Refeição Cultural
Osasco, uma aldeia do mundo, 5 de dezembro de 2022. Segunda-feira de tempo nublado e quente.
A leitura dessa obra inspiradora e reflexiva foi precedida por uma apresentação sobre ela pelo próprio autor - o professor, teólogo, filósofo, escritor e defensor dos direitos humanos Leonardo Boff - no Instituto Conhecimento Liberta (ICL) no dia 9 de novembro deste ano. Por ser morador da região metropolita de São Paulo e ser associado ao ICL tenho tido a oportunidade de frequentar aquele espaço de cultura e conhecimento.
Foi a primeira vez que estive num evento presencial com Leonardo Boff. Que figura fantástica! O intelectual nos falou um pouco a respeito do livro, nos falou sobre histórias vividas por ele ao redor do mundo, nos revelou algumas sabedorias sobre o planeta Terra e as mais diversas formas de vida. Que figura inspiradora!
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OS POVOS INDÍGENAS E SUAS LÍNGUAS
"A classificação mais comum que se faz dos povos é pelas línguas que falam. Entre os povos indígenas do Brasil há uma das proliferações linguísticas mais significativas da história da humanidade. Em 1500, ao aportar Pedro Álvares Cabral em terras brasileiras, havia cerca de 5 milhões de indígenas, agrupados em 1.400 povos, falando 1.300 línguas. Hoje, devido à dizimação ocorrida em mais de quinhentos anos, restam apenas 180 línguas, havendo, portanto, uma perda de mais de mil (85% delas)..." (p. 206)
Esse dado que Boff nos apresenta é muito chocante, nos deixa triste, mas nos deixa também com um sentimento de urgência que nos impele a querer fazer alguma coisa para contribuir para a causa dos povos originários, para a causa dos seres humanos e dos seres vivos, para a aldeia única chamada Terra. É de nós que estamos falando.
Leonardo Boff, no ICL. |
CONTOS E NARRATIVAS DOS POVOS INDÍGENAS
A primeira parte do livro é de uma leveza incrível. Comecei lendo uma ou duas narrativas por dia e agora no final li uma dezena delas para completar a leitura.
São estórias, mitos, explicações de mundo, são sabedorias para se ler para sempre, para se ler para outras pessoas. Eu fiquei refletindo muito após várias narrativas. Fiquei vendo meu passado, minha vivência no interior de Minas Gerais. Me lembrei das viagens pelo Brasil todo, pois tive a oportunidade de conhecer todas as capitais do país.
CONTRIBUIÇÕES DOS POVOS INDÍGENAS
A segunda parte é mais informativa, por isso é a parte que nos deixa conscientes do quanto é grave o que está acontecendo no mundo, no nosso mundo, aos nossos povos originários. Temos que fazer alguma coisa para interromper a destruição em andamento porque o fim será de todos nós e não somente das culturas que estamos dizimando. A aldeia é única, vivemos na mesma "maloca", é a Pacha Mama.
LIÇÕES PARA NÓS: VIVÊNCIAS MILENARES
"Por isso, é extremamente ofensiva à sua dignidade a forma como o Estado brasileiro, com suas políticas indigenistas, os trata - como se fossem primitivos e infantis. Na verdade, eles guardam uma integralidade que nós, não indígenas, perdemos, reféns de um paradigma civilizacional que divide, atomiza e contrapõe para melhor entender e mais dominar. Eles são guardiães da unidade sagrada e complexa do ser humano, mergulhado com outros na natureza da qual somos parte e parcela. Eles conservam a consciência bem-aventurada de nosso pertencimento ao todo e da aliança imorredoura entre o céu e a terra, origem de todas as coisas." (p. 212)
Em nota, Leonardo Boff nos diz que, segundo dados da ONU, estima-se que existam cerca de 300 milhões de indígenas no mundo. No Brasil, só restam cerca de 300 mil. A maior parte deles vive na China, Índia e Austrália. Na América Latina são mais de 30 milhões de indígenas.
É urgente aprendermos as lições desses povos e seus ancestrais! Por milhares de anos, eles conviveram com os diversos biomas da Terra sem ameaçar a própria biodiversidade no planeta. Nós, com o advento do capitalismo, em pouco mais de 300 anos colocamos em risco a existência de todas as formas de vida na nossa única aldeia, a Terra.
VIVÊNCIA SUSTENTÁVEL
Vejam um exemplo de convivência harmônica de uma etnia com o seu meio ambiente: os Yanomami.
"Os Yanomami sabem aproveitar 78% das espécies de árvores de seus territórios, tendo-se em conta a imensa biodiversidade da região, na ordem 1.200 espécies numa área do tamanho de um campo de futebol.
Para eles a Terra não é, como para o nosso modelo de civilização, um baú de recursos espantosos que podemos explorar ao nosso bel-prazer. A Terra é mãe do indígena, como dizem enfaticamente muitos deles. Ela é viva e por isso produz todo tipo de seres vivos. Deve ser tratada com a reverência e o respeito que se deve às mães. Nunca se há de abater animais, peixes ou árvores por puro gosto, mas somente para atender necessidades humanas. Mesmo assim, quando se derrubam árvores ou se fazem caçadas e pescarias maiores, organizam-se ritos de desculpas para não violar a aliança de amizade entre todos os seres." (p. 232)
Demais!
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COMENTÁRIO FINAL
O livro aguçou minha consciência a respeito de nossos povos originários. Aqui nesta aldeia chamada Brasil todos fomos paridos pelas mulheres indígenas e africanas ao longo dessa história de invasões bárbaras pelos povos violentos do Norte.
O que posso afirmar neste momento de minha existência é que não sei o que posso fazer para contribuir com a causa dos indígenas e da Pacha Mama, não sei como poderia usar o resto do tempo que tenho para lutar pela preservação da vida, das diversas formas de vida dessa aldeia comum e única na qual passamos por um breve instante.
William
Bibliografia:
BOFF, Leonardo. O casamento entre o céu e a terra - Contos dos povos indígenas do Brasil. Ilustrações de Daniela Ramos. São Paulo: Planeta do Brasil, 2022.
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