Refeição Cultural
O mundo enfrenta a maior pandemia deste início de século: o novo coronavírus (Covid-19). No século passado, a pandemia da Gripe Espanhola matou dezenas de milhões de pessoas. No século XIV, a Peste Negra também dizimou parte da população da Europa e demais regiões conhecidas do mundo. Giovanni Boccaccio escreveu o Decamerão durante a Peste. Ele foi um dos sobreviventes.
A pandemia mundial do novo coronavírus apresenta números gigantes, por se tratar de uma doença virótica em pleno século XXI - o novo milênio depois da referência de Cristo - período que acumula a ciência de séculos de avanços tecnológicos.
Nesses seis meses de doença, já são 8 milhões de contaminados no mundo, tendo morrido até o momento 436.406 pessoas. Destas vítimas, 43.959 são brasileiras e brasileiros. A curva de contágio está na ascendente no país da outra pandemia, a do bolsonarismo. (dados da John Hopkins University)
Na obra, sete moças e três rapazes decidem se afastar de Florença, castigada pela mortandade da Peste, e buscam um lugar idílico (locus amoenus) para se refugiarem, gozarem os prazeres da vida e narrarem novelas, contos, casos conhecidos, anedotas e coisas do gênero.
Eles propõem a si mesmos narrarem as estórias todos os dias na parte da tarde, sempre liderados por algum deles durante aquela jornada, o dia. Todo dia, dez narrativas são contadas. Ao final, serão cem novelas narradas pelos personagens, estórias que atravessaram séculos e chegaram até nós que, de novo, vivemos uma pandemia, uma quarentena mundial e uma mortandade sem previsão de fim. Estabeleci a mim mesmo a leitura de uma novela por dia.
Foi nesse cenário que decidi ler Decamerão e comecei a jornada no dia 2 de abril, durante a nossa quarentena e isolamento social para cumprir as orientações das autoridades de saúde. Como não há remédio nem vacina para o vírus Covid-19, que se espalha com rapidez, causando uma demanda massiva aos sistemas de saúde existentes, os sistemas sofrem um colapso e as pessoas morrem até sem atendimento. Enfim, nesta segunda-feira, 16 de junho, cheguei ao texto 75.
A Fortuna já me permitiu chegar até aqui. Espero que ela, que é uma das personagens mais importantes do romance de Boccaccio, me permita atravessar os próximos 25 dias para chegar ao final deste clássico da literatura mundial. Nas estórias, ela - a Sorte ou Fortuna - é sempre citada como a rainha dos acontecimentos, sem o consentimento dela, nada aconteceria aos humanos.
Em cada jornada (dia), as personagens definem um tema para nortear as estórias que serão contadas, sempre a partir da hora nona, três da tarde pelo nosso relógio moderno. Algumas jornadas foram bem animadas, outras nem tanto.
A jornada que terminei dias atrás, a Sétima Jornada, foi muito legal, tratou de mulheres que se saíram melhor nas disputas com os homens, em geral, seus maridos. Boccaccio usa de muita ironia para lidar com um mundo machista, sexista, hipócrita e dominado pelo poder corrupto da igreja.
Bom, seguimos firmes. Eu nunca tinha bolado um tipo de leitura assim, com disciplina espartana ou decamerônica (rsrs). Todos os dias, pego o livro e leio a novela do dia, esteja cansado, compromissado, alegre ou triste. Quando estou com sono, leio em pé, andando pela casa. E assim se foram 75 dias e 75 estórias.
Falta pouco agora.
William
Um leitor
Bibliografia:
BOCCACCIO, Giovanni. Decamerão. Imortais da Literatura Universal, Nova Cultural, São Paulo, 1996.
Post Scriptum: as outras postagens sobre o Decamerão estão aqui, em ordem cronológica inversa, da mais recente para a mais antiga.
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