Este livro é meu refúgio para os momentos em que a vida está foda. |
Refeição Cultural - Uma história da leitura
"As categorias que um leitor traz para uma leitura e as categorias nas quais essa leitura é colocada - as categorias cultas sociais e políticas e as categorias físicas em que uma biblioteca se divide - modificam-se constantemente umas às outras, de maneira que parecem, ao longo dos anos, mais ou menos arbitrárias ou mais ou menos imaginárias. Cada biblioteca é uma biblioteca de preferências e cada categoria escolhida implica uma exclusão..."
Em fevereiro de 2001, anotei em minha agenda que havia passado na Fuvest. Foi um momento de realização pessoal muito bom. Eu não aguentava mais ser caixa executivo no Banco do Brasil do desgoverno do PSDB de FHC e sofria muito ao entrar porta adentro na Agência Vila Iara - Osasco para trabalhar todos os dias. Queria iniciar vida nova como professor, assim que pudesse.
Feita a matrícula, começava ali meu curso de Letras na USP. Foi incrível o encantamento com as aulas de introdução às literaturas diversas como as gregas e romanas, depois outras escolas da linguagem. Entrava no mundo dos estudantes que vivem de ler toneladas de textos xerocados.
Em meio a tanto texto fantástico, dois capítulos de um livro me deixaram fascinado. Tratava-se de "Os leitores silenciosos" e "Ordenadores do Universo", do livro "Uma história da leitura" de Alberto Manguel. Fiquei louco com aquele conhecimento e fui em busca de comprar o livro. Até hoje, para abstrair de meus dias difíceis, de minhas tristezas, de minhas raivas do mundo e das coisas da vida e do trabalho, abro o livro para reler algum capítulo.
Fiz isso ontem à noite. Cheguei com tanto estresse do trabalho, que nem correr meia-hora resolveu. Como última alternativa para relaxar um pouco, recorri ao Manguel. Foi legal, reli o capítulo "Ordenadores do Universo" e dormi um pouco mais relaxado.
A gente percebe o quanto a história da humanidade é incrível e o quanto a história da leitura e dos amantes da leitura ao longo da história da humanidade é feita de resistência e de insistência no ato de ler, "aunque sean los papeles rotos por la calle" como dizia Cervantes.
O capítulo fala da criação da Biblioteca de Alexandria e depois fala de várias curiosidades a respeito da luta antológica de alguns seres humanos para preservar e guardar as produções literárias de todos os cantos do mundo e de todas as épocas da humanidade.
"Os volumes tinham de ser colecionados em grande número, pois o objetivo grandioso da biblioteca era abrigar a totalidade do conhecimento humano. Para Aristóteles, colecionar livros fazia parte das tarefas do intelectual, sendo necessário 'a título de memorando'. A biblioteca da cidade fundada por seu discípulo (Alexandre, o Grande) deveria ser simplesmente uma versão mais vasta disso: a memória do mundo..."
Ordenando meu pequeno universo de conhecimento sobre o mundo sindical, o Banco do Brasil e a Cassi
Eu sempre fui um guardador de papel. Comprador de livros, revistas. Tenho TODAS as xerox de meus anos de Faculdade de Letras. Fiz este blog com o intuito de disponibilizar cada aula, cada matéria que tive o privilégio de ter em uma faculdade pública, cujo acesso para a gente de minha origem humilde sempre foi muito restrito. Isso mudou com os governos do PT depois de 2002, o acesso às faculdades públicas virou uma realidade para nós, classe trabalhadora.
Depois de iniciar o desejo de postar tudo que aprendi com as minhas contribuições de conhecimento, o tempo foi escasseando paulatinamente após ter virado representante de trabalhadores e minha vida mudou completamente. Entrei em um mundo que é uma máquina de moer gente, o mundo da política e da disputa entre capital e trabalho, onde o nosso lado é o que é moído, massacrado.
Imaginem vocês que sempre guardei recortes de jornais e revistas para um dia serem degustados por mim e interligados com outros conhecimentos. Ao virar dirigente sindical, passei a guardar cada papel que achasse que poderia ser usado como "marcos históricos" do movimento dos trabalhadores.
Meu intuito até bem pouco tempo era catalogar, fazer livros com esses materiais. Iria fazer um livro sobre as campanhas salariais dos bancários do Banco do Brasil entre 2003 e 2013, pois eu participei da construção nacional de cada uma delas, do início da estratégia definida até a defesa em assembleia decisiva na base do Sindicato dos Bancários de São Paulo Osasco e região.
Depois queria fazer outro livro com o longo e maravilhoso percurso que fizemos na área de formação, quando estivemos responsáveis pela secretaria de formação da Contraf-CUT.
Sabem como terminou parte de todo o meu material guardado para a "ordenação deste Universo" do mundo sindical? Teve o mesmo fim que a maior parte de todo material de cultura humana produzido ao longo da história: perdido, eliminado, jogado no lixo. Por sorte, tenho parte dele comigo. Meu micro-cedoc de revistas Espelho Nacional, dos funcionários do BB.
E vocês acham que eu não fui chegando eleito à Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil com a mesma natureza de querer estudar, conhecer a história, ver os percalços e desvios de rotas ao longo do caminho daquilo que estava definido a se fazer e NÃO fizeram? Há dois anos me dedico à Cassi, com a profundidade que minha existência permite.
Apesar de parte de meus guardados sindicais não existirem mais, temos hoje o mundo digital. Através da rede mundial de computadores, acho muita coisa da história do movimento sindical bancário, ainda mais dos últimos quinze anos.
Enfim, meus blogs já estão completando dez anos, o de trabalho, e oito anos este aqui. Eu vou organizá-los, revisitá-los, melhorar conteúdos, categorizar, enfim, organizar este meu micro-universo até o dia de minha morte.
Eu quero pertencer àquela pequena legião de pessoas amantes da leitura que de alguma forma guardou, preservou, produziu algo para deixar para as gerações humanas seguintes. E eu não quero nenhum centavo por isso.
William Mendes
Um amante da leitura
Post Scriptum:
Muita tristeza pela morte dos estudantes nesta semana devido ao acidente com o ônibus vindo de Mogi das Cruzes. Minha nossa!
Antes dessa experiência da USP, eu fui estudar Educação Física em Mogi das Cruzes, no Náutico, e sei exatamente o que foram os dois anos atravessando aquela serra entre São Paulo e Mogi.
A vida desses estudantes que saem de uma cidade para estudar em outra é muito dura. Experimentei de tudo, fui de trem, fui de moto, e por fim, acabei optando pelos ônibus fretados.
Meus sinceros sentimentos às famílias e amigos desses jovens estudantes de Mogi das Cruzes.
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