quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Entrevista: Wanderley Guilherme dos Santos (2005)



Refeição Cultural

Em 2006, a Fundação Perseu Abramo lançou o livro "Leituras da Crise - Diálogos sobre o PT, a democracia brasileira e o socialismo". O professor de economia Juarez Guimarães entrevistou 4 personalidades de diferentes áreas do conhecimento humano, uma delas o cientista político e professor Wanderley Guilherme dos Santos. 

À época, eu era dirigente sindical da categoria bancária e as entrevistas me ajudaram bastante a compreender as contradições inerentes à política partidária e oriundas da democracia e me ajudaram no diálogo com meus colegas bancários sobre a crise política (vulgo "mensalão") daquele momento em 2005 do governo Lula e do Partido dos Trabalhadores. 

Rever as entrevistas neste momento brasileiro, no qual 12 deputados do PT votaram a favor da PEC da impunidade no Congresso Nacional, não deixa de ser uma forma de tentar compreender as contradições do jogo democrático, e lembro que compreender não é concordar, é compreender. 

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O GRANDE JOGO IMPUGNATÓRIO

Cito algumas frases e opiniões interessantes de Wanderley Guilherme dos Santos. Ele afirmava em seus artigos que a oposição tentou um golpe em 2005.

Juarez Guimarães deixou que o entrevistado argumentasse contra as ideias contrárias à sua leitura à época: que as elites econômicas eram beneficiadas e então não queriam golpe; que a oposição ao governo Lula tinha direito legítimo de tentar o golpe ou inviabilizar o governo porque o PT havia feito o mesmo; e que a crise era consequência da existência de corrupção no governo e de caixa dois. 

Ao longo das citações do professor Wanderley, teço alguns comentários.

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"O que tivemos agora foi um caso estritamente de tentativa de golpe por parte de forças políticas fora do poder."

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"Quando se fala em elite, se pensa logo em elite econômica. Não, elite são todos esses jornalistas que têm coluna, por exemplo."

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"A opinião do PT e das oposições durante os oito anos do governo Fernando Henrique era totalmente irrelevante do ponto de vista parlamentar, não tinha força para fazer coisa nenhuma; se tivesse força o governo Fernando Henrique não teria aprovado 18 emendas constitucionais no seu primeiro mandato."

Wanderley disse que a oposição a FHC era de no máximo 144 deputados. 

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RETÓRICA DA "JAGUNÇAGEM"

"Não, estou dizendo que julgamento político não é um julgamento que abdica de fatos (...) tem de haver um fato; dizer que isso não importa porque o julgamento é político é uma barbaridade, isso é nazismo, é um julgamento nazista."

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DESQUALIFICAÇÃO DO VOTO

"Ao analisar as últimas pesquisas [de janeiro/fevereiro de 2005], que revelam a recuperação da imagem do presidente Lula, os comentaristas reacionários que participaram do grande jogo impugnativo fizeram questão de acentuar que a recuperação é entre os mais pobres e menos educados."

Achei interessante o entrevistado chamar os analistas de "semi-intelectuais".

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"A democracia brasileira é muito forte porque é muito complexa, há muitos interesses em jogo."

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"O que vimos foi o presidente do PFL declarar: 'Não vamos deixar o governo governar'. Isso é um absurdo."

Wanderley faleceu em 2019, aos 84 anos. Imaginem se ele tivesse visto todo o descalabro que vivenciamos após a abertura da Caixa de Pandora, com o bolsonarismo...

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A DEMOCRACIA ASSUSTA

"A democracia é uma bagunça, por definição. Não há como organizar a democracia - só não tendo democracia."

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"A democracia assusta aqueles que sempre foram democratas enquanto a democracia não existia."

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"Os nossos políticos de 50 anos atrás não faziam nem ideia do que era democracia porque nunca viveram uma. Os presidentes norte-americanos do século XIX jamais souberam o que é a democracia, embora falassem o tempo todo dela, porque jamais tiveram uma - mulher não votava, negro não votava."

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MÍDIA E DEMOCRACIA 

"J. G.: O senhor identificou também outra moeda de troca, que seria o processo de controle da agenda - a imprensa, muitas vezes, quer controlar a agenda do governo como se controlasse a pauta de seus repórteres. 

- Exatamente..." (respondeu ele)

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PRESIDENCIALISMO E MULTIPARTIDARISMO

"Se você quer avançar mais, se seu partido é comprometido com mudanças maiores que a rotina ou a inércia, tem que contar com dificuldades e oposições maiores."

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"Qual é a versão que o principal partido da mudança no Brasil, o PT, tem a respeito de si próprio nas suas relações com o mundo privado?"

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Juarez Guimarães pergunta sobre custo das eleições no Brasil e financiamento delas.

Wanderley repete sua questão sobre a relação do PT com o mundo privado e sua clareza com a militância e eleitores.

"Não é possível ter simultaneamente, fazendo parte do mesmo partido, a opinião de socialistas, religiosos e pragmáticos do crescimento econômico de qualquer maneira. E a verdade é que o PT está convivendo com isso e não tem tido coragem de enfrentar este problema. Insisto que isso é crucial - e não se resolve com a reforma eleitoral. Nenhuma reforma eleitoral vai resolver isso para o PT, podem perder a esperança."

O entrevistado disse isso faz duas décadas! Eu não concordo totalmente com ele, mas debateria a questão.

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FINANCIAMENTO DAS CAMPANHAS 

"Não sou favorável ao financiamento público de campanha..."

Ele explica que as eleições já têm alto custo público em todo o processo. 

Amig@s leitores, eu destaquei pontos da entrevista, nada substitui a leitura do texto completo.

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O GOVERNO LULA E O ESTADO BRASILEIRO 

"Há uma parte do Estado brasileiro que sempre foi inepta e outra parte que sempre funcionou bem."

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"O Estado brasileiro nunca foi preparado para um governo a favor da população pobre."

Wanderley avalia que o governo Lula melhorou o Estado, a máquina pública, em geral. 

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PT E PSDB

"O Brasil passou por um marasmo durante os oito anos de FHC, nada era possível, tudo estava fora dos limites da possibilidade."

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Gostei da explicação do entrevistado sobre a história do PMDB: "Ideologia a favor de nada".

"E também o PMDB tem uma herança do tempo em que era MDB (Movimento Democrático Brasileiro) e, na verdade, tinha uma ideologia a favor de nada, apenas de ser contra a ditadura. Todo mundo que era contra a ditadura estava no partido. Quando acabou a ditadura e foi preciso definir do que ele era a favor, aí complicou."

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Comentário final 

Foi bom reler o professor Wanderley Guilherme dos Santos avaliando a crise política de 2005 neste momento da história do Brasil, em 2025.

Os intelectuais têm muito a nos ensinar. Sempre!

William 

25/09/25 (0h35)

terça-feira, 23 de setembro de 2025

O sentido da vida (10)



Poderia definir como sentido da vida o simples fato de buscar o conhecimento em si?

Ao ouvir uma explicação do jurista Lenio Streck, ficou encantado com o fato novo de algo que achava que já conhecia, mas que na verdade só conhecia parte da coisa e não a sua totalidade, e ouvindo o intelectual explicando o sentido completo daquilo se pegou admirando a beleza da erudição e do saber na vida de um ser humano. Lenio usa sua inteligência em benefício das causas justas e populares.

Outro dia, ele havia visto o documentário "O longo amanhecer" (2004) sobre o grande brasileiro Celso Furtado e se sentiu orgulhoso daquela figura extraordinária, um compatriota seu. O documentário foi lançado quando o economista ainda estava vivo e ao rever aquele filme e perceber a atualidade de seu pensamento e o amor daquele brasileiro por seu povo e pelos povos latino-americanos, ficou mais uma vez pensando sobre a maravilha da erudição e suas possibilidades para a libertação dos povos subjugados.

Ao olhar para trás, percebia facilmente que sempre teve o desejo de saber mais sobre o mundo e a vida, tinha aquela curiosidade filosófica que poderia levar a pessoa a ser uma estudiosa e se tornar alguém que atuasse no mundo em áreas ligadas ao saber. Mas sua vida trilhou outras veredas: queria ser professor, mas não foi; ter talvez uma profissão na área da educação, mas não teve. E os temas que dominou bem, durante sua vida útil, não serviam para mais nada.

Vivendo num mundo em colapso, numa sociedade humana que não demonstrava perspectivas de construir um amanhã melhor que antes, com sinais claros de tempos piores para a vida coletiva no futuro, poderia viver seus dias buscando algum conhecimento novo como forma de dar sentido à vida? As crises e colapsos em andamento apontavam até para a perda de interesse social no conhecimento, na ciência e na cultura.

Dilemas... qual o caminho a seguir? A fazer, se não houver caminhos?

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domingo, 21 de setembro de 2025

Diário e reflexões


Bem-acompanhado: a juventude militante de Osasco

Refeição Cultural

Domingo, 21 de setembro de 2025.


O Brasil viveu um dia bom. O povo brasileiro foi para as ruas se manifestar como não fazia faz tempo. Fiquei feliz de ver a participação e a alegria no rosto das pessoas. Senti um clima bom, e digo isso porque sempre participei das movimentações de rua. Conheço manifestações de todos os tamanhos e tipos de público.

Os brasileiros atenderam ao chamado de ocupar as ruas por causa do abuso dos parlamentares canalhas que compõem o Congresso Nacional. Ocuparam as ruas em defesa da soberania nacional, em busca de direitos como a redução da jornada de trabalho e a escala 6x1, por isenção de imposto de renda para quem ganha menos - a imensa maioria do povo ganha até 5 mil reais por mês -, pela tributação dos ricos e para que aqueles canalhas do Congresso não votem anistia para golpistas e impunidade para eles mesmos.

Foi um dia importante para o povo e para o nosso país. Um dia importante para quem preza a democracia e a soberania popular.

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REFLETINDO...

Pensei em escrever várias vezes nos últimos dias e acabei não escrevendo. Não sei, acho que preciso dar um tempo.

São tantas coisas acontecendo no mundo, no Brasil, em minha vida, tantas coisas!

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Hoje foi o Dia Nacional da Luta das Pessoas com Deficiência, 21 de setembro. Dias atrás, viemos do interior de SP conversando com o Carlos Eduardo, uma pessoa com deficiência visual, e durante algumas horas pudemos conhecer um pouco da realidade das pessoas com essa deficiência. Carlos é um dos poucos deficientes visuais no Brasil com um cão-guia, o Chicó. Ficamos encantados com eles e eu fiquei pensativo desde aquele dia. Nós temos que fazer algo por milhões de deficientes visuais e pessoas com outras deficiências. Estou com isso na cabeça há dias. 

A política deveria servir para isso, para ajudar as pessoas, e não para uns fdp f... a vida de milhões de pessoas e a natureza em benefício próprio. Que ódio dessa gente canalha e mau-caráter que ocupa o mundo humano prejudicando a vida da maioria e o planeta!

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Ao assistir ao vídeo de despedida do canal Tempero Drag, de Guilherme Terreri, e a pausa nas aulas da personagem drag queen Rita von Hunty, fiquei deprimido, triste de verdade. Guilherme já foi até tema de um capítulo de meu livro de memórias sindicais (aqui) por sofrer os malditos processos de cancelamento na época das eleições de 2022 por se posicionar sobre uma questão básica: votar no primeiro turno em candidaturas que representavam o que ele acredita. Ao falar da questão do genocídio do povo palestino e a continuidade dessa tragédia neste momento da história humana eu também me identifiquei de alguma forma com o que Guilherme partilhou conosco. 

Fiquei pensando sobre minha própria impotência e a validade das coisas que escrevo. Meus milhares de textos nesta plataforma são só mais uma fonte de dados para serem roubados sem citação para treinar as IA dos desgraçados das big techs que estão acabando com a inteligência humana e a vida na Terra. Leitores de verdade dos meus textos, deve ser uma parcela ínfima dos milhares de acessos mensais nos três blogs nos quais escrevo.

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Como disse, minha cabeça está a mil, a milhão... não quero registrar mais nada por hoje do que vai no meu "coração": o curso sobre o capitalismo e o colapso ambiental, curso fantástico no qual estou participando, me deixou pensativo pra caralho: como impedir o fim do mundo? (sinto que não vai rolar só na "paz e amor" das manifestações de rua); a sempre difícil relação pessoal com meu passado sindical e presente fora da política; as questões de família; minha saúde indo pro beleléu etc.

Chega.

William

terça-feira, 16 de setembro de 2025

O último poema

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O ÚLTIMO POEMA


O primeiro poema foi um balanço dos trinta anos.

A infância feliz e depois infeliz, do amor ao ódio.

Exploração infantil na venda do seu trabalho.

As relações de afeto, sempre regadas com lágrimas.


Aos trinta, já era pai e funcionário de banco público.

Formado, por acaso, em Contábeis. Não se formou

em Educação Física porque o salário não deu.

Passou no vestibular e entrou nas Letras...


A vida andou. Virou sindicalista. Se politizou.

Por duas décadas, outra vida, um novo homem.

Aos cinquenta, virada radical nos papéis sociais.

Saiu do BB. Da representação. Do espaço de atuação.


Aos cinquenta e seis anos, o mundo se desfaz.

Na política e na economia do seu país e do mundo, 

a extrema-direita e o capitalismo em crise estrutural

estão colapsando a sociedade humana e a mãe Terra.


No pessoal, o balanço da vida se parece com o mundo.

A saúde: bomba-relógio: genética e veredas da vida.

As relações: o retrato dos tempos: incomunicabilidades.

Teria contribuições a fazer... sente que não vai rolar.


William Mendes

16/09/25

domingo, 14 de setembro de 2025

O sentido da vida (9)



O acaso define a vida da gente


Olhava para o lago enquanto pensava sobre a vida. 

Muitas perguntas feitas naquele momento do viver eram perguntas retóricas. Já sabia a resposta. 

Não acreditava em destino, em conformações mágicas da vida, e explicações do tipo. Determinismo já não fazia sentido há tempos.

O funk rolava solto num carro próximo ao lago... o tema era ser feliz na favela... 

Deus e Jesus, e pastores, no domínio da vida do povo que está na condição da gente de onde veio. Tem também os orixás...


As respostas às perguntas retóricas eram claras para ele. Não tinha essa de culpa, culpa dele, culpa dos pais, culpa dos filhos, culpa do pecado original. Sem culpas. 

As coisas são como são muito em função das casualidades do viver. O por quê uns beberam muito e pararam, outros não... por quê uns foram por um caminho e outros por outras veredas...

Os acasos da vida. Não há nenhum determinismo nisso. Que nos perdoem aqueles que explicam tudo pelas lógicas mágicas 

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sábado, 13 de setembro de 2025

Diários com Machado de Assis (17)



Refeição Cultural

Jaboticabal, 13 de setembro de 2025. Sábado.


Sou admirador de nosso escritor Machado de Assis, um fenômeno da natureza da espécie humana, nascido no século XIX num canto do mundo chamado Brasil. O "nosso" que usei acima é referente a essa coisa em comum entre eu, você e Machado: a gente nascida no nosso canto, essa terra habitada por povos originários antes da chegada dos europeus e após os séculos de exploração e gestão do país com o olhar de fora, para o bem dos outros e não para o bem do povo que aqui nasce, vive e morre.

Para não dizer que nada sei de Machado, posso dizer que já li todos os seus romances e algumas dezenas de contos de sua autoria. Aí, pensei em conhecer alguma coisa sobre sua obra poética, e faz alguns meses li o primeiro livro de poesias do Bruxo do Cosme Velho: Crisálidas, publicado em 1864 (comentário aqui). Achei uma leitura exigente, diferente de quando leio poesias com linguagem mais prosaica. 

Não quero dizer com isso que poesia com linguagem prosaica é simples, pois as imagens e metáforas podem ser mais complexas que em poesias com linguagem mais rebuscada.

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Antes de seguir com a reflexão ou refeição cultural, faço uma observação que andei pensando. Eu tenho escrito comentários sobre livros, poemas, filmes e gêneros da cultura já faz quase duas décadas. Ao ouvir uma análise de um crítico de cinema, o PH Santos, na qual ele explicava o que é de fato uma "crítica" reforçou em mim a leitura de que o que faço em meus textos no blog não são críticas literárias ou sobre filmes, pois não são baseadas em questões técnicas da referida arte. No entanto, o fato de meus textos não serem "críticas" não tira alguma contribuição que eles tenham a respeito da obra comentada, pois meus textos são impressões e comentários sobre os efeitos daquela obra sobre minha pessoa, um cidadão dedicado à compreensão do mundo e da vida. Ou seja, meus textos têm o seu valor, mesmo não sendo formalmente "crítica" literária ou sobre filmes.

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Voltando aos poemas de Machado de Assis, após a leitura de seu primeiro livro de poesia, comecei a ler o segundo livro, Falenas, de 1870. Aproveitei longas horas de estrada para ler alguns poemas de nosso escritor maior.

Interrompi a leitura do livro Falenas para ler alguma crítica a respeito do tema e estou lendo artigos muito interessantes de um estudioso do autor. O articulista se chama José Américo Miranda, pesquisador da Universidade Federal do Espírito Santo, e suas contribuições para a compreensão das obras poéticas de Machado são esclarecedoras.

Amigas e amigos leitores, vou seguir na leitura dos artigos sobre esses dois livros de Machado. Pensei em escrever esse comentário da série "Diários com Machado de Assis" porque ter acesso a conhecimentos compartilhados é uma coisa extraordinária da parte boa dos seres humanos.

Sigamos aprendendo sobre literatura e nossos grandes autores e suas obras.

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Instantes

Pelo momento que estou vivendo, é inevitável pensar sobre os sentidos da existência humana. Inevitável. Até uns trinta anos de idade, avaliando de onde estou com quase o dobro da idade, e com a experiência que a sobrevivência me deixou nas entranhas do ser animal, teria vivido uma vida de um jeito e só daquele jeito. Uma vida para mim, egoisticamente para mim e pronto. Não tinha a formação política que adquiri pelas veredas da vida. Antes, tinha um ódio ferrenho do mundo, depressão, indignação, falta de perspectiva de futuro. Se tivesse tombado pelo caminho, não teria tido a oportunidade de conhecer outras possibilidades da vida humana. Vivi até aqui e até Machado de Assis conheci melhor após os trinta anos, a segunda parte da existência que por acaso tive.

Apesar da impotência que sinto hoje, neste instante, em relação ao mundo e às pessoas que gostaria de ajudar, impotência em relação a não poder fazer algo por pessoas queridas, algo que só elas mesmas poderiam querer fazer por si mesmas, eu adquiri uma consciência que me dá uma espécie de responsabilidade para estar vivo, para combater o cansaço que meu corpo apresenta, pois se eu deixar rolar, a vida se esvai num curto espaço de tempo, contrariando as estatísticas do meu perfil social, estatísticas que me dariam até umas três décadas ainda caminhando pela Terra.

A expressão pesada de nosso grande escritor na foto acima, com mais ou menos 65 anos em 1904, me deixa sempre pensativo. Machado é um grande representante de nossa espécie, um grande brasileiro, um escritor e intelectual muito à frente da mentalidade de seu tempo de vida, um homem que se tivesse vivido só a metade de sua vida, não teríamos a oportunidade de conhecer a produção humana que ele nos legou após seus trinta e poucos anos. Vejam com é a vida e o viver, o ir vivendo.

Se eu tivesse deixado de existir com meus trinta anos, não teria tido a oportunidade extraordinária que tive de, do nada, me politizar e viver uma vida de lutas coletivas, deixando de ser só mais um egoistazinho desses que temos aos montes por aí, e sabendo que nem viver eu queria quando já tinha vinte e poucos anos.

Tudo isso tenho pensado ao estudar o mundo, a vida, ao ver os jovens ao meu redor, ao tentar compreender os comportamentos das pessoas e tentar compreender, mesmo sem aceitar, mas compreender por que as coisas e as pessoas são como são. Tento me imaginar no lugar e no tempo delas hoje, aquele que fui com a idade delas.

Tenho uma certeza: não posso julgar absolutamente nada das atitudes dos jovens ao meu redor. Não sei se seria diferente deles, na condição que estava antes, e na qual eles se encontram agora, neste mundo e sociedade colapsados.

Chega por hoje.

William

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Artigo: 11/9



Refeição Cultural

Opinião

Algumas datas do calendário ocidental acabam ficando marcadas na história da sociedade humana por acontecimentos que ocorreram naquele dia. O 11/9 se tornou uma dessas datas.

Já tínhamos o 11/9 chileno, tínhamos o 11/9 norte-americano, e agora temos o 11/9 brasileiro. 

Para as pessoas que conhecem minimamente a história, sabemos que os três 11/9 têm alguma relação direta ou indireta com o governo dos EUA, ou seja, aconteceram por causa dele ou com a tentativa de interferência daquele governo. 

No dia 11/9/73, o governo socialista de Salvador Allende, eleito democraticamente pelo povo chileno, foi derrubado por um Golpe de Estado patrocinado pelos EUA. Allende não sobreviveu ao golpe. Augusto Pinochet foi colocado no poder e a barbárie se implantou no país por um longo tempo.

No dia 11/9/01, os EUA sofrem um atentado terrorista no qual as Torres Gêmeas do World Trade Center são atingidas por aviões, o prédio do Pentágono também é atingido por um avião e um outro cai sem atingir o alvo. Todos eles, aviões comerciais. 

Aquele atentado marcou o início do século XXI e mudou o mundo para pior, para os povos dos países periféricos e até para os norte-americanos comuns. O governo começou naquele dia uma tal guerra ao terror e tudo passou a ser "permitido" contra o povo e contra o mundo em nome da tal guerra ao terror.

No dia 11/9/25, o Brasil condenou pela primeira vez em sua história um ex-presidente e outros componentes de sua organização criminosa, a maioria deles militares e ou servidores públicos, à prisão por tentativa de Golpe de Estado e outros crimes. Bolsonaro foi condenado a 27 anos e três meses de prisão. 

O governo dos EUA tentou interferir no julgamento dos réus brasileiros estabelecendo sanções econômicas ao Brasil e ameaçou, nos últimos dias, até o uso de força militar para pressionar o poder independente do judiciário a não condenar os bandidos. 

Como disse, o dia 11/9 vai sendo marcado por acontecimentos que mudam a história dos países e povos do mundo. 

O escritor do blog não acredita que o réu Bolsonaro vá cumprir a pena na prisão. Ficaria feliz se daqui a um ano, ano e meio, pudesse voltar a esta postagem e afirmar que estava errado, vendo o Jair Messias cumprindo sua pena na prisão. 

QUE A CONDENAÇÃO DO EX-PRESIDENTE SIRVA DE EXEMPLO PARA QUE O POVO NÃO ELEJA UM INEPTO COMO ELE FOI NA PANDEMIA

Vale registrar a minha decepção com a justiça dos homens (raramente é das mulheres também) pelo fato de que o condenado por tentativa de Golpe de Estado não foi indiciado pelo pior de seus crimes, o pior, sua conduta como autoridade maior do Brasil durante a pandemia de Covid-19. 

O Jair Messias Bolsonaro fez tudo que podia para facilitar a morte por Covid de centenas de milhares de brasileiros e brasileiras, que morreram sem vacina quando já havia vacina disponível, adoecidos por não usarem máscaras com incentivo do Jair e por ele não fazer nada que deveria como presidente do Brasil durante a pandemia. 

Enfim, temos que reconhecer este 11/9 como um dia histórico, pelo menos o Brasil condenou esses desgraçados que tentaram voltar a ditadura no Brasil, com toda a violência e roubo que vem junto com o autoritarismo dessa gente fascista que é ignorante e desumana.

O "capitão" não foi condenado pelo genocídio do povo brasileiro, nem como ladrão de joias, mas pelo menos foi condenado por alguns de seus crimes. 

Que a condenação do inepto, genocida e defensor de torturadores sirva para que nunca mais tenhamos dias de mortes no Brasil como naqueles dias da pandemia, nos quais as pessoas morriam sem conseguir respirar por culpa do sujeito que ocupava a presidência do Brasil. 

Companheiro Wanderley Crivellari, presente! Vítimas da Covid-19 no Brasil, presente!

SEM ANISTIA PRA GOLPISTA!

William Mendes


quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Vendo filmes (XXXII)



Refeição Cultural

Conhecendo um pouco de Wim Wenders


O primeiro filme que vi do cineasta alemão Wim Wenders foi Asas do Desejo (1987), e fiquei encantado com a temática e a forma como o diretor retrata a cidade de Berlim e as personagens.

Do primeiro filme até ver o trabalho seguinte de Wenders se passaram alguns anos. Fiquei um tempão querendo ver o filme com Nastassja Kinski, Tão longe, Tão perto (1993), uma sequência de Asas do Desejo

Aliás, quando vi o filme com a história dos anjos, de 1987, queria na verdade ter visto o filme de 1993, mas o primeiro era o que estava disponível a mim numa coleção de filmes que tenho em casa.

Mais recentemente, ouvi de novo o nome de Wim Wenders ao tomar conhecimento do filme Dias Perfeitos (2023), que concorreu ao Palma de Ouro e foi o filme japonês selecionado para concorrer ao Oscar em 2024. O filme é tocante, mexeu comigo.

Agora, conheci o documentário Tokio-Ga (1985), no qual Wenders faz uma homenagem ao grande diretor japonês Yasujiro Ozu. Gostei do documentário! Sempre tive interesse pela cultura e pelo estilo de vida do povo japonês.

Ainda neste comentário, compartilho minha impressão a respeito dos documentários sobre as perspectivas do cinema nos anos oitenta, o Papa Francisco e também a cena musical de Cuba, roteiros e direção que emocionam os espectadores. 

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FILMES


Quarto 666 (1982)

Direção: Wim Wenders 

SINOPSE (MUBI): 

Em um quarto de hotel no Festival de Cannes de 1982, Wim Wenders inicia uma pesquisa entre seus colegas sobre o futuro do cinema. Godard, Fassbinder, Spielberg, Antonioni, Herzog e outros cineastas respondem à pergunta: "O cinema é uma linguagem prestes a se perder, uma arte prestes a morrer?"

OPINIÃO DO MUBI: 

De Godard a Antonioni, Herzog a Spielberg, Wim Wenders reúne os grandes e bons nomes do cinema mundial para refletir sobre uma questão existencial. Esclarecedor e hilário, Quarto 666 considera a estética da televisão e pergunta se seus efeitos poluentes serão a sentença de morte da sétima arte. 

COMENTÁRIO: 

Muito interessante ver a temática do futuro do cinema na época na qual os videocassetes trouxeram o cinema para a casa das pessoas. Junto aos filmes em casa, já havia a questão do espaço que a televisão ocupava na vida do povo, incluindo os catálogos de filmes e séries na TV. O cinema sobreviveu. Quatro décadas depois, podemos dizer que a questão colocada por Wenders aos cineastas dos anos oitenta segue merecendo uma reflexão: qual o futuro do cinema no século XXI mediante as novas formas de entretenimento como as plataformas digitais e a Inteligência Artificial?

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Tokio-Ga (1985)

Direção e roteiro: Wim Wenders. Com: Chishu Ryu, Yuharu Atsuta, Werner Herzog. Narrado por Wim Wenders.

SINOPSE: 

Documentário sobre o cineasta japonês Yasujiro Ozu, gravado na primavera de 1983, em Tóquio, por ocasião dos vinte anos do falecimento de Ozu. Wenders entrevista o diretor de fotografia que mais trabalhou para Ozu, Yuharu Atsuta, e Chishu Ryu, o ator favorito do diretor japonês. Wenders registra cenas da Tóquio contemporânea, com máquinas de jogos eletrônicos como o Pachinko e produtores de comida de plástico, que enfeitam as vidraças das casas de comida em Tóquio.

COMENTÁRIO: 

Achei interessante Wenders dizer que gosta de filmar as coisas do cotidiano como forma de nos mostrar a verdade das coisas, ou algo com esse sentido. Ozu tinha uma técnica ímpar de filmar o cotidiano e sua simplicidade e rotina. Podíamos conhecer Tóquio e os japoneses através dos filmes de Ozu.

Por outro lado, é doido pensar hoje que o mundo do som e da imagem é justamente o contrário: as redes sociais e as plataformas digitais se tornaram a fonte de um mundo fake, de faz de conta. O que as pessoas menos são na realidade é o que elas demonstram ser nas telas. Que foda isso!

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Asas do desejo (1987) 

Direção: Wim Wenders. Roteiro: Wim Wenders e Peter Handke. Trilha Sonora: Jürgen Knieper. Com Bruno Ganz, Solveig Dommartin, Otto Sander, Curt Bois e Peter Falk. 

SINOPSE (Coleção Folha Cine Europeu): 

Anjos sobrevoam a Berlim Ocidental do final dos anos 1980. Eles são invisíveis, ouvem os humanos e oferecem alívio aos angustiados. Mas as regras são desafiadas quando um anjo se apaixona por uma trapezista. "Asas do Desejo" é o ponto alto da carreira de Wim Wenders (1945), um dos nomes mais populares do Novo Cinema Alemão. Ele realizou filmes que refletem uma realidade melancólica, ecos de traumas do passado. Fantasia que conquistou corações e mentes, "Asas do Desejo" tem uma estrutura que remete ao mundo dividido da época, do qual Berlim era centro e espelho. Em preto e branco quando mostra o ponto de vista dos anjos, o filme ganha cores ao reproduzir a vida dos seres humanos.

COMENTÁRIO: 

O filme "Asas do Desejo" é tão instigante que eu não me canso de vê-lo. Cada revisita ao filme, novas percepções (comentário anterior aqui). Nesta vez, enquanto via as cenas devastadoras dos cadáveres de crianças judias e opositores do regime nazista pelas ruas de uma Alemanha dos anos quarenta, e aquela destruição toda através das imagens espetaculares em preto e branco, não conseguia pensar em outra coisa que não fossem as imagens de Gaza totalmente destruída com corpos de crianças, mulheres e idosos entre os escombros. A sociedade humana parece não ter jeito.

Ao pensar na ideia dos anjos que veem a história humana através dos tempos fico imaginando a decepção dos deuses criadores dessa experiência que não deu certo: a espécie humana. Acabo por acreditar que nossa natureza é a mais violenta do reino animal.

Sei que o filme tem como foco o amor impossível a princípio entre o anjo Dammiel (Bruno Ganz) e a trapezista Marion (Solveig Dommartin), mas não se tem como controlar as ideias a partir das relações criadas pelo espectador entre a ficção e a realidade. Seja a Berlim dos anos quarenta, seja a Berlim dividida pelo muro dos anos oitenta, seja a Palestina atual com muros e bombas exterminando um povo para tomar sua terra, a pergunta é: onde está o amor?

Eu rezei ao meu anjo da guarda por décadas; não saía de casa sem pedir proteção a ele e me persignar. Fui aculturado em ambiente católico, como a maioria dos brasileiros de minha geração. Hoje não tenho mais a mesma leitura de mundo.

As religiões, as filosofias e as literaturas são criações humanas para tentar compreender o mundo e a vida de nossa espécie neste planeta. Eu respeito todas essas formas de culturas.

Se os anjos estiverem entre nós, imagino como estão sofrendo, como vemos naquela cena do anjo Cassiel (Otto Sander) ao ver a cena final do jovem suicida...

Por fim, acho muito legal esses livretos que vinham com as coleções de filmes que editoras e jornalões faziam antigamente. São muito bem-feitos e com informações esclarecedoras.

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Tão longe, Tão perto (1993) 

Direção: Wim Wenders. Elenco: Otto Sander, Peter Falk, Horst Buchholz, Nastassja Kinski, Lou Reed, Bruno Ganz, Solveig Dommartin, Willem Dafoe.

SINOPSE:

Cassiel é um anjo que acompanha a vida dos habitantes de Berlim. Após salvar a vida de uma jovem, ele vira humano e é perseguido por um supervisor de anjos que deseja puni-lo. Então, Cassiel pede ajuda a um amigo que se tornou humano. 

COMENTÁRIO:

Revi o filme após algumas semanas de tê-lo visto pela primeira vez. Novamente me emocionei muito com a história. O filme é uma continuação de "Asas do desejo" (1987) e no meu ponto de vista são bem diferentes.

Os anjos Dammiel e Cassiel desejam conhecer o mundo dos humanos a partir dos olhos dos humanos, sendo um deles. No primeiro filme, Dammiel é movido pelo amor, pelo desejo de viver ao lado de Marion. 

No segundo filme, os motivos que levam Cassiel a se tornar humano são diferentes, e se o desejo dele é altruísta, porque ele deseja fazer o bem, amar as pessoas e ser feliz, o que vivenciamos com ele é bem mais próximo da vida real de todos nós: as coisas não dão muito certo e Cassiel terá que superar todas as dificuldades para exercer seu desejo de acertar.

O filme me toca profundamente. Vi na história de Cassiel semelhanças com a história de vida de pessoas muito queridas, pessoas boas e que só querem acertar e as coisas acabam não se saindo como esperado por elas. É um filme de grande sensibilidade. 

No primeiro contato com "Tão longe, Tão perto", fiz um texto reflexivo. Ele pode ser lido aqui.

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Buena Vista Social Club (1999) 

Direção: Wim Wenders

SINOPSE (MUBI):

Um dos triunfos modernos de Wim Wenders, este documentário indicado ao Oscar explora a rica e animada cena musical de Cuba. O ícone do Novo Cinema Alemão acompanha várias lendas musicais enquanto tocam e andam pelas ruas vibrantes de Havana neste testamento ao "son cubano".

COMENTÁRIO:

Fiquei encantado com o documentário pela forma como ele nos apresenta os personagens da cena musical cubana, cada um mais empático que o outro: Compay Segundo, Omara Portuondo, Ibrahim Ferrer, Rubén González, Eliades Ochoa, Manuel "Guajiro" Mirabal, Barbarito Torres, Orlando "Cachaíto", Pío Leyva, Juan de Marcos González, Jesús Ramos, Ry Cooder.

Após assistir a Buena Vista Social Club fui pesquisar mais a respeito da história da casa de shows em Havana na primeira metade do século vinte e sobre os músicos reunidos pelo projeto organizado por Nick Gold, produzido pelo músico norte-americano Ry Cooder e dirigido por Juan de Marcos González, entre 1996 e 1997.

Ouvi as dez músicas do álbum do grupo Buena Vista Social Club e as canções e o ritmo são contagiantes, que delícia ouvi-las!

Ver o documentário de Wim Wenders com aqueles senhores e Omara Portuondo, todos de bastante idade, se apresentando em Amsterdam e em Nova York foi emocionante. 

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Papa Francisco: um homem de palavra (2018)

Direção : Wim Wenders

SINOPSE (NETFLIX):

O documentarista Wim Wenders viaja pelo mundo ao lado do Papa Francisco e registra a visão humanitária do pontífice no mundo polarizado de hoje.

COMENTÁRIO:

Assisti ao documentário de Wim Wenders após a morte de Papa Francisco (em 21/04/25). As ações e ensinamentos registrados pelo cineasta reforçaram o que havia dito meses antes sobre a morte do papa sul-americano, que sua perda seria irreparável, pois o mundo terá cada vez menos lideranças globais como ele, Mujica e Lula. 

Mujica faleceu também, faz poucos meses, em 13/05/25. 

Felizmente, ainda podemos contar com a grandeza de Lula, que está bem de saúde e se colocando à disposição das causas populares. Não é egoísta e pensa mais nos outros que em si mesmo. 

O documentário de Wenders se tornou um presente ao mundo para a posteridade, um registro histórico. 

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Dias perfeitos (2023)

Direção: Wim Wenders 

SINOPSE: (MUBI)

Hirayama leva uma vida feliz, conciliando seu trabalho como zelador dos banheiros públicos de Tóquio com sua paixão por música, literatura e fotografia. Sua rotina estruturada é lentamente interrompida por encontros inesperados que o forçam a se reconectar com seu passado.

OPINIÃO DO MUBI:

Kôji Yakusho ganhou o prêmio de Melhor Ator em Cannes com este drama comovente indicado ao Oscar, de Wim Wenders, que retrata os habitantes de Tóquio com um olhar humanista. Com uma excelente trilha sonora de rock clássico e pop, Dias Perfeitos encontra beleza e serenidade em lugares inesperados.


COMENTÁRIO: 

A história do senhor Hirayama me deixou pensativo por vários dias. 

As reflexões variaram por questões filosóficas que têm dominado minha existência já faz tempo, questões do tipo: qual o sentido da vida?, o que é felicidade?, qual o sentido de se ficar o tempo todo em função da obtenção de bens materiais, as mercadorias tão centrais na vida das pessoas no mundo capitalista?

O senhor Hirayama tem uma vida simples e rotineira que deixaria boa parte das pessoas do mundo atual completamente entediadas e infelizes, pois a rotina do amanhecer, aguar as plantinhas, sair para lavar banheiros públicos, parar embaixo de uma árvore para lanchar, voltar para casa após banho e refeição, e ler antes de dormir é tudo que a sociedade do século XXI parece não desejar. 

O senhor Hirayama seria classificado claramente como um "zé ninguém", um derrotado na vida.

No entanto, aquelas questões que coloquei acima estão o tempo todo vibrando nos pensamentos do espectador assim como a trilha sonora que acompanha o senhor Hirayama no toca-fitas de sua van (seleção sensacional!), bem como a sonoplastia das árvores ao vento que preenche o dia e os sonhos do senhor Hirayama.

Amigas e amigos leitores, o filme de Wenders com a história do senhor Hirayama é um presente para todas as pessoas que estão em busca do sentido da vida. 

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É isso! Mais um texto com impressões e sentimentos a partir de filmes que tocaram o coração do escritor do blog.

A postagem anterior desta série pode ser lida aqui.

William

domingo, 7 de setembro de 2025

31° Grito dos excluídos e excluídas e mobilizações do 7 de setembro

 


Cartazes da militância que participou do Grito dos excluídos e excluídas e do 7 de setembro.


A Praça da Sé foi o local de mais um Grito dos excluídos e excluídas, e o ato começou com a distribuição do café da manhã a centenas de pessoas em situação de rua. 


A partir das 9 horas, lideranças de movimentos populares se revezaram em discursos potentes sobre as questões de moradia, alimentação e direitos básicos da cidadania da população de rua e o descaso e abandono das autoridades governamentais, da cidade de São Paulo e do estado de SP.


A Catedral da Sé fechou suas portas ao Grito dos excluídos e excluídas... essa é a gestão higienista do momento. 


Dança popular de matriz africana no Grito dos excluídos e excluídas.


Viva a África!!! Viva os povos do continente africano! Viva os povos que vivem no Brasil! O povo brasileiro precisa ter seus direitos respeitados!

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ATO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NA PRAÇA DA REPÚBLICA

Após o ato na Praça da Sé, saímos em passeata para somar com a mobilização das centrais e partidos e movimentos organizados em defesa da soberania do Brasil, e com pautas centrais como o fim da jornada 6x1, isenção de imposto para quem ganha até 5 mil reais e cobrança de impostos dos mais ricos. E, lógico, punição para os golpistas do 8 de janeiro de 2023. SEM ANISTIA!

Foto feita por Malu.

Encontrei diversos companheiros e companheiras do movimento sindical do qual fiz parte por décadas de lutas. Para fechar o dia de participação nos atos do 7 de setembro, almocei com a turma do Sindicato.

William


Post Scriptum: ao chegar em casa e ver as notícias sobre as mobilizações do segmento de brasileiros vira-latas, apoiadores do crime organizado, o bolsonarismo lesa-pátria e canalha, fiquei estupefato ao ver a que nível chegou essa gente traidora da pátria brasileira: os vendilhões tiveram a coragem de desfilar no dia da Independência do Brasil com bandeiras dos Estados Unidos e de Israel! A de Israel a gente sabe que boa parte é porque esses bolsonaristas são burros e ignorantes, se dizem "cristãos" e desfilam bandeiras de Israel por serem mentecaptos... mas a dos EUA é porque são traidores da pátria mesmo! É duro!

sábado, 6 de setembro de 2025

Leitura: Artigo "Capitalismo financeiro digital, crise e desigualdade social", de Adilson Marques Gennari



Refeição Cultural

Artigo: "Capitalismo financeiro digital, crise e desigualdade social", de Adilson Marques Gennari. Revista Fim do Mundo, Marília, SP, número 8, 2023. O articulista é economista, doutor em Sociologia, Professor da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP Araraquara.

Leitura para reflexão antes de uma aula sobre o tema (em 06/09/25)

Aula VII (manhã) - Donald Trump, Misérias e Ideias para adiar o fim do mundo

Objetivo: textos de apoio para o curso de extensão "Como impedir o fim do mundo: colapso ambiental e alternativas", organizado e ministrado por IBEC, Unesp e demais parcerias

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A postagem é uma espécie de fichamento feito pelo autor do blog. Qualquer interpretação divergente do texto original é de responsabilidade deste leitor que comenta o texto.

Abaixo algumas palavras-chave ou ideias que gostei no referido texto.

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Resumo do artigo que vamos ler:

A sociedade capitalista global vem experimentando transformações determinadas, de um lado pela própria crise estrutural do capital que já vem se desenvolvendo desde o final do século passado na forma de crise econômica, crise ambiental, crise nas relações sociais (do emprego) e até crise de legitimidade; e de outro lado, pelos impulsos causados por revoluções tecnológicas que avançam para sua quarta fase (grundrissização), no contexto de uma fase de desglobalização do capitalismo e mudanças significativas nas relações internacionais com a emergência da Eurásia e dos países dos BRICS, em um novo contexto multipolar e pós-pandemia. O objetivo deste paper é contribuir ao debate sobre as contradições deste processo em relação a crise estrutural e seu impacto na pobreza e desigualdade social.

- O prof. Adilson começa o artigo citando os principais fatores que demonstram a atual fase do capitalismo e a crise estrutural na qual ele se encontra, com destaque para a decadência do império norte-americano e ascensão da Eurásia e BRICS, a destruição acelerada da natureza e a produção de lixo em escala que coloca em risco a vida na Terra

- Muito interessante a separação em lados antagônicos das forças que estão em disputa no momento: os contrarrevolucionários têm tipos como neonazistas e fascistas, burguesias decadentes urbanas, donos de terras e classes médias ressentidas... e do lado de cá, do meu lado, as forças sociais da revolução, onde cabem comunistas, socialistas, anarquistas, socialdemocratas, feministas...

- Duas crises marcam o fim da fase globalizada do capitalismo: a crise de 2008 do subprime e os movimentos de Trump da atualidade

- No entanto, o articulista nos explica que não é tão simples assim se desfazer no século XXI da cadeia global de produção capitalista como quer Trump

- O "capitalismo da globalização neoliberal" transitou para o "capitalismo global em crise estrutural"

- No trabalho, o autor questiona se há saídas para economias ex-colonizadas e escravizadas para além da subordinação aos centros econômicos hegemônicos do capital

- Celso Furtado é referência do prof. Adilson para explicar nossa desigualdade histórica desses cinco séculos de superexploração


Capital financeiro

- O articulista explica no texto o papel central do capital financeiro na atua crise estrutural do capital

- A mais-valia global vem se concentrando nas mãos dos donos do capital através da financeirização da economia

- Segundo Adilson, "A economia do capital é uma economia financeira"

- Comentário do blog: tenho achado o conjunto dos textos e aulas dos professores e professora marxistas excepcionais no sentido de trazer para nós a atualidade dos textos de Marx, principalmente de sua obra máxima, O Capital

- Adilson explica em seu artigo a materialidade da teoria de Marx já em início de funcionamento desde o financiamento dos holandeses ao negócio colonial com exploração da mão de obra dos povos africanos e originários das Américas por portugueses e ingleses e suas corporações

- Vemos ali o que já seria o papel do capital financeiro desde sempre nesse modo de produção e exploração que seria definido mais adiante como capitalismo (p. 7 do meu pdf)


A crise estrutural do capital

- Diferente das crises cíclicas, crises NO sistema, a crise estrutural é uma crise DO sistema capitalista

- Em outras dimensões categoriais, pode-se dizer que a "crise estrutural" é uma crise do próprio modo de produção capitalista

- O autor nos cita István Mészáros para elencar os motivos da crise estrutural do capital (obra "Para além do capital"), na p. 8 do pdf

- A destruição acelerada da natureza, a produtividade tecnológica e não necessidade de mão de obra humana e gastos crescentes na área militar com redução nos gastos sociais (subdesenvolvimento forçado) são exemplos claros da crise estrutural do capital

- Está em jogo o papel do trabalho no universo do capital na sociedade humana

- A quarta revolução tecnológica em andamento é tão impactante quanto a primeira lá no século XVIII e suas consequências também (p. 10 do pdf)

- "Chamamos essas mudanças e impactos de grundrissização da sociedade em uma referência direta a Fragmento sobre máquinas do clássico texto de Karl Marx (2011)"

- A máquina do capital possuía 3 partes, mas agora na quarta revolução tecnológica, teria o 4ª órgão (Bacchi), o órgão de controle (a máquina programável)

- Nesta fase científica e tecnológica, se torna cada vez menor a participação do trabalho vivo no processo produtivo das mercadorias


O Brasil nos BRICS na nova fase da (des) globalização multipolar

- O autor nos explica origem e atualidades dos BRICS

- Neste subitem, o prof. Adilson apresenta os novos desafios para o Brasil e demais membros dos BRICS e do movimento Sul-Sul frente ao colapso da velha ordem econômica e política hegemonizada por Estados Unidos e Europa


O trágico legado do Governo de Jair Bolsonaro (2019 - 2022)

- O inominável conseguiu realizar a façanha de derrubar o IDH do país após 3 décadas de governos brasileiros, ou seja, piora das condições de vida do povo como nunca visto

- O Brasil voltou também ao Mapa da Fome, tendo a metade da população vivendo sob insegurança alimentar e 33 milhões passando fome (p. 43 do artigo)

- Entre as causas o articulista cita 8 motivos para tal resultado no período: enviamos 28 bilhões de dólares a remunerar juros, lucros, royalties etc

- Outras causas: concentração de renda, redução de gastos sociais e da transferência de renda, arrocho salarial e no benefício dos aposentados, a inflação do desgoverno Bolsonaro com a reforma trabalhista, a militância bolsonarista com a morte de brasileiros durante a pandemia mundial, e a destruição da natureza e dos biomas, os números citados demonstram a tragédia do período bolsonarista


Considerações finais

- Inexiste a tão falada "concorrência de mercado" na realidade do sistema capitalista, principalmente na fase atual de capitalismo financeiro

- Urge o desenvolvimento de novas formas de produzir os bens úteis aos seres humanos como, por exemplo, as formas cooperativas da economia solidária

- A produção social humana deve focar o valor de uso e não a mais-valia, desenvolvendo forças produtivas em busca de uma sociedade mais solidária e sustentável

- Rússia e China saem na frente em relação à produção social contemporânea, já o Brasil precisa sair do modelo exportador de commodities que o mantém atrelado ao passado na produção mundial econômica

- A desigualdade social no Brasil segue altíssima e um dos motivos é sua forma de produção social atrelada ao passado como colônia exportadora e baixos direitos sociais

- O governo Bolsonaro fez o Brasil regredir em todos os índices que se têm notícias em décadas de história do país

- O autor afirma, observando os processos em andamento no mundo: "nunca a utopia de Marx de uma 'sociedade livre de homens livres conscientemente organizada' esteve tão distante do mundo real"

- A atual crise estrutural do capital é dupla: em Marx vemos a explicação da queda das taxas de lucros e em Mészáros vemos a destruição das relações sociais e do próprio planeta, ameaçando a existência humana

- Adilson levanta questões de difícil resposta em relação aos BRICS e seus membros estendidos, no que concerne às contradições do capitalismo sendo o modo de produção social dessas nações

- Por fim, sem a distribuição dos meios de produção e sem a mudança de relação entre os seres humanos e a natureza, não será fácil mudar a tendência de perspectivas sombrias para as gerações futuras.

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Leitura feita por 

William Mendes

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Instantes (13h13)



Refeição Cultural

A saída pela manhã tinha duas prioridades: meu trote de 2K em percurso com subida e adquirir o remédio para pressão arterial na Farmácia Popular, direito à saúde existente em governos de esquerda como no de Lula e quase extinto nos governos de direita como nos de Bolsonaro, Tarcísio et caterva.

Na farmácia, iria adquirir um medicamento receitado para lavar meus olhos por causa de irritações nas glândulas lacrimais. Ao ouvir o valor do remédio, fiquei estupefato... 185 reais! Francamente... lavo os olhos com sabonete neutro. Sou um privilegiado por ter o recurso para adquirir essa mercadoria, mas o preço disso é um assalto! Vai pro inferno esse capitalismo e essa porra de indústria da "saúde".


Ao voltar para casa, refletia sobre como é bom ainda caminhar e enxergar, o instante é único e não sei do amanhã (a natureza me mudou). Ao namorar as árvores floridas, me emocionei com o ipê branco que resiste fragilmente aos homens do capitalismo. Seu instante é tão único como o meu. Não sabemos do amanhã. 

Não pude resistir àquela potência da natureza. Atravessei a rua, fui ao encontro do ipê. Toquei em seu tronco, agradeci sua existência, sua resistência. Falei com ele. Que ser espetacular aquele ipê branco no meio da barbárie capitalista dos animais humanos!

Me despedi do ipê. Voltei para o concreto de minha moradia. Pensei até em fazer algo único para aproveitar meus olhos, minha existência frágil e instantânea.


A natureza para quem a vê e a percebe nos dá uma humildade incrível ao nos lembrar da finitude de tudo. A florada de um ipê branco tem a duração de horas, horas de uma beleza deslumbrante. Depois são galhos secos e a normalidade do viver cotidiano.

A vida também é assim, pouco mais, pouco menos de existência. Algumas estações do ano não são quase nada para um animal humano se comparadas ao tempo de um outro elemento da natureza, que pode durar centenas ou milhares de anos.

O instante...

William 

05/09/25

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Vendo filmes (XXXI)



Refeição Cultural

Lemon Tree (2008)

Direção: Eran Riklis e co-direção de Ira Riklis.

Com: Hiam Abbass, Ali Suliman, Danny Leshman, Rona Lipaz-Michael, Tarik Kopty, Amos Lavi, Lana Zreik e Amnon Wolf. 

Produção: Israel, Alemanha e França 


Sinopse: 

Uma viúva palestina, Salma (Hiam Abbass), vê seus limoeiros ameaçados quando o ministro da defesa de Israel, Navon, e sua esposa, Mira Navon, se mudam para a casa ao lado do pomar de Salma. A força de segurança israelense logo declara que os limoeiros colocam em risco a segurança do ministro e informa que eles precisam ser derrubados. Salma terá a ajuda do jovem advogado palestino Ziad Daud para ir até o Tribunal Supremo de Israel com a questão. 

Comentário:

Pelo que me lembro, vi este filme pouco depois de seu lançamento no Brasil. Fiquei impactado à época. Queria revê-lo já fazia um tempo.

Assistir ao filme agora, em pleno processo de genocídio do povo palestino, foi muito mais impactante que antes. 

É impossível não se sentir indignado com a injustiça que significa a ação do imperialismo norte-americano e do governo de Israel em relação ao povo palestino espremido na Faixa de Gaza e Cisjordânia após 1948.

Se já não bastasse todo o processo de ocupação da Palestina por israelenses após o término da 2a Guerra Mundial, expulsando o povo árabe que vivia ali há séculos numa divisão pra lá de controversa, e todos os avanços ilegais da ocupação até hoje, agora o mundo assiste à catástrofe humanitária de eliminação dos palestinos de sua terra. 

O filme se passa na fronteira entre áreas ocupadas por judeus em Israel e a Cisjordânia dos palestinos, em meados da primeira década deste século.

Os espectadores verão a tensão cotidiana na convivência entre judeus e palestinos. Há violências simbólicas nos abusos cometidos contra o povo palestino. E contra as mulheres do mundo...

Salma não aceita pacificamente a decisão monocrática do Estado de Israel de eliminar seu pomar de limões. 

No enredo, vamos perceber a questão da violência contra as mulheres, comum aos dois povos: árabes e judeus. 

Salma e Mira, em lados opostos, terão mais coisas em comum do que se poderia imaginar. 

Enfim, o filme é muito bom! Muito atual! E incomoda a gente, incomoda porque põe o dedo na ferida da causa palestina e das causas das mulheres.

Valeu muito rever Lemon Tree, que nos cativa do início ao fim, inclusive pelas cenas amenas que vemos como os momentos regados a limonadas.

William 


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