quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

49. Grande Sertão: Veredas - Guimarães Rosa



Refeição Cultural - Cem clássicos

(atualizado às 10h31 de 5/01/23)


A leitura desse clássico da literatura brasileira é um marco na vida de qualquer leitor. Eu demorei muito tempo para ler Grande Sertão: Veredas (1956), de João Guimarães Rosa. Demorei, mas li. Sigo lendo, buscando referências pra nominar as coisas.

Ao ler, a gente passa a ter referências para denominar as coisas no mundo. A natureza, o amor, o ódio, a covardia, as relações humanas, as dúvidas... tudo que o ser humano com sua natureza humana sente e lida no dia a dia do viver está dito pelo jagunço aposentado - de range rede - Riobaldo Tatarana, em suas reminiscências contadas ao hóspede que o escuta por longos dias.

Durante e após a leitura dessa obra, a vida para mim ficou mais clara, até no conceito-chave do viver: a vida é um e está num grande sertão e o viver é um eterno ir pra lá ou pra cá nas escolhas diárias: veredas... e é claro que viver é muito perigoso! E não é que estou eu de range rede neste momento do viver...

Talvez esse seja um dos clássicos mais marcantes que já tenha lido na vida até hoje.

Essa postagem talvez não termine, porque vou voltar nela e incluir ideias-conceitos e frases-pensamentos que sigo coletando na obra de Guimarães.

É ensinamento de Riobaldo Tatarana pra nós, são referências do viver, especulações da ideia.

Cada uma delas, um momento do viver da gente...

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O MUNDO INTEIRO NUM MOMENTO DE FALA DE RIOBALDO

Pegue-se como exemplo, a página 41 de minha edição: em poucos parágrafos, Riobaldo fala tanta coisa para o forasteiro de passagem que a gente fica admirado ao ver a profundidade das informações e reflexões feitas, mesmo lendo meio século depois da enunciação do personagem, pois são muito atuais.

1. Pode-se vender o que não é seu? Se não, não existe essa de pacto com o demônio, porque se houver alma, ela é de Deus e não nossa... 2. Ele não quer que o forasteiro vá embora logo, antes de ouvi-lo, porque o povo do local é tudo igual a ele, forjado naquela dureza e ruindade, numa espécie de "incultura" coletiva, o de fora teria algo novo que opinar, visão diferente das coisas. Pensei no povo pobre de comunidades carentes... as milícias, a miséria, viver pelo básico. 3. Pede que o forasteiro fique ao menos 3 dias: terça, quarta e pode ir na quinta de manhã. Mas, alerta, o lugar não é mais o mesmo... agora ex-jagunço pede esmola e os bois são mansos, os fazendeiros são metidos a besta no trajar, e é uma miséria só pro povão... "Viver é muito perigoso..."

Tudo isso, Guimarães (Riobaldo) descreve em 4 parágrafos entre a página 40 e 42. Demais! Confesso aos 53 anos que acho muito difícil um leitor pouco experiente capturar todas essas informações quando se lê pela primeira vez uma obra dessa magnitude... difícil, sô!

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IDEIAS-CONCEITOS E FRASES-PENSAMENTOS

O SERTÃO...

"O gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães... O sertão está em toda a parte." (p. 24)

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ESTAR DE RANGE REDE

"Mas, agora, feita a folga que me vem, e sem pequenos dessossegos, estou de range rede. E me inventei neste gosto, de especular ideia. O diabo existe e não existe? Dou o dito. Abrenúncio. Essas melancolias..." (p. 26)

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VIVER É PERIGOSO

"Viver é negócio muito perigoso..." (p. 26)

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JAGUNÇO PERGUNTA SE VISITA ACREDITA NO DEMO

"Mas, não diga que o senhor, assisado e instruído, que acredita na pessoa dele?! Não? Lhe agradeço! Sua alta opinião compõe minha valia." (p. 26)

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QUERER O BEM PODE SER QUERER O MAL

"Viver é muito perigoso... Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal, por principiar. Esses homens! Todos puxavam o mundo para si, para o concertar consertado. Mas cada um só vê e entende as coisas dum seu modo." (p. 32)

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QUE DEUS VENHA ARMADO!

"Sertão. O senhor sabe: sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado! E bala é um pedacinhozinho de metal..." (p. 35)

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O PESSOAL HOJE É BOM DE CORAÇÃO (SERÁ?)

"Vi tanta cruez! (...) Me apraz é que o pessoal, hoje em dia, é bom de coração. Isto é, bom no trivial. Malícias maluqueiras, e perversidades, sempre tem alguma, mas escasseadas. Geração minha, verdadeira, ainda não eram assim. Ah, vai vir um tempo, em que não se usa mais matar gente... Eu, já estou velho." (p. 38)

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AS PESSOAS NÃO ESTÃO TERMINADAS

"O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou." (p. 39)

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DIADORIM É MINHA NEBLINA (AMOR PROIBIDO)

"De mim, pessoa, vivo para minha mulher, que tudo modo-melhor merece, e para a devoção. Bem-querer de minha mulher foi que me auxiliou, rezas dela, graças. Amor vem de amor. Digo. Em Diadorim, penso também - mas Diadorim é a minha neblina..." (p. 40)

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SE TEM ALMA, ELA É DE DEUS

"Pois. Se tem alma, e tem, ela é de Deus estabelecida, nem que a pessoa queira o não queira. Não é vendível. O senhor não acha?" (p. 41)

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TER QUE SER MAIS DURO QUE O LUGAR ONDE SE VIVE

"Sertão. Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o lugar. Viver é muito perigoso..." (p. 41)

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SAUDADE

"O senhor sabe? Já tenteou sofrido o ar que é saudade? Diz-se que tem saudade de ideia e saudade de coração..." (p. 43)

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ÓDIO COM PACIÊNCIA

"E ele suspirava de ódio, como se fosse por amor; mas, no mais, não se alterava. De tão grande, o dele não podia mais ter aumento: parava sendo um ódio sossegado. Ódio com paciência; o senhor sabe?" (p. 46)

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CIÚMES

"Mas ciúme é mais custoso de se sopitar do que o amor. Coração da gente - o escuro, escuros." (p. 52)

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FALAR CONSIGO MESMO AO FALAR COM UM ESTRANHO

"O senhor é de fora, meu amigo mas meu estranho. Mas, talvez por isso mesmo. Falar com o estranho assim, que bem ouve e logo longe se vai embora, é um segundo proveito: faz do jeito que eu falasse mais mesmo comigo." (p. 55)

(segue...)


Bibliografia:

ROSA, Guimarães. Grande Sertão: Veredas. 19ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. 


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