasta', David lhe deu sobre o papel explicações que não estarão desfocadas numa obra cuja existência material se deve tanto ao papel como à imprensa; mas esse longo parêntese entre um enamorado e sua amada ganhará sem dúvida em ser aqui resumido". (página 146)

Minha vontade é fazer nova postagem, agora dando a palavra ao personagem impressor, David Séchard, explicando os problemas da produção do papel e os efeitos para a tipografia francesa na primeira metade do século 19. É outra bela parte da história do papel e da impressão.

Amig@s leitores, postagens como essa dão trabalho, mas para o autor do blog, valem a pena.

Abraços,

William

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