Dias tristes
Soube da morte de um grande companheiro de lutas da classe trabalhadora logo depois do meio-dia do domingo. Ele não resistiu à infecção pelo novo coronavírus (Covid-19). A notícia foi arrasadora. Ele se perguntava até quando seguiria aquela rotina de morte, rotina causada pelo regime político que estava no poder após o golpe de Estado que o país havia sofrido alguns anos antes.
Pela manhã, havia saído para buscar pães na padaria próxima de casa. Encontrou o Henrique, rapaz que pede ajuda no farol. Deu uma ajuda pra ele, entre cumprimentos de feliz Ano Novo. Ao sair da padaria, outra pessoa pediu uma ajuda, disse que não queria dinheiro, queria leite para os filhos. Ao pagar o leite na padaria a moça do caixa lhe disse que aquele pedinte era assim mesmo, sempre pedia leite para os filhos. Já em casa, soube da melhora de um conhecido com Covid-19, ele havia voltado a sentir o cheiro das coisas. Estava na fase final da recuperação dos sintomas.
A notícia da morte de mais uma pessoa tão querida e que dedicou toda a vida à luta da classe trabalhadora o deixou abobado, deprimido, com o peito apertado, o coração esquisito. Levantou-se, trocou de roupa, colocou sua máscara contra Covid-19, disfarçou a dor e saiu para andar, correr, se arrastar por aí, gastar tempo nas ruas de seu bairro. Começou a correr lentamente e assim foi por meia hora. Passou na frente do portão da Cidade de Deus, do Bradesco, e parou na praça em frente à Prefeitura de Osasco. Ali ficou pensando sobre a vida, as lutas, o golpe de Estado, o processo fraudulento que colocou no poder aquele ser abjeto; pensou e sentiu a morte do companheiro, as mortes de tanta gente querida e que poderia estar viva.
Muitas lembranças vieram em suas memórias. Foi olhando para trás e tentando compreender o porquê de tanto retrocesso, perdas e mortes. Será que havia uma ação específica ou um momento decisivo no tempo e na história do Brasil que pudesse ser definido como o início de toda a tragédia que o país e o povo enfrentavam? Dias marcados na história política do Brasil como dias tristes, de grande tristeza para o país e o povo?
Pensando a respeito da tristeza na qual o Brasil estava mergulhado, o que pôde avaliar é que não havia somente um ponto específico, um divisor de águas, um único começo do fim no período de avanços populares que vinham se desenvolvendo para o povo brasileiro desde a eleição do maior líder popular da história recente do país, Luiz Inácio Lula da Silva. Talvez alguns momentos pudessem ser apontados como marcos negativos da história, pontos de ruptura, dias tristes.
O dia 17 de abril de 2016, um domingo, poderia ser considerado um desses dias tristes, desses que afetariam a nossa história para sempre. Naquele domingo, em Brasília, uma camarilha de corruptos e corruptores votava na Câmara dos Deputados a abertura do processo de impeachment de uma presidenta honesta, combatente de toda uma vida pela democracia, pelo Brasil e pelo povo brasileiro. Naquela sessão do Congresso, um dos deputados teve a ousadia de cometer o crime de exaltar o torturador de Dilma Rousseff. Ele não saiu preso. Já a mulher presidenta, foi afastada sem cometer crime algum.
O dia 31 de agosto de 2016, uma quarta-feira, seria o complemento do golpe contra o povo e contra o país, e o Senado cassaria o mandato da presidenta Dilma Rousseff, eleita em processo legítimo e democrático por 54,5 milhões de votos. Aquela alcateia de animais fétidos instalada no Congresso entregaria o comando do país a um traidor da pátria e um dos organizadores do golpe. Aquele dia marcava o início do fim dos direitos trabalhistas e previdenciários do povo brasileiro. Que dia triste!
O dia 7 de abril de 2018, um sábado, mancharia a história do Brasil com a prisão do ex-presidente Lula, condenação e prisão encomendadas para tirá-lo do processo eleitoral daquele ano, uma prisão sem crime, sem provas, apenas por convicção dos "juízes" e por fatos indeterminados. Que dia triste! Que dias tristes viveram os brasileiros que não compactuavam com toda aquela armação e golpe. Lula ficaria preso naquela masmorra em Curitiba por 580 dias. Quando saiu, o país já se desfazia sob o comando do exaltador de torturador e defensor da morte e da destruição de tudo. Que dias tristes!
Talvez o dia mais triste da história do Brasil, quiçá um dos dias mais tristes da história da humanidade, tenha sido o dia 28 de outubro de 2018, um domingo de triste lembrança. Naquele dia, o povo brasileiro escolhia o atual líder neofascista; o povo cometia suicídio coletivo; o povo brasileiro escolhia a morte e a destruição de tudo, com os corações cheios de mágoas, ódios e medos alimentados por anos a fio através de mentiras construídas pela grande mídia empresarial e alguns segmentos de influenciadores, incluindo fanáticos de determinada linha de igrejas-empresas.
Que dias tristes tivemos desde aquele fatídico dia 28 de outubro de 2018. As quase 200 mil mortes pela pandemia mundial de Covid-19 são consequência daquele dia. Se houvesse compromisso do governo do país com o enfrentamento da pandemia, as consequências oriundas do vírus seriam muito diferentes. A destruição nunca vista dos biomas brasileiros como a Amazônia, o Pantanal, as matas e mangues da costa brasileira é consequência daquele dia triste. Os retrocessos incalculáveis na educação, saúde, cultura, emprego e demais direitos sociais, civis e políticos, nos direitos humanos, enfim, os retrocessos em tudo são consequências daquele dia triste.
Nada seria como antes.
Fim
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