terça-feira, 4 de agosto de 2020
Eichmann e a expulsão dos indesejados
"Isso é particularmente verdadeiro a propósito do turvo perfil geral e da ideologia de Eichmann diante da 'questão judaica'. Durante o interrogatório, ele contou ao juiz presidente que em Viena 'considerava os judeus como oponentes para os quais era preciso encontrar uma solução mutuamente justa, mutuamente aceitável [...] Essa solução, eu imaginei, seria colocar solo firme debaixo de seus pés, de forma que tivessem um lugar próprio, um solo próprio'." (ARENDT, 2019, p. 69)
Refeição Cultural
Ler o relato de Hannah Arendt sobre o julgamento de Adolf Eichmann é um exercício difícil, porém necessário em tempos de exceção e de bolsonarismo em nosso mundo. Os tempos são de banalidade do mal. Registrar as coisas é preciso, já que viver não é preciso, como já dizia o poeta. Mas já que estamos vivos, a gente sente necessidade de registrar as coisas, nem que seja para cinco ou dez pessoas que talvez leiam isso.
Li o capítulo quatro do livro Eichmann em Jerusalém - Um relato sobre a banalidade do mal -, com o título "A primeira solução: expulsão". A leitura desse texto me trouxe muito conhecimento novo e isso é bom: estou com 51 anos e caso siga vivendo muito tempo ainda, poderei aprender muita coisa nova. Após dedicar um tempo pequeno para ler algumas páginas, já sei um pouco mais sobre judaísmo, sionismo, semitismo e antissemitismo. Evidente que após a leitura, pesquisei um pouco mais para melhorar meu entendimento a respeito dos conceitos.
O capítulo fala da relação do nazista Eichmann com alguns segmentos de judeus durante o regime do 3º Reich. Como ele foi destacado para conhecer um pouco mais sobre os judeus, ele passou a ter certa simpatia pelas associações e entidades sionistas. Ao menos para mim, o capítulo trouxe muita informação que me fez pensar sobre nossa condição humana. Difícil! Mas não vou encher linhas de divagações. Já pensei a respeito da leitura nesta manhã de terça-feira do mundo sob a pandemia de Covid-19 e sob a dominação do mal, representado pelos poderosos que mandam no Brasil neste momento pós-golpe de Estado.
Os nazistas queriam expulsar os judeus de suas terras. Depois passaram a não querer mais a existência dos judeus no mundo. Pelo que a história nos relata (ou pelo que podemos depreender através dela), os nazistas não queriam a existência de ninguém que não fosse apoiador deles. A sociedade humana, as pessoas em geral, acharam que pensamentos assim não voltariam a ter hegemonia após os milhões de mortos nas grandes guerras e nos fornos dos campos de concentração. Pois é... "e agora, José?", como já dizia também meu poeta favorito.
Durante os governos do Partido dos Trabalhadores em nosso país, os avanços para a classe trabalhadora e para a população carente foram feitos através da política, através de processos de paz e tolerância. A distribuição de riqueza, a criação de oportunidades para pobres, em sua maioria pretos e pardos, e a ampliação dos direitos sociais e civis foram feitas com democracia, com voto e respeito à lei.
Os governos de Lula e Dilma foram lidando com o ódio de classe da burguesia nacional através do diálogo social, através de discussões tripartites - governo, empresários, trabalhadores. E o povo foi feliz. E os ricos não deixaram de ganhar. Mas o povo ascendeu e todos ganharam.
Expulsão dos indesejados: preconceito e intolerância
Mas aquela gente nos aeroportos... mas aquela gente frequentando restaurantes e hotéis em paraísos de férias... mas aquela gente tomando vaga de filho de rico em universidades públicas... mas aquela gente preta em espaços de brancos... mas aquela gente fazendo rolezinho em shopping center... mas aquela gente não querendo trabalhar por um prato de comida e sem limite de horário... mas esse partido e essa gente querendo distribuir renda para os pobres... (todo esse preconceito viria a se consolidar sob a desculpa cínica: "mas o PT...")
Esse capítulo sobre a questão judaica na Alemanha nazista me fez pensar na questão dos nossos indesejados em relação à burguesia tupiniquim - violenta, ignorante e fascista -, como apontou a filósofa Marilena Chauí muito tempo atrás. E não é que as pesquisas de opinião apontam que boa parte do apoio ao mal sob a forma do bolsonarismo vem justamente dessa burguesia tupiniquim que se acha classe média?
Ao ler a citação que coloquei no início, é difícil não lembrar dos apresentadores de TV e ideólogos engomadinhos, representantes da casa grande brasileira, questionando se era correto aquela "rapaziada" da periferia, os pretos e pretas pobres, invadirem os shoppings com seus rolezinhos. Alguns eram mais diretos e afirmavam que se deveriam fazer locais adequados para eles. Talvez a ideia dos representantes da burguesia nacional fosse criar um "lugar próprio, um solo próprio", como disse Eichmann, para essa gente da periferia brasileira, para não "incomodar" os espaços dos brancos com dinheiro.
Chega por hoje.
William
Bibliografia:
ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém - Um relato sobre a banalidade do mal. Companhia das Letras, São Paulo, 2019.
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William Mendes
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