terça-feira, 2 de junho de 2020

Lembranças - Capítulo 5



Um de meus quatorze saltos de paraquedas.

Os tempos são de reclusão e isolamento em casa por causa da pandemia mundial do novo coronavírus. A mortandade afeta a vida das pessoas no Brasil e no mundo: neste momento em que escrevo, temos 6,3 milhões de casos confirmados e 379.709 mortos pela Covid-19 no mundo, sendo 31.199 brasileiros (site da Johns Hopkins University). 

Nossa tragédia é ainda maior porque estamos vivendo sob um regime de ódio e intolerância, o país se desfaz desde o golpe de Estado em 2016. Estamos à beira de um novo golpe por parte do clã de inumanos que chegou ao poder graças à destruição da política promovida por parte dos donos dos meios de comunicação empresariais e bilionários da casa-grande e seus partidos e representantes para tirar do poder os líderes populares do Partido dos Trabalhadores - Lula e Dilma.

Aqueles que podem e que acatam as recomendações das autoridades de saúde do mundo civilizado estão em casa. É o nosso caso.

Ao longo de minha vida adulta, enquanto trabalhava e estudava as horas todas da vida de proletário, fui adquirindo livros, revistas, mídias diversas e gravando vídeos sobre cultura em geral, pois queria ser uma pessoa com conhecimentos diversos. 

A verdade é que ainda aos trinta anos eu não passava de um acumulador de coisas; a dificuldade de estudar o que tinha continuou sendo uma realidade. Aliás, ao me tornar dirigente da classe trabalhadora, aí é que o tempo mudou radicalmente e assumi uma jornada integral de lutas sindicais.

Ao olhar para trás, vejo que tudo que fiz foi às custas de quase não dormir de tanto me dedicar ao mandato de saúde na Cassi. Antes, foram anos de dedicação às atividades de coordenação de negociações do maior banco público do país e da área de formação da Contraf-CUT. Antes ainda, no trabalho dedicado na organização sindical do Sindicato onde fui diretor.

Cheguei até aqui com lacunas culturais insuperáveis; a vida é assim, a realidade se impõe e a gente faz o que tem que ser feito. Tenho a consciência que fiz o que era possível, e minha vida foi uma vida antes do movimento sindical e outra após entrar para o movimento com quase trinta anos de idade.

Algumas lembranças desta postagem são da fase de minha vida anterior ao movimento sindical, só a da visita ao Empire State é do período de sindicalista. Busquei na adrenalina uma forma de escape ao ódio, a uma provável depressão e às frustrações que senti durante muito tempo em minha vida. Citei só alguns eventos relevantes, porque a gente cansa de pensar nesses tempos duros que vivemos.

Estando em casa, revezo os afazeres domésticos com estudos e com o fuçar nas coisas acumuladas. Tenho centenas de fitas cassete e um aparelho que ainda funciona. A hora que quebrar, quebrou, porque não tem onde consertar. Foi assim que assisti a fita sobre o dia de meu primeiro salto de paraquedas no início dos anos dois mil. Fiz quatorze saltos na época e foi uma das coisas mais emocionantes que fiz na vida.

É isso! Depois que entrei para o movimento sindical, a adrenalina passou a ser a luta de classes. Tem adrenalina a mil para quem está à frente de uma das principais categorias profissionais do país, a dos bancários, que trabalham para os donos do mundo capitalista. Tem violência policial contra nós, tem assédio moral, tem muita doença profissional. É adrenalina na veia organizar trabalhadores e enfrentar o patronato e seus lacaios - os capitães do mato da burocracia e a repressão.

Respeito muito essa categoria e sua organização. Por duas décadas, ajudei a organizá-la.

No entanto, o texto hoje foi de relembrar adrenalinas de outra natureza.


Do céu, a gente curtia o Rio de Piracicaba (SP) quando voava.

NAS ALTURAS, NAS CAVERNAS, NA AÇÃO RADICAL, ADRENALINA PARA LIDAR COM A TRISTEZA E A RAIVA DAS INJUSTIÇAS DO MUNDO

ME LEMBRO que a vontade de saltar de paraquedas começou naquele dia em que vi na televisão um pessoal fazendo saltos de paraquedas e surfando no ar - Skysurf. Aquilo foi fascinante! O homem não satisfeito com andar, com saber nadar, inventa uma prancha de surfe; o homem não satisfeito em andar e nadar, inventa uma forma de voar, depois inventa uma forma de saltar e flutuar no ar; não satisfeito em andar, nadar, surfar, voar, saltar e flutuar no ar, o homem inventa uma maneira de surfar no ar... é demais. Estávamos nos anos noventa. Eu decidi que iria saltar de paraquedas. E olha que eu nunca havia voado! Um tempo depois o objetivo seria realizado. Numa manhã de sábado do ano dois mil, lá íamos nós, um grupo de amigos, para Piracicaba no interior de São Paulo, realizarmos o sonhado salto de paraquedas. Havia dois tipos de saltos: o salto acoplado a um profissional, tipo mais comum de experiência, e o salto sozinho para aqueles que se inscrevessem no curso de paraquedismo. Eu e o Sérgio decidimos fazer o curso e saltar sozinhos, sem estar acoplados aos instrutores, e nossos amigos fizeram o salto acoplados. Durante toda a manhã, ficamos em sala de aula aprendendo sobre os procedimentos técnicos do paraquedismo, a mochila e os equipamentos, altura de lançamento, abertura do paraquedas, verificação do velame e manuseio dos batoques para se certificar que o paraquedas não estava com nenhum problema de dirigibilidade, paraquedas de emergência, freios, altímetro, posição do vento, vento de cauda, vento de nariz, aproximação do local de pouso etc. Ao rever a gravação é sempre a mesma emoção, arrepio, lágrimas nos olhos e o sentimento de super-homem. Foram vários os momentos de adrenalina ao máximo: entrar no avião, levantar voo, a abertura da porta lá no céu, chegar até a porta, olhar lá para baixo, sair do avião e se pendurar na asa, receber o "ok" do instrutor e soltar as mãos... a queda... o vazio e o frio no estômago... a abertura do paraquedas... a sensação de estar vivo e salvo e voando... gritos no ar... os pássaros lá embaixo... o silêncio do céu e o som do vento no voo de descida... a chegada ao solo. A sensação incrível de que você realizou aquilo. Foi inesquecível saltar de paraquedas. Eu não fiz o curso inteiro porque os saltos eram caros (30 aulas), mas fiz 14 saltos e foi algo incrível na minha vida.

ME LEMBRO que o convite foi meio por acaso. Meu primo e alguns amigos iriam para Brotas, no interior de São Paulo, acampar e fazer rapel nas belas cachoeiras da região. Aceitei o convite e fui com eles. Foram dois dias incríveis! Na época não havia a estrutura que tem hoje na região, era tudo muito rústico nos anos noventa. A experiência mais radical foi logo a primeira cachoeira que descemos, a Cachoeira Saltão, com 75 metros de altura e no negativo, a pessoa fica totalmente dependurada. O frio na barriga ao entrar na água lá em cima e se preparar para a saída já sob a água é incrível. Quando me pendurei, minha mão ficou um pouco presa sob o peso da corda e levei uma bela esfolada. Mas isso não atrapalhou minha descida. Foram minutos de muita emoção. Durante a descida, aprendi com o colega que estava descendo em uma corda ao lado como se fazia para travar o mosquetão e fazer o crucifixo pendurado de cabeça para baixo: demais! No outro dia, depois de acampar e dormir, fizemos descidas na Cachoeira do Astor, com cerca de 30 metros. Mais uma vez, meu corpo e mente ganhavam novas experiências com adrenalina a mil.

ME LEMBRO da escuridão, do barulho da água em meio ao breu total, e do vento úmido da cachoeira lá no fundo da terra. O guia tinha pedido que apagássemos o fogo da lanterna de Carbureto. A sensação foi de medo e de pequeneza. A gente se sente um nada no meio daquilo. Bastavam as lanternas não voltarem a funcionar para termos dificuldade de voltar à superfície, pois não enxergávamos nada na frente do nariz. A caminhada até aquela cachoeira no fundo da terra tinha durado quase uma hora porque o trecho era muito radical, estreito, com locais onde a água gelada estava até o peito, momentos em que só passava no trecho o corpo da gente de perfil. A descida naquela caverna pouco frequentada foi uma das coisas mais irresponsáveis que fiz na minha vida. Acho que o guia era inclusive um amador, que nos propôs uma caverna fora do roteiro mais tradicional do Petar (Parque Estadual e Turístico do Alto Ribeira), a 300 km de São Paulo, indo para o Sul. Já havíamos visitado a famosa Caverna do Diabo, no dia anterior. Linda, grande, iluminada, com passarelas para turistas. Uma infinidade de estalactites e estalagmites, colunas magistrais, formações deslumbrantes. Mas aquela caverna radical, com uma hora pra ir e uma pra voltar no fundo da terra, com água até o peito, breu total e cachoeira no final foi uma coisa de louco. Felizmente deu tudo certo e posso dizer que fiz algo extremamente arriscado em termos de cavernas.

ME LEMBRO que aquele era o dia de ir embora de Nova York, era um sábado, se não me engano. Havia sido uma semana cheia de experiências com os movimentos sociais dos trabalhadores norte-americanos. Estivemos lá para contribuir com as experiências dos brasileiros na organização sindical. Participamos de várias atividades realizadas pelas organizações e movimentos sociais e o tempo para conhecer alguma coisa na cidade foi bem curto. Eu gostaria, ao menos, de visitar o Empire State Building, antes de voltar ao Brasil. Como sairíamos do hotel na hora do almoço, me arrisquei a sair bem cedo para a visita ao famoso prédio. Estava um frio absurdo, já havia nevado naquela semana. Fui à pé, porque era perto de onde eu estava. Chegando perto, comecei a admirar a imponência daquela construção. A decepção inicial foi descobrir que havia uma fila enorme para enfrentar antes de entrar. Eu não poderia desistir assim, tão cedo. Encarei a fila de olho no relógio. Tinha uns agentes ou guias nas calçadas vendendo bilhetes caríssimos para os endinheirados passarem na frente, entrando direto. Que merda de sistema... A hora avançava e não chegava minha vez de entrar no saguão. Mais uma decepção, dentro do saguão havia outra fila gigante. Quase desisti por causa da hora. Mas fiquei mais um pouco. Teria que fazer uma visita sem muito tempo lá em cima. Enfim, consegui subir até o mirante do edifício. O Empire State tem 381 metros de altura, que somados com a antena chegam a 443 metros, são 102 andares. Eu sou apaixonado por altura e valeu muito a pena ver a cidade de Nova York do alto do Empire State. Estava tão frio lá em cima que minhas mãos congelavam para tirar fotos e quase não conseguia apertar o clique da máquina fotográfica. A volta foi uma loucura por causa da hora. Perdi o horário do checkout no hotel, mas depois deu tudo certo e ficou na lembrança aquele passeio de última hora na Quinta Avenida da Ilha de Manhattan.

ME LEMBRO que no final dos anos oitenta e ainda nos anos noventa, eu ia quase todos os anos visitar meus familiares em Barra do Garças (MT), no Vale do Araguaia. Além de ter tios e primos morando lá, sempre gostei muito de regiões com montanhas e abundância em natureza. A cidade conta com um mirante no alto da Serra Azul (700 metros) que permite um olhar panorâmico da região, e lá no alto tem uma imagem do Cristo Redentor. Eu tinha o hábito de subir várias vezes ao "Cristo", enquanto estava na cidade. Era uma subida e tanto. A trilha era escorregadia porque era feita em meio às pedras e ainda hoje me pergunto se era mais difícil subir ou descer, porque ambos percursos pra cima e pra baixo são bem difíceis. Tenho lembranças de passar horas sozinho lá em cima olhando o vale, o rio Araguaia, ouvindo o silêncio da montanha e o som do vento. Chegava um burburinho de cidade ativa em algumas horas do dia. Fui pesquisar na internet e vi que hoje o local é um parque estadual, me pareceu que não se pode mais subir no mirante a hora que der vontade como eu fazia na minha juventude. Eu já sabia que o percurso havia ganhado uma escadaria, já até subi pelas escadas, mas que o acesso era difícil eu não sabia. São 1.200 degraus do pé da serra até o mirante. Enfim, tenho saudosas lembranças daquela serra, da cidade, do balneário de águas quentes, das temporadas de praia no Araguaia, da pastelaria do meu tio Léo, dos encontros em família, dos dias que passava afastado na "roça". Meus tios ainda vivem lá, minha prima se mudou e meus primos faleceram tragicamente jovens. Boas lembranças e saudades. Experimentei muita adrenalina lá também.


Durante um certo tempo em minha vida, o prazer e o escape dos problemas do mundo era acampar, viajar para algum lugar com montanhas, cachoeiras, praia, rio, caverna, mato.

Meu sonho era fazer alpinismo, escalar grandes montanhas; fazer bungee jumping, mergulho e outros esportes radicais. Mas sempre faltou tempo e dinheiro, pois toda atividade assim é muito cara. Fiz algumas coisas. Valeu a pena. Ficaram as lembranças.

William

Post Scriptum:

Capítulo 1, ler aqui.
Capítulo 2, ler aqui.
Capítulo 3, ler aqui.
Capítulo 4, ler aqui.

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