quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Carta de um pai ao filho

Foto de William Mendes

Filho, acabei de chegar à faculdade. Estou no horário de entrar na aula.

Não vou assistir à aula. Estou com vergonha.

A última aula dessa matéria foi há duas semanas e eu não li, desde então, os textos pedidos para a aula de hoje.

Quando saí de casa, lhe chamei por um instante para comentar sobre o que seus amigos da escola lhe disseram. Eu penso que você está jogando sua vida no lixo e seus amigos de sala de aula podem estar certos.

Fico pensando e tentando recordar o que fiz nas últimas duas semanas para não ter lido os textos pedidos para a classe de hoje.

Meu tempo para estudo e leitura é muito escasso devido ao meu trabalho. Ocorre o mesmo com quase todos os adultos que estudam e trabalham. Ocorre o mesmo com os jovens. Até com crianças ocorre, pois muitas trabalham ou cuidam de tudo em suas casas.

Eu estou bem decepcionado conosco: você e eu.

Com você, por não estar aproveitando a chance de só ter que estudar e fazer valer a oportunidade que seus pais estão lhe dando de estudar numa escola particular e cara.

Comigo, por não estar sabendo atuar como um pai que consegue fazer um filho carregar pelo menos alguns dos valores que acredita e pelos quais luta. Quando vejo a distância entre o que eu queria lhe passar e a realidade objetiva, me sinto um fracassado.

Você está se arrebentando fisicamente - olhos, tendões, coluna - passando o seu dia jogando porcarias eletrônicas no game boy, computador, celular etc. Foi um dos melhores alunos do Fundamental I e passou a estar entre os piores do Fundamental II. Será que eu deveria sentir pena ou compaixão quando seus amigos lhe excluem do grupo dos "inteligentes"? Você era um deles quando queria.

Eu grito muitas vezes, bato forte na mesa, mas não sou repressor. Se fosse, eu lhe castigaria, tiraria seus brinquedos e jogos etc. Você sabe que eu não faço isso. Talvez eu seja um banana. Isso pode ser um grave erro meu de pai. Muitos pais até dizem que é só batendo que as crianças aprendem. Eu não concordo com bater em crianças para educar.

Mas, muitas vezes me pergunto o que devo fazer para salvá-lo de si mesmo.

Talvez, também, meu erro seja querer lhe dar livre-arbítrio desde pequeno.

Não sei como vai ser o seu crescimento intelectual, nem se estarei amanhã por aí para ver em que você se transformou. Acredito que será uma pessoa e cidadão de bem.

Lugar de criança é na escola e dizem as leis atuais que criança só deve estudar e brincar.

Eu, sinceramente, acho que se a criança tem oportunidade de fazer isso e não faz uma parte - estudar -, ela deve mais é trabalhar ou fazer estágio em algo, ou devem lhe ser dada tarefas a cumprir e horários a respeitar.

Eu trabalhei pesado desde os doze anos e me virava para estudar. Meus pais também trabalharam desde criança e tiveram menos chance ainda de estudar e, mesmo assim, são infinitamente mais sábios que eu, que acumulei algum conhecimento, mas, sou um burro chucro em termos de sabedoria e na hora de fazer escolhas nas encruzilhadas da vida.

Pense filho. Pense. (acho que os jogos não lhe permitirão isso. É uma pena!)

Wmofox

2 comentários:

Anônimo disse...

William, tomei a liberdade de ler a carta que você fez ao seu filho, afinal é público. Muito forte , e ao término da leitura tive o desejo que seu filho já tivesse algum dia lido.
Certamente a sensação dele foi(ou será) diferente da minha.

Um grande abraço,
Rodrigo Pires

William Mendes disse...

Olá companheiro e amigo Rodrigo!

É uma carta de pais para filhos. Acredito que muitos pais e filhos vivem na contemporaneidade situações semelhantes.

Grande abraço e desejo momentos felizes entre você e seus filhos.

William