domingo, 24 de abril de 2011

Leituras políticas: artigo de FHC e dois artigos sobre a proibição do véu (burca) na França

Sobre o longo artigo de FHC dando a linha de como a oposição ao governo do PT deve se comportar, digo que ele é mais do mesmo em se tratando de FHC e PSDB. O artigo ficou famoso por dizer que a oposição deve abandonar a ideia de tentar conquistar os movimentos populares e o povão. O artigo tem quase 35 mil toques e oito páginas. CARA, LI PORQUE SOU TEIMOSO!

Deixo abaixo os dois artigos que li sobre a proibição antivéu na França. Um é favorável e o outro desfavorável. Eu sou contrário a essa lei discriminatória e xenófoba feita pelo governo de direita da França, de Sarkozy.

Favorável ao véu - LUIZA NAGIB ELUF é procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo. Foi secretária nacional dos Direitos da Cidadania no governo FHC e subprefeita da Lapa na gestão Serra/Kassab. É autora de "A Paixão no Banco dos Réus" e de "Matar ou Morrer - O Caso Euclides da Cunha", entre outros

Contrário à proibição ao véu - Gostei muito do artigo do ROBERTO LIVIANU, 42, doutor em direito pela USP,  promotor de Justiça e presidente do Movimento do Ministério Público Democrático

Fonte: FSP de 23/4/2011
Seção: Tendências / Debates


A lei antivéu na França fere o Estado laico?



SIM


O véu da intolerância

ROBERTO LIVIANU


Há duas semanas, os franceses vivem sob a batuta de uma lei que trouxe a toda humanidade mais intolerância, segregação e subcidadania. A lei antivéu, que proíbe muçulmanas de cobrir o rosto nas ruas, nasceu impregnada de xenofobia e caráter discriminatório, em movimento estatal não isolado.

Por isso, a França tem sido palco nos últimos anos de uma série de atos e manifestações intensas de repúdio a posturas estatais antiestrangeiros. E o que causa maior perplexidade é a justificativa que adota o governo francês, no sentido de que a medida vem em defesa do caráter laico do Estado. Cogita-se agora ir além: proibir muçulmanos de orar em espaços públicos.

Durante muito tempo, Estado e Igreja foram quase como gêmeos siameses, quando, no século 16, por ocasião da Reforma protestante, Martinho Lutero apontou corajosamente os malefícios sociais advindos da adoção do Direito canônico como instrumento regulador da sociedade e enfatizou a necessidade de se ter leis laicas, racionais e mutáveis, pregando o não ao dogma -verdade histórica absoluta, imutável e inquestionável.

A reflexão proposta por Lutero foi de extrema importância para a construção do conceito moderno de cidadania. Na França, em especial, há 222 anos foram banidos de prédios públicos os símbolos religiosos e se extinguiu o ensino religioso em escolas.

Abominar o véu que as mulheres islamitas usam para cobrir o rosto é desconsiderar que a indumentária das pessoas se relaciona às suas matrizes culturais e históricas. Será que, se um grupo de francesas protestantes mais fervorosamente puras quisessem cobrir os rostos com véus, apenas por isso seriam abordadas pela polícia?

Viola-se, em nome da laicidade do Estado, da transparência e da segurança dos cidadãos, o direito à soberania cultural dos povos, o direito à personalidade e o próprio direito à liberdade de expressão, já que o trajar é uma verdadeira forma de expressão.

Desrespeitar estrangeiros parece ter virado algo tolerável. É ilustrativa, neste sentido, uma cena do filme "O Plano Perfeito", de Spike Lee, em que um estrangeiro -que, na verdade, era apenas uma das vítimas do assalto ao banco- tem seu turbante arrancado em público, à força, e puxadas com violência as tranças de seu cabelo de forma humilhante, indigna e constrangedora, logo sendo colocado por sua condição de estrangeiro no patamar de suspeito.

No fundo, não há defesa alguma do caráter laico do Estado, que não passa de mero pretexto jurídico-político para agredir e desrespeitar pessoas adeptas de uma determinada religião, ferindo de morte a liberdade de credo.

Ou alguém já ouviu falar de lei proibindo os sacerdotes da igreja católica e de outros credos de usarem suas largas batinas em espaços públicos em prol da segurança pública, em função do risco de ocultarem armamentos?

Não podemos nos esquecer jamais de que as ideias do Iluminismo francês determinaram profunda revisão de conceitos universais, substituindo-se o eixo central de preocupação da civilização, que era Estado/igreja e passou a ser a dignidade humana. E de que, nas democracias modernas, os governantes são escolhidos pela maioria, mas devem governar para todos, inclusive para as minorias.

Em tempos de celebração da Páscoa cristã e do Pessach judeu, espera-se que a forte simbologia humanista dessas festas possa reacender a trilogia libertária francesa de 1789 -liberdade, igualdade e fraternidade-, assim como a relembrança sobre as deliberações da conferência da Unesco (Paris, 1995) que institui o Dia Internacional da Tolerância.

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ROBERTO LIVIANU, 42, doutor em direito pela USP, é promotor de Justiça e presidente do Movimento do Ministério Público Democrático.



A lei antivéu na França fere o Estado laico?



NÃO


Ninguém pode gostar da burca ou do niqab

LUIZA NAGIB ELUF


É evidente que não se pode fazer qualquer barbaridade em nome da religião. Já tivemos casos, no Brasil, em que seguidores de determinadas crenças, em seus rituais macabros, sacrificaram crianças.

Os autores dessas atrocidades não escaparam da aplicação da lei penal alegando direito de manifestação religiosa. O Brasil, assim como a França, é um Estado laico, ou seja, permite que todas as religiões se expressem e, ao mesmo tempo, não abraça nenhuma delas como crença oficial.

É claro que o exemplo citado é aberrante, mas é justamente por isso que o escolhi: torna claro que a liberdade religiosa só vai até onde começam os direitos da cidadania, bem como as leis estabelecidas para vigorar em determinado território. Não existe direito absoluto.

A proibição do uso da burca e do niqab, na França, é correta e não fere o princípio do Estado laico. Primeiro, porque, conforme as leis francesas, a humilhação ou a escravização da mulher não é permitida.

Segundo, porque o Alcorão não determina o uso do véu. O que é dito no livro sagrado do islã é uma recomendação para que os fiéis se vistam modestamente, nada além.

Portanto, a cobertura total e completa do corpo da mulher (e só da mulher, os homens podem se vestir sem as mesmas restrições) resulta de imposição cultural, e não exatamente religiosa. Tanto que nem todas as muçulmanas usam o véu integral e nem por isso deixam de praticar suas crenças.

Em terceiro lugar, é preciso lembrar que as regras mais elementares de segurança pública recomendam que as pessoas não cubram suas faces e não se ponham mascaradas ao frequentar espaços de uso comum. Parte da comunidade muçulmana na França sentiu-se cerceada pela proibição do véu integral, mas a reação não foi unânime.

O imã Taj Hargey, da Congregação Islâmica de Oxford, na Inglaterra, em entrevista à imprensa, declarou que muitos pensadores islâmicos ao redor do mundo deram boas-vindas às determinações restritivas ao véu na França, pois a mencionada indumentária é atentatória aos direitos femininos.

Por outro lado, quando algumas mulheres árabes se posicionam publicamente a favor da burca ou do niqab (os dois tipos de véu que cobrem o rosto, bem como todo o corpo e até as mãos), essas declarações demonstram a total falta de percepção da realidade e de sua própria condição. São pessoas que foram condicionadas a esse uso durante toda a existência e começaram a acreditar que são felizes assim.

No entanto, é óbvio que permanecer sufocada dentro de uma vestimenta, perdendo a própria identidade, anulando-se enquanto ser humano, submetendo-se totalmente ao poder do homem e aceitando a desigualdade como uma situação bem-vinda demonstra que essas mulheres foram destruídas no âmago do seu ser e assumiram a "servidão voluntária". Ninguém pode gostar da burca ou do niqab.

As sociedades ocidentais passaram por séculos de debates sobre os direitos da cidadania, o combate ao poder absolutista e, mais recentemente, sobre a conscientização dos oprimidos, explicada por Marx.

Toda a história da esquerda política trata da tomada de consciência das dominações toleradas e aceitas e do combate para libertar suas vítimas. A religião, de fato, é um fundamento para a dominação difícil de ser superado, porque se trata de discutir com Deus. Por essa razão, o governo francês precisou intervir para estender a cidadania feminina a toda a população.

A reação às medidas tomadas deve ser favorável, e não de indignação. É de se lembrar o ditado: "Em Roma, faça como os romanos".

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LUIZA NAGIB ELUF é procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo. Foi secretária nacional dos Direitos da Cidadania no governo FHC e subprefeita da Lapa na gestão Serra/Kassab. É autora de "A Paixão no Banco dos Réus" e de "Matar ou Morrer - O Caso Euclides da Cunha", entre outros.

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