quinta-feira, 23 de junho de 2016

Diário - 230616



Às vezes, olho pro Céu e olho pras flores e estrelas e pássaros...

Fim de quinta-feira em Brasília.

Nesta semana, trabalhei quase que doze horas por dia. É muito trabalho pra não sabermos sequer aonde vai dar, porque o mundo em que vivemos é um mundo de caos, de crises, tanto pela condição política e social em que nos encontramos, o Brasil está sob regime de exceção, quanto pela condição da economia, consequência da construção do Golpe de Estado.

Eu que sou um cidadão do mundo da política, que passei a maior parte da vida lutando contra as injustiças sociais, organizando segmentos sociais para lutar contra a exploração e contra abusos por parte dos poderes da elite e do status quo hegemônico dos meios onde me enfiei, sofro de forma tão profunda ao ver a destruição de um projeto popular em que participei como ator engajado, porque fui representante eleito dos trabalhadores nos últimos 15 anos, que só tenho encontrado uma forma de conviver com toda a iniquidade que vejo: trabalhar pela Cassi e associados de forma compulsiva até esgotar toda a minha energia.

Ao acordar nesta quinta e ver consumada mais uma farsa dantesca do que a gente que não é alienado sabe, que a Operação Golpe de Estado (que a burocracia chama de Lava Jato) iniciou mais uma etapa das 24 previstas para levar adiante o projeto de destruição do Partido dos Trabalhadores, de Lula e Dilma e dos projetos sociais de distribuição de renda e criação de empregos e oportunidades através de políticas afirmativas e inclusivas dos últimos 14 anos, enfim, ao ver essa desgraça do uso das instituições do Estado para caçar e eliminar um segmento social (a esquerda), me deu uma chateação tão grande...

É bárbaro o que está sendo feito pelas instituições oficiais da República Brasileira que deveriam zelar pelos direitos dos cidadãos e pelo estado democrático de direito, instituições dos 3 poderes que foram tomadas por asseclas dos golpistas. O que estão fazendo com os petistas, familiares e simpatizantes de esquerda é crime grave e fere os direitos humanos. 

Essa caça iníqua, pública e cínica que estão fazendo contra a esquerda, principalmente contra o PT, e fazendo em parceria com os empresários canalhas da mídia privada e partidos liderados pelo PSDB e PMDB, terá consequência ali na frente para qualquer cidadão, inclusive para aqueles que apoiaram o golpe - seja de forma besta, alienada ou consciente. No apoio ao Golpe de 1964 foi assim. Depois que os brucutus ignorantes dos milicos tomaram o poder com o apoio da elite empresarial, não quiseram devolver mais o poder do Estado e a lei era "eles", até contra os filhos da burguesia.

O que nós de esquerda estamos vivendo, principalmente se pertencer, tiver origem ou simpatizar com o PT, é semelhante ao que os cidadãos negros viveram na África do Sul do Apartheid, é o mesmo que viveram os negros nos Estados Unidos na luta pelos direitos civis até poucas décadas atrás, é o que viveram os judeus na véspera da "solução final", ainda na Alemanha nazista após a ascensão do 3º Reich de Adolph Hitler, após 1933. 

É A COISIFICAÇÃO, a tirada da condição humana, para a agressão virar algo corriqueiro do cotidiano. Aí o cinismo passa a ser o normal para o populacho. Mesmo para os indignados. 

Não prenderam alguém, prenderam um petista... De noite passa no Jornal Nacional a prisão de mais uma coisa petista... Não mataram alguém, mataram um índio, um trabalhador do MST...

Aí vem um pouco de circo, o futebol, a novela, um programa de animais ou lugares exóticos no Grande Irmão Globo Repórter na sexta... e todos os corruptores que tomaram a República e a democracia de assalto com suas famílias (mulheres e amantes), propriedades, milhões na Suíça e cachorrinhos... seguem nas colunas sociais, ilustrando aquelas revistinhas semanais.


EM MINUTOS, TENHO QUE SUPERAR TUDO ISSO E SAIR PARA LUTAR PELA CASSI E ASSOCIADOS

Mas como disse pra vocês, em minutos eu tenho que superar a tristeza e lavar o rosto, escovar o dente e sair de casa firme e forte para cumprir a minha agenda de Diretor de Saúde da maior autogestão do país, a entidade responsável pelo cuidado da saúde de mais de 700 mil vidas. 

Ninguém tem noção do que é isso, ter que abstrair do meu mundo no caos, meu País sofrendo golpe, para focar o outro mundo em que sou responsável e que também passa por crise histórica - a saúde pública e privada -, crise na Cassi que tenho que enfrentar apesar dela ser consequência do não fazimento de coisas elementares pelos gestores que me antecederam na entidade, além dos fortes efeitos da crise do setor como inflação saúde, fraudes, falta de rede credenciada etc.

Mundo duro, vida difícil, e como diz o poeta, um de meus preferidos, o mestre Carlos Drummond de Andrade, "As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios, provam apenas que a vida prossegue..."

E que "Chegou um tempo em que não adianta morrer, chegou um tempo em que a vida é uma ordem, a vida apenas, sem mistificação".

Eu posso até me consumir trabalhando (acho que estou fazendo isso), mas tenho a convicção de que estou fazendo ao menos tudo que devo fazer pela entidade de saúde em que sou gestor e pelos associados que represento.

Juro pra vocês, esse poema do Drummond é e-xa-ta-men-te esse mundo bárbaro em que estamos metidos. Sério mesmo! Cada verso, cada estrofe.

William


Post Scriptum

Por dever comigo mesmo e com o corpo que me carrega e que está sendo explorado ao extremo, saí agora à noite e corri nas ruas frias de Brasília. Já corri dez vezes neste mês. 

- Corpo, entenda que eu me esforço para fazer a minha parte. O resto é com o tal destino...


Post Scriptum II

Cada dia em que presencio mais uma iniquidade dos golpistas, mais uma ameaça real aos direitos sociais da classe trabalhadora, cada ação que prejudica milhares ou milhões de pessoas, mais tenho desprezo por cada familiar meu que defendeu, apoiou e participou do golpe efetivado. Desprezo. Só isso sinto por cada um deles.



Os Ombros Suportam o Mundo

Carlos Drummond de Andrade


Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.



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