quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Formação Econômica do Brasil - Celso Furtado (XXII)

Quarta parte

Economia de transição para o trabalho assalariado (século XIX)

XXII. O problema da mão de obra

II. A imigração europeia


"É fácil compreender que esse sistema degeneraria rapidamente numa forma de servidão temporária, servidão essa que nem sequer tinha um limite de tempo fixado, como ocorria nas colônias inglesas. Com efeito, o custo real da imigração corria totalmente por conta do imigrante, que era a parte financeiramente mais fraca. O Estado financiava a operação, o colono hipotecava o seu futuro e o de sua família, e o fazendeiro ficava com todas as vantagens..." (p. 132)

Esse capítulo é como um episódio de uma dessas séries em plataformas de streaming atuais. Nele vemos como um país tende a dar errado já que seus vícios de origem são terríveis. E não quero aqui fazer coro com os ensaístas da burguesia que justificaram em clássicos da literatura porque o Brasil deu errado, justificando que a culpa seria do povo (como nos alerta Jessé Souza). É o contrário, a culpa é dos filhos das putas invasores que aqui chegaram ao longo dos séculos. A culpa é dos brancos europeus colonizadores, que depois seriam as nossas elites do atraso, ignorantes e vira-latas.

Vimos no capítulo anterior, que o Brasil tinha quase dois milhões de seres humanos oriundos do continente africano escravizados. Os escravos africanos estavam distribuídos nas lavouras de cana de açúcar no Norte, nas lavouras de algodão no Maranhão e nas áreas mineradoras da região central do país. Com os preços dessas commodities em baixa no mercado internacional por causa da concorrência, as casas-grandes estavam vivendo praticamente da produção de subsistência e das exportações com preços menores do mercado. O povão nas áreas urbanas estava se ferrando com falta de tudo e com fome pela inflação elevada. (alguma semelhança com o Brasil 2022 do agro "pop"?)

O capítulo é cheio de detalhes, não dá para ficar resumindo aqui. Furtado nos explica que não há comparações possíveis entre a migração europeia para a América do Norte e a migração que ocorreria na segunda metade do século XIX de colonos europeus para o Brasil. Não há! As formas e os motivos eram totalmente diferentes lá e cá. 

No Brasil, faltava mão de obra para empreender lavouras de café. Os escravos das outras atividades econômicas não estavam disponíveis para as casas-grandes que iriam focar no café. A forma encontrada aqui no final de algumas experiências foi o governo imperial bancar a vinda das famílias europeias e exigir que os fazendeiros bancassem o sustento delas por um ano. Antes disso, Furtado explica na p. 132 que os colonos que vieram nas décadas anteriores viravam quase que escravos também, com um tipo de servidão temporária que virava servidão permanente (1ª citação acima).

"A solução veio em 1870, quando o governo imperial passou a encarregar-se dos gastos do transporte dos imigrantes que deveriam servir à lavoura cafeeira. Demais, ao fazendeiro cabia cobrir os gastos do imigrante durante o seu primeiro ano de atividade, isto é, na etapa de maturação de seu trabalho. Também devia colocar à sua disposição terras em que pudesse cultivar os gêneros de primeira necessidade para manutenção da família. Dessa forma, o imigrante tinha seus gastos de transporte e instalação pagos e sabia a que se ater com respeito à sua renda futura. Esse conjunto de medidas tornou possível promover pela primeira vez na América uma volumosa corrente imigratória de origem europeia destinada a trabalhar em grandes plantações agrícolas." (p. 133)

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COMENTÁRIO

E com essa história toda, a gente chegou aos dias atuais. Furtado traz no final do capítulo números impressionantes de imigrantes europeus que aqui chegaram, aqui em São Paulo.

"O número de imigrantes europeus que entra nesse Estado sobe de 13 mil, nos anos setenta, para 184 mil no decênio seguinte e 609 mil no último decênio do século. O total para o último quartel do século foi de 803 mil, sendo 577 mil provenientes da Itália." (p. 133)

E numa canetada em 1888 os caras, através da princesa, "libertaram" quase 2 milhões de escravos de origem africana e disseram a eles "se virem!"... é verdade que teve muita gente boa nessa disputa política de liberta ou não liberta, mas o governo deixou os libertos por sua conta e risco... e depois muitos dos meus conterrâneos brancos vêm dizer até hoje que a meritocracia foi a base de suas "vitórias" na vida... e que não existe racismo no Brasil e outras merdas do tipo... aff! Que canseira dessas asneiras!

William

Para ler comentários do capítulo seguinte, clique aqui.
 

Bibliografia:

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. Grandes nomes do pensamento brasileiro. 27ª ed. - São Paulo. Companhia Editora Nacional: Publifolha, 2000.


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