quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Risco totalitário avança mais rápido que nazismo



Opinião


(Atualizado às 9h50 de 22/11/19)

Não sou historiador. Poderia ter sido. Ainda decidia o que fazer quando me inscrevi para o vestibular da Fuvest 2001: Letras ou História? Optei por Letras porque achei na época que teria mais oportunidades de trabalhar na área e sair do assédio moral que sofríamos no Banco do Brasil sob o massacre das gestões dos tucanos.

Como diz um verso da música "Amazing" da banda de rock Aerosmith, música que gosto bastante, "Life's a journey not a destination" (A vida é uma jornada, não um destino), acabei não sendo nada que havia planejado: nem historiador, nem professor de Letras. Virei dirigente dos bancários e passei o restante de minha vida de bancário representando e lutando pela classe trabalhadora.

Mesmo assim, o meu desejo de conhecer a História nunca arrefeceu e sempre que posso estou lendo e estudando o tema, assim como é grande o desejo de ler as grandes obras literárias da humanidade. Minha curiosidade não para por aí, gostaria muito de conhecer os grandes filósofos e pensadores de todos os tempos.

ENFIM, POR QUE FALAR DE HISTÓRIA?

Pelo pouco que li e que sei, penso que não vai acabar bem o que tem acontecido no Brasil, na América Latina e no mundo, considerando os acontecimentos e tendências que têm marcado os últimos anos deste início de século 21, principalmente após a nova onda de desestabilização e derrubada de governos populares e progressistas nas Américas e também de governos tradicionais do Oriente Médio como temos visto ocorrer após o novo crash do capitalismo, o dos papéis subprime em 2007/08.

Acredito que caminhamos para o fim das liberdades, para o fim das democracias representativas, o fim dos estados democráticos de direito e o fim da legitimidade das eleições como as conhecemos. As novas formas de manipulação de massas por influência no comportamento e no voto via redes sociais e fake news alteram completamente o resultado das eleições. Caminhamos para um aumento desesperador da miséria das maiorias e da concentração de tudo para poucos mortais.

Basta analisarmos o Brasil, que viveu um ciclo recente de avanços consideráveis durante os governos democráticos e populares do Partido dos Trabalhadores, partido que ascendeu ao poder pelo voto popular após as experiências neoliberais fracassadas dos anos noventa, ocorridas após a ditadura civil-militar, que durou duas décadas, entre os anos sessenta e oitenta.

Os governos de Fernando Collor, seguido de Itamar Franco após seu impeachment, e Fernando Henrique Cardoso foram governos eleitos após a promulgação da Constituição Federal de 1988 (a constituição cidadã), e tiveram seus papéis em relação à transição do regime autoritário dos militares e seus patrocinadores, a elite do país, mas fracassaram no quesito de melhorar a vida do povo e do cidadão comum. Governaram para a mesma elite secular que estava com os militares golpistas.

Os governos do PT, os dois mandatos de Lula e o primeiro mandato de Dilma Rousseff, mudaram a cara do país, incluíram o pobre no orçamento do Estado, criaram com políticas reais oportunidades nunca antes oferecidas aos povos humildes, que tanto necessitam do apoio do Estado para alcançarem a cidadania prevista na Carta Magna. Basearam sua política econômica no aquecimento do mercado interno, na diversificação das relações comerciais com o exterior, na ampliação do crédito e no aumento do salário mínimo e na expansão dos direitos da classe trabalhadora. Incluíram milhões de pessoas nos direitos da cidadania através das políticas afirmativas. Mudaram a cara do Brasil, que passou a ser de gente feliz.

A elite econômica e os golpistas seculares não permitiram que o país seguisse melhorando a vida do povo. Faltavam muitos avanços ainda, no meu ponto de vista, e o povo seguia sem formação política (apesar da expansão do acesso a todos os níveis de educação); os meios de comunicação seguiam nas mãos de poucos barões e empresários; os banqueiros e rentistas seguiam sugando a renda do país. Apesar do povo trabalhador ter conquistado mais poder de compra com distribuição de renda, sonho do presidente Lula, o povo seguia sem formação política alguma. Isso foi um erro fatal.

As conquistas do povo, mais feliz e com direitos e sem nenhuma formação política, caíram como um castelo de cartas. Os avanços do povo via governos do PT viraram nos discursos ideológicos da direita "meritocracia". As dezenas de milhões de pessoas que ascenderam de classe teriam ascendido por mérito delas, nada a ver com o Estado... A descoberta do pré-sal pela Petrobras em 2011 incluiu o Brasil na lista de países que deveriam sofrer ataques e golpe por parte das potências hegemônicas do capitalismo. O Brasil se tornaria um player grande demais no mundo. Já havia dado um salto que incomodava muito! Deu no que deu...

Impeachment sem crime algum da presidenta recém-reeleita. Um sujeito bárbaro, parlamentar há quase 30 anos, não foi preso em flagrante ao votar em plenário em nome do torturador da cidadã Dilma Rousseff. Se não se combate a barbárie quando ela ocorre... Inventaram uma força tarefa para destruir a economia do país, prender o maior líder popular sem crime algum e estabeleceram um estado policial no Brasil.

Não houve resistência com mobilização de massas contra o golpe, novo modelo de golpe, desenvolvido em solo imperialista como sempre, com novo formato: lawfare - técnicas de burocracia judiciária para derrubar, prender e impedir que qualquer liderança popular chegue e se mantenha no poder de representação. 


Acabaram com a democracia no Brasil sem um tiro, sem reação alguma que expressasse correlação de forças no enfrentamento. As forças populares não estavam alertas e organizadas. Manipularam o povo e em menos de dois anos destruíram todas as conquistas políticas e sociais da classe trabalhadora, as conquistas do período lulo-petista e as do período varguista.

MOVIMENTOS FASCISTAS AVANÇAM, CRIAM PARTIDOS, SE ARMAM

O novo regime avança sem oposição alguma. As leis não são aplicadas contra os crimes diários e de hora em hora cometidos pelos grupos bárbaros e fascistas que tomaram as instituições do Estado brasileiro. O presidente já cometeu centenas de quebras de decoro parlamentar. Nada é feito. O sujeito interfere em todos os poderes do Estado. Nada é feito.

Um bando de selvagens chegou ao poder pela inoculação de ódio e desinformação no povo, com máquinas ilegais de reprodução de fake news, pelo poder de parte das igrejas pentecostais com gente de caráter duvidoso e que manipula milhões de pessoas; leis são mudadas ao desejo de algum brucutu no poder; as instituições do Estado viraram coisa pessoal, de compadrio, dos chegados. Vivemos num país destruído como se bombas tivessem arrasado tudo.

O que é pior é que não vemos reação do povo e de suas lideranças e entidades de classe. Pelo contrário, vemos adesão de parte do povo ao novo regime que caminha mais rápido rumo ao totalitarismo do que os partidos nazifascistas na Europa do período entre as duas grandes guerras. O que Hitler gastou quase uma década para conseguir, o clã de milicianos no poder está conseguindo em semanas, meses. Ninguém e nada param essa loucura.

O cenário demonstra que ou todas as forças democráticas, progressistas e humanistas se unem, e deixam suas diferenças para outro momento da história, ou teremos um regime totalitário pior que o de Hitler em muito menos tempo. E talvez com duração muito maior que os doze anos do nazismo. Regimes como o franquista e o salazarista duraram décadas por causa do domínio total da máquina do Estado e por ter adesão de parte da sociedade, a parte que tem poder econômico e/ou político. E enquanto Hitler queria conquistar toda a Europa por causa do "espaço vital" e exterminar o povo judeu, os regimes de Franco e Salazar se limitaram à dominação total em seus países.

UNIDADE DE CLASSE OU DIVISÃO ATÉ A UNIDADE (CADA UM POR SI)?

Eu fico impressionado com o quanto o movimento "organizado" segue desorganizado, dividido, se odiando e se combatendo uns aos outros, com disputas com traços evidentes de personalismo, baseados em questões menores e pessoais, às vezes até por querelas ou vaidades, disputas de pequenos espaços de poder (que estão sendo dizimados pelo novo regime). Disputas que começaram por diferenças de concepção e prática também existem, mas que chegaram a um nível intolerável.

Ou os partidos que se afirmam de esquerda e progressistas se entendem, juntamente com as centrais sindicais, as correntes políticas, os movimentos populares e suas lideranças, enfim, ou nós classe trabalhadora criamos uma resistência unitária e de classe ou não vai sobrar nada para a manutenção de uma vida digna do povo trabalhador brasileiro.

Eu fico estupefato cada vez que pergunto para alguma liderança com algum mandato de representação, às vezes até para poder falar a respeito, pergunto se há alguma estratégia em andamento e um desejo em unir as forças e as lideranças do campo democrático e progressista, mais à esquerda e ao centro do espectro político, mais classista e humanista, e a resposta é sempre aquela cara de não sei. 


Será que o movimento organizado desaprendeu o que é planejamento estratégico, pontos fortes, pontos fracos, objetivos a alcançar, estratégias e táticas, revisita à estratégia e readequação dos objetivos, verificação do que já foi alcançado dos objetivos? E a organização de base? Como pode após mais de 3 anos de golpe de Estado não haver células organizativas de resistência em todos os estados, em milhares de cidades, nos principais ramos profissionais? Nos bairros, com jovens, grupos de igreja etc?

Ou se unifica os democratas ou teremos um regime que pode se estabelecer, com violência formal do Estado contra o povo e sem direito a qualquer questionamento ou oposição por muito tempo.

E olha que se as lideranças políticas quiserem, de coração aberto, com inteligência e priorizando o que nos unifica (sem priorizar o que nos divide), seria possível começarmos uma resistência organizada no instante seguinte à decisão racional de lutar contra o mal maior.

Enquanto eu escrevo essas reflexões, os grupos de direita que tomaram o país, que têm as ferramentas mais potentes de manipulação da população (e dinheiro, muito dinheiro), estão criando logotipos de partidos com cartuchos de balas, milicianos estão criando um partido para um sujeito que defende guerra civil, eliminação dos adversários políticos, tortura etc. Como disse acima, as leis não são mais aplicadas contra os crimes do novo fascismo.

Enquanto eu escrevo essas reflexões, os grupos de esquerda e progressistas estão pensando nas eleições municipais de 2020, nas eleições corporativas de suas categorias profissionais, nas eleições sindicais. Tem sentido pensar em eleições, pois são democratas. Mas parece que não se percebeu ainda que ao serem eleitos os representantes de esquerda serão processados, cassados, presos, tornados inelegíveis; parece que a vida segue "normal" como nos anos anteriores. Isso se vencerem as máquinas de fake news, que são montadas às custas de muito dinheiro, que normalmente é o adversário que tem, o capital, não os trabalhadores.

É minha leitura política do cenário em que estamos. Francamente, não é assim sem um planejamento estratégico e unidade na luta que nos salvaremos. 


Foi um desabafo! Não consigo fazer meus trabalhos de faculdade, de literatura, porque essa situação toda nos aprisiona, nos machuca, nos oprime. Ter consciência política é algo sem volta. E mais desesperador é ver as pessoas ao nosso redor, no condomínio, na academia, na escola, na igreja, na família, achando que tá tudo normal.

William


2 comentários:

José Almeida Freire disse...

O que me chama a atenção, é que temos uma dúzia de centrais sindicais, e todas não, todas essas centrais parece que tocam a mesma viola desafinada com os a questão da classe trabalhadora! Do ponto de vista partidário, não é diferente, ou melhor, pior!

William Mendes disse...

Olá prezado leitor, você tem certa razão em relação às centrais sindicais. De fato, me parece que os procedimentos delas se homogeneizaram muito em relação ao fazer sindical e em relação à concepção e práticas sindicais. Infelizmente! Mas, neste momento, a nossa derrota enquanto classe trabalhadora é tão grande, que desnorteou sobremaneira a todos, inclusive às nossas entidades de classe.

Abraços, William