Livros, por que não os leio? Por afazeres não prioritários... |
Refeição Cultural
Dias que passam. Coisas que acontecem. Mudanças em andamento (o mundo está sempre mudando). Alguns preveem para onde caminhamos... suposições, pois tendências são viáveis, adivinhações não. O acaso, o imponderável, acontece. Se o impossível fosse impossível, tudo hoje seria como dantes. Enfim... estou aqui, um dos sete bilhões de humanos que respiram nesta terra.
Estou há dias fazendo um trabalho de escola, de conclusão de uma disciplina na graduação da Faculdade de Letras. Não imaginava que o evento "fazer um trabalho de escola" me colocasse a pensar tanto sobre minha vida, sobre o sentido de tudo neste momento de minha vida, quiçá neste momento do país. Que foda! As reflexões mexeram comigo. Não vi sentido no esforço de fazer o trabalho. Piorou minha situação de desencontros com os sentidos. Qual o sentido das coisas? O que fazer com esses minutos horas dias meses anos que talvez tenha pela frente?
Nesse instante um AVC paralisa ou diminui uma vida no planeta. Um infarto. Alguém ao volante olhando pro celular acaba de jogar longe um motociclista parado no semáforo (já era...). Uma bala perdida (ou mirada). Um desarranjo de reprodução celular chamado pela sociedade contemporânea de câncer está em andamento num monte de gente por aí, talvez em mim, em você. Um prédio que desaba (tá ficando tão comum). Uma bomba que cai (talvez atômica). Viver é perigoso! E viver é viver, uns dizem que viver não é preciso (navegar, sim), outros dizem que chegou um tempo em que não adianta morrer, que a vida seria uma ordem. Enfim...
Sobre os sentidos, sobre o sentido de fazer trabalho de escola e provas, no meu caso, não no de outra pessoa. No meu caso. Se eu pensar bem, vou concluir que não tem sentido o tempo que estou focando para me submeter a avaliações, eu não preciso de certificado algum, eu preciso de prazer, não de endosso sobre o que sei ou o que não sei. Assistir às aulas de literatura dá um prazer danado, é muito legal poder abrir os olhos e mente para a percepção de tudo que há nas obras. É aprender a ler melhor. Mas canudo, nesta fase de minha vida? Não tem sentido. Se fosse possível, seria ouvinte de salas de aulas a vida toda, porque as explicações e interpretações dos mestres, as referências e bibliografias e roteiros de leituras possíveis são sugestões fantásticas de pesquisas para engrandecimento pessoal.
Por outro lado, o que estou falando pode incentivar a pregação da ignorância terraplanista dos tempos de ultradireita. É um dilema, porque os tempos são de pregação da ignorância olavista. Um imbecil que desfaz da educação formal, se diz sabedor de tudo e não sabe porra nenhuma e tem uma legião de seguidores; ampliou-se a tendência das bolhas de redes sociais, virtuais ou não, em que as pessoas de todas as classes sociais e grupos de afinidades passam a entender como verdade aquilo que pensam e não as coisas como são.
E saber que nada sabemos talvez seja a maior proximidade que tenhamos com a verdade, sabermos que somos muito ignorantes, que não temos noções basilares de quase nada do conhecimento humano, que somos muito carentes de educação formal, de professores e mestres que nos abram os olhos, iluminem nossas ideias e nos deem oportunidades de crescimento intelectual.
Voltando a mim, que saco toda essa conclusão a que cheguei! Quando olho para trás, quando vejo minha natureza, percebo que tudo tem ligação, tudo. Eu não gosto de me enquadrar em exigências periféricas que avalio serem menos importantes que os conteúdos. Não querer usar uma vestimenta numa função social não tira a capacidade da pessoa de exercer aquilo que deve exercer; nunca quis usar gravatas no Banco do Brasil e também não achei que usar terno fosse relevante para ser diretor de uma das maiores entidades de saúde do país.
Meus conhecimentos, minhas ideias e minha prática são mais importantes que a casca. Da mesma forma, o conteúdo de um trabalho de monografia é mais importante do que aquelas mil exigências de margem, tamanho de fonte, forma de citar, ABNT etc. Inclusive, o conteúdo próprio do aluno deveria ser mais importante que a opinião dos autores e críticos famosos (na minha opinião de um dos sete bilhões). Eles já são consagrados e não deveriam inibir as divergências dos alunos. Enfim...
Que fazer, que fazer nesses instantes dias meses quiçá anos que ainda tenho, sem contar com balas perdidas, AVC, cânceres, prédios, bombas, fascistas? Que fazer?
Há semanas penso num texto do escritor chileno Roberto Bolaño, que faleceu novo, aos 50 anos, onde ele refletia sobre literatura e enfermidade - "Literatura + enfermidad = enfermidad" -, contido no livro El gaucho insufrible, finalizado em 2003.
Deixo a citação do excerto que tanto me abalou e que me tem feito pensar sobre os sentidos de tudo:
"ENFERMEDAD Y KAFKA
Cuenta Canetti en su libro sobre Kafka que el más grande escritor del siglo XX comprendió que los dados estaban tirados y que ya nada le separaba de la escritura el día en que por primera vez escupió sangre. ¿Qué quiero decir cuando digo que ya nada le separaba de su escritura? Sinceramente, no lo sé muy bien. Supongo que quiero decir que Kafka comprendía que los viajes, el sexo y los libros son caminos que no llevan a ninguna parte, y que sin embargo son caminos por los que hay que internarse y perderse para volverse a encontrar o para encontrar algo, lo que sea, un libro, un gesto, un objeto perdido, para encontrar cualquier cosa, tal vez un método, con suerte; lo nuevo, lo que siempre ha estado allí" (BOLAÑO, p. 129).
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E PENSAR QUE após essa postagem, vou pegar o trabalho de quase 30 páginas e reler e colocar um pouco das exigências de normas de apresentação de trabalhos (cada não cumprimento tira 1 ponto ou 0,5 ponto na nota). Engraçado, se o meu trabalho estiver com um conteúdo razoável e eu não cumprir umas 5 ou 6 exigências técnicas, ele vai valer de 5 a zero, e não de 10 a zero. Na boa, acho isso uma coisa sem sentido!
Enfim, o que tem sentido nos dias que correm?
E PENSAR AINDA que após uma jornada de dedicação a autogestão em saúde na qual fui diretor eleito, ainda terei que me manifestar (ou não) nos próximos dias sobre uma consulta que haverá e que vai influenciar nos destinos da entidade e dos associados dela e dos trabalhadores do Banco do Brasil...
Bibliografia:
BOLAÑO, Roberto. El gaucho insufrible. Alfaguara. Primera edición: España, 2017.
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