domingo, 16 de outubro de 2022

Diário e reflexões (16/10/22)



Refeição Cultural

Osasco, 16 de outubro de 2022. Domingo de sol.


Anjos e deuses e espíritos e mitos diversos compuseram minha visão de mundo na primeira metade de minha existência humana. É absolutamente normal acreditar e querer acreditar no universo infinito de abstrações que o cérebro do homo sapiens cria para tentarmos sobreviver diariamente no mundo onde estamos. Já tinha isso claro pela vida que tive até aqui e o livro de ciência sobre o cérebro humano, do neurocientista Miguel Nicolelis, esclareceu décadas de busca pessoal sobre o sentido da vida.

O animal humano só é um animal diferente dos demais animais do mundo por causa do cérebro que desenvolveu ao longo do tempo. Nosso cérebro criou e segue criando absolutamente todas as coisas que compõem a realidade de todas as pessoas existentes no mundo independente do lugar e da época onde se situam. Adquiri esse conhecimento na segunda metade de minha existência humana.

Vi o filme Asas do desejo (1987) do diretor alemão Wim Wenders e fiquei pensando a respeito dos anjos e do papel desses seres criados por nós. Fiquei pensando no papel da necessidade ancestral que temos de criar abstrações para suportarmos a tentativa diária de sobreviver no mundo onde estamos. Talvez a oração do anjo da guarda tenha sido a que mais rezei em minha vida. E por décadas me persignei o tempo todo. Era meu mundo até ali.

Gostei do filme. Essa postagem não é uma resenha. Nossas criações humanas a partir de nossas abstrações nos matam e nos salvam todos os dias, há milhares de anos. Viver e morrer, criar e destruir, isso é a existência do homo sapiens no único mundo que existe para nós, o planeta Terra. Fiquei pensando nisso que somos a partir da oportunidade da referência aos anjos ao ver o filme clássico de Wim Wenders.

Consigo compreender o papel da fé e da religião como suportes ao sentido da vida humana pelo fato de a crença nas mais diversas formas de religião ter feito parte da primeira metade de minha existência. Como rezei nessa vida! Como pautei minhas ações e decisões por causa da fé nos dogmas das religiões! Não sou nem triste nem feliz por ter compreendido como se dão as abstrações do cérebro humano. Simplesmente somos assim, criamos deuses para acreditar que deuses nos criaram.

As abstrações na área da religião são em sua maioria baseadas em dar algum tipo de esperança de um momento melhor para a pessoa que tem a fé naquela crença, pelo menos das religiões que contatei e estudei e acreditei. Junto com a esperança, as religiões atuam para explicar por que as coisas seriam como são, e também servem para proibir que as pessoas façam diversas ações naturais aos animais, inclusive aos homo sapiens. 

O fato é que não é fácil aceitar a miséria, a injustiça, a impotência e a morte presentes na vida diária humana. Sem um suporte psicológico, subjetivo mas que se torna mais objetivo que qualquer coisa, seria difícil seguir em muitos momentos do viver. Poucas criações do gênio humano são mais emblemáticas que a reflexão de Hamlet sobre viver ou morrer, morrer ou viver, justamente porque somos homo sapiens e é difícil lidar com a consciência de nossa impotência de vivenciar a dor e a injustiça e não saber se a morte é o fim de tudo ou o começo, ou só um sono, um dormir e não acordar...

Eu me lembro com muita clareza o papel que a fé teve em minha vida na primeira metade da existência. Me lembro mesmo. A crença numa sequência de vida após a morte é algo muito tentador, gera um conforto incrível! Ainda mais se a pessoa se convencer que a sequência será melhor que a realidade dela antes do morrer. Os dogmas diversos, as doutrinas do faça isso, faça aquilo, não faça isso, não faça aquilo, é pecado, olha o castigo etc, talvez tenham feito com que eu quisesse morrer em alguns momentos e que eu não quisesse morrer em outros. É uma coisa doida, mas muito real para todas as pessoas que creem em algum tipo de religião.

Neste exato momento em que escrevo, início da tarde de domingo, não tenho controle algum sobre absolutamente nada que vá acontecer no minuto seguinte, nem comigo, nem com as pessoas que gosto, nem com o mundo onde vivo. Isso é uma verdadeira merda para um homo sapiens! Que impotência do caralho! Posso receber a notícia de uma morte. Posso ter um mal súbito sentado escrevendo e cair morto. O genocida criminoso no poder pode ser reeleito com as fraudes ilegais que estão cometendo. Lula pode vencer no dia 30. E não temos o menor domínio do que vá acontecer no minuto seguinte, seja com o verme no poder seja com a esperança que Lula representa. Como suportar toda essa incerteza na vida e toda a certeza de nosso fim? Só com abstrações, só com estratégias humanas para criar sentidos no viver. As estratégias são as mais diversas possíveis porque são criações do cérebro humano.

É isso. Os anjos de Wim Wenders na Alemanha dos anos oitenta me fizeram pensar um pouco sobre a vida, o mundo, as abstrações humanas, o Brasil desse momento trágico da história.

William


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