domingo, 2 de agosto de 2020

Reflexões ao ler sobre Eichmann (Arendt)



"Trata-se de um caso exemplar de má-fé, de autoengano misturado a ultrajante burrice? Ou é simplesmente o caso do criminoso que nunca se arrepende (Dostoiévski conta em seu diário que na Sibéria, em meio a multidões de assassinos, estupradores e ladrões, nunca encontrou um único homem que admitisse ter agido mal), que não pode se permitir olhar de frente a realidade porque seu crime passou a fazer parte dele mesmo? No entanto, o caso de Eichmann é diferente do criminoso comum, que só pode se proteger com eficácia da realidade do mundo não criminoso dentro dos estreitos limites de sua gangue. Bastava a Eichmann relembrar o seu passado para se sentir seguro de não estar se enganando, pois ele e o mundo em que viveu marcharam um dia em perfeita harmonia (...) Mas a prática do autoengano tinha se tornado tão comum, quase um pré-requisito moral para a sobrevivência..." (ARENDT, 1999, p. 64-65)

Refeição Cultural

O domingo está ensolarado neste início de agosto. Acabei a leitura do terceiro capítulo do livro de Hannah Arendt sobre o julgamento de Adolf Eichmann. A leitura é difícil, me causa mal-estar. A gente fica riscando o livro, fazendo observações. A gente fica pensando o presente... o mal instalado nos poderes do país e apoiado por parcela significativa do povo. Perplexidade.

A gente fica com vontade de escrever alguma coisa. Mesmo sendo pra nada. Mas Eichmann é real. Não é ficção. Não é fake news. Hitler foi real. O Nazismo não é fake news, é história. A 2ª Guerra aconteceu de verdade. O assassinato em massa de seres humanos aconteceu ao longo do nazismo. Seres humanos foram tratados como coisas, como sub-humanos. Isso é real, isso é história.

Da mesma forma que são reais Hitler, o Nazismo e Eichmann, são reais as calamidades que se passam neste momento no Brasil. Não é ficção o que estão fazendo com o povo brasileiro neste exato momento de pandemia de Covid-19 no país tomado por sujeitos que representam o mal. A destruição dos direitos sociais é real, foi executada após derrubarem o governo do Partido dos Trabalhadores por golpe de Estado. Destruíram direitos trabalhistas, previdenciários, de saúde, educação.

As políticas de Estado que estão em andamento estão causando a morte de povos indígenas, estão causando a destruição da Amazônia e demais biomas nacionais. As políticas deliberadas pelos sujeitos no poder, que representam o mal contra o povo, estão causando fome, desemprego, medo, ódio, desilusão, apatia, morte da cidadania. As ações ou inações do que chamam de "governo" do país depois do golpe estão destruindo décadas de avanços históricos do povo brasileiro.

Não vou me alongar nessa divagação. O bolsonarismo vem a minha mente o tempo todo ao ler o relato de Arendt sobre o processo de Eichmann. A frase que citei acima me parece muito real nos dias de hoje. Existe um bolsão (uma bolha) onde estão os bolsonaristas, eles se retroalimentam ali dentro, com clichês (coisas torpes do tipo "mas o PT..."), com desculpas e artimanhas as mais variadas, e com isso seguem apoiando o atual estado de calamidade e de barbaridades perpetradas pelo governo, ações e inações que estão levando o povo à morte e o país à destruição irrecuperável. Nosso familiar, amigo, vizinho bolsonarista faz parte de tudo isso que está acontecendo no Brasil.

É isso. A realidade está aí, e a realidade só muda com ações feitas no sentido de mudá-la. Temos que mudar a realidade. Eu tenho responsabilidade porque estou aqui e estou vivo. Mas cada um dos duzentos milhões de brasileiros e brasileiras tem responsabilidade também. Se não nos unirmos através daquilo que nos aproxima como, por exemplo, o "Fora Bolsonaro", e uma bandeira política, econômica e social como, por exemplo, "a distribuição de renda para os 200 milhões de brasileiros", seguiremos assistindo à destruição e morte que impera neste momento trágico em nosso país.

William

Bibliografia:

ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém - Um relato sobre a banalidade do mal. Companhia das Letras, São Paulo, 2019.

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