sábado, 1 de agosto de 2020

Eichmann e a banalidade do mal hoje





"De toda forma, não entrou para o Partido por convicção nem jamais se deixou convencer por ele - sempre que lhe pediam para dar suas razões, repetia os mesmos clichês envergonhados sobre o Tratado de Versalhes e o desemprego; antes, conforme declarou no tribunal, 'foi como ser engolido pelo Partido contra todas as expectativas e sem decisão prévia. Aconteceu muito depressa e repentinamente' (...). Kaltenbrunner disse para ele: Por que não se filia à SS? E ele respondeu: Por que não? Foi assim que aconteceu, e isso parecia ser tudo" (ARENDT, 2019, p. 45)


Refeição Cultural

Estou apenas no início do livro de Hannah Arendt sobre o julgamento de Adolf Eichmann nos anos sessenta. Ao acompanhar o processo durante um certo tempo, a filósofa teceu ou aperfeiçoou sua teoria sobre a banalidade do mal.

Eu confesso que a leitura me incomoda. Meu coração palpita. Percebo que meu corpo fica tenso. Refletindo a respeito, diria que é porque vejo na descrição de Arendt sobre aquele homem a descrição de parte das pessoas "comuns" que aderiram ao bolsonarismo. 

A autora descreve aquele cidadão alemão nazista como alguém que não se destacou em sua vida social entre seu nascimento em 1906 e 1933, quando Hitler ascendeu ao poder. Eichmann teve problemas na escola primária e secundária; precisou de ajuda dos outros para conseguir empregos medianos; mentia nos currículos para conseguir alguma ocupação. Mentiu até aos chefes nazistas para galgar funções. (alguém já viu isso nos cargos de ministros do atual governo?)

Amigos leitores, até me enche os olhos d'água de tristeza perceber a semelhança entre as características daquele cidadão alemão e a descrição de parte do bolsonarismo, que se divide em linhas gerais entre gente canalha mesmo (acho que a menor parte, gente que se entende da elite ou "classe média"), gente ignorante e fanatizada, e gente embalista, que apenas vai junto na onda porque era preconceituosa, porque era gente ressentida, cheia de raiva e medo, sentimentos manipulados pelos meios de comunicação à exaustão para derrubar o governo do Partido dos Trabalhadores. 

Eichmann traz um pouco daquilo que faz as pessoas serem bolsonaristas. Gente que carrega maldade em si e ou que não havia se destacado em nada, que nunca engoliu o fato de ter que se comportar corretamente em termos sociais, não destilando seu ódio e preconceito contra outros grupos. Gente que pratica desonestidade diariamente - carteirada, pequenos roubos por achar graça ou por aventura (talheres em restaurante chique, souvenir exposto ao público), passar a perna nos outros, oferecer propina a autoridades, trair as pessoas e demais coisas antiéticas do tipo. Gente que escondia isso porque isso era politicamente incorreto.

Essa gente meio Eichmann me parece ser a gente que aderiu ao espectro social que estudiosos chamam de bolsonarismo. Isso é terrível: é a banalidade do mal. O bolsonarismo parece ser no momento algo como um quarto ou um terço do povo em nosso país. Enfim, pode ser que a história os condene, como vimos acontecer com parte dos nazistas. Muitos se safaram, é verdade. Cada um que escolha de que lado da história estará, e faça sua aposta no presente e no amanhã. Quer ser bolsonarista, assuma as consequências!

Pavoroso. Mas temos que enfrentar a banalidade do mal em nosso cotidiano. A realidade está aí. As coisas são como são e temos que mudar essa realidade do bolsonarismo e do mal no Brasil. Temos que virar essa página de nossa história. E retomar o país para o povo, com um projeto de distribuição de renda e oportunidades para todos.

William


Bibliografia:

ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém - Um relato sobre a banalidade do mal. Companhia das Letras, São Paulo, 2019.

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