quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Tempo (XXII)



Refeição Cultural

Faltam poucos dias para o prazo final da entrega de um trabalho de conclusão de disciplina de meu curso de Letras. O tema que estamos estudando é sobre as diversas configurações do tempo nas formas narrativas e poéticas.

Os autores e obras que estudamos e os textos críticos que lemos, juntamente com as aulas da professora Viviana Bosi, nos fizeram pensar muito. Posso dizer por mim, que estou há meses com a cabeça nesta questão do tempo.

Acabei escolhendo para desenvolver meu trabalho um autor que não compôs o corpus estudado, escolhi Drummond. Já fiz parte do trabalho desde dezembro. Mas para retomar e concluir é necessário entrar novamente na matéria, no tema, de modo que terei que ler ou tudo ou parte dos textos críticos. É o jeito.

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MITO DO ETERNO RETORNO - Mircea Eliade

Já reli a introdução e o capítulo do livro disponibilizado para nós. O capítulo 2 - "A regeneração do tempo". O texto é muito interessante.

O autor analisa sociedades tradicionais, dos mais diversos pontos da Terra e em diversos momentos da história, em relação à forma como elas contam o tempo, como lidam com a passagem do tempo em relação aos fenômenos naturais como as estações do ano, épocas de cheias e de secas, o dia e a noite, o movimento da Terra e da Lua etc.

Ao longo da história humana, as sociedades criaram diversas formas de ritos e crenças em relação à passagem do tempo. Essas visões de mundo impactaram de formas variadas a forma como se vê a história e a vida, o passado, o presente e o futuro.

O poema que escolhi de Drummond - "Passagem da Noite" - é muito interessante porque através de sua leitura é possível ver um pouco dessa questão da regeneração abordada por Eliade sobre as sociedades e crenças das pessoas. 

Na primeira metade do poema é noite e o Eu lírico está pusilânime e com total desânimo em relação a tudo. Na segunda metade é dia e tudo se inverte, os sentimentos são de alegria, gozo, senso de oportunidades e a vida é reafirmada como algo que vale a pena.

Essa é a referência que mais identifico no poema em relação ao texto de Eliade.

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HISTÓRIA DO FUTURO - George Minois

Reli a introdução do livro. O autor nos apresenta a ideia central de suas argumentações. Se o futuro não pode ser previsto - ele contesta o determinismo -, o que as sociedades humanas fazem é inventar o futuro até onde isso é possível, inclusive com as predições. Mas o acaso e os fenômenos da natureza estão aí, inclusive em relação à vida humana, para nos lembrar da realidade objetiva.

O capítulo disponibilizado para leitura é da primeira parte do livro, "A era dos oráculos - A adivinhação primitiva, bíblica e greco-romana a serviço do destino individual e da política". O nome desta parte do livro já diz tudo que vamos estudar. Vamos à leitura:

ANTIGO TESTAMENTO: "o verdadeiro objetivo da profecia bíblica não é predizer o futuro, mas conseguir a conversão; ela é uma arma moral, não um meio de adivinhação." (p. 30)

MESSIANISMO: "De todo modo, eles são sempre úteis para as autoridades, desde que estas saibam monopolizá-los e domesticá-los. Foi o que trataram de fazer a monarquia e, em seguida, a casta sacerdotal, porque, se um profeta livre pode ser perigoso, um profeta de aluguel, que prediz o que é desejável, pode servir aos objetivos dos governantes, orientando a energia popular no sentido desejado." (p. 37)

No final do capítulo, Minois acaba citando a obra de Eliade, sobre a questão do mito do eterno retorno. A vida, nesta concepção, seria uma eterna repetição. Conhecer o passado seria prever o presente e o futuro.

E mais: "A essa concepção sobrepõe-se a do retorno periódico da humanidade, na escala de ciclos gigantescos de criação, corrupção, cataclismo, restauração." (p. 42)

Minois afirma ser uma concepção bastante determinista, sem saída alguma: "Concepção fatalista, que não é nem otimista nem pessimista, já que nada é definitivo, nem a catástrofe, nem a restauração. Os pré-socráticos, como Empédocles, Heráclito, Anaximandro, e os primeiros estoicos, como Zenão, adotaram essa visão grandiosa, vertiginosa e, apesar de tudo, como tudo que diz respeito à eternidade, desesperadora." (p. 43)

DETERMINISMO - Outra questão que Minois pontua é a do determinismo. Com os profetas, se substitui o determinismo mecânico das leis da natureza pelo determinismo divino. 

"O determinismo da vontade divina substitui o determinismo cósmico. A noção de profeta está ligada à de sentido determinado, de orientação, de finalidade, de inteligibilidade do real. A profecia é na verdade tanto uma tentativa de explicação do presente pelo futuro quanto uma revelação do futuro." (p. 43)

Nos profetas do judaísmo é o futuro que determina o presente, por causa das promessas de salvação anunciadas...

As predições teriam forte caráter psicológico e sociológico para as pessoas e para as sociedades tradicionais. O futuro estaria inexoravelmente ligado à vontade de seres superiores, divindades e espíritos.

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A IGNORÂNCIA É A FORÇA DO SISTEMA DE CRENÇAS: "A falta de conhecimentos científicos, no sentido moderno do termo, é a força desse sistema: já que não depende de uma verdade demonstrável, ele é inatacável. Quanto menos o homem sabe, mais acredita saber, o fato é notório; não há nada mais simples do que o universo para um ignorante; não há nada mais complexo e misterioso para um sábio." (p. 45)

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Por fim, o texto de Minois é muito bom, mas não vejo referências nele para serem utilizadas no poema "Passagem da Noite", que estou analisando para o trabalho final da disciplina Literatura Comparada II.

Vou seguir com as releituras dos textos críticos.

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FUTURO PASSADO - REINHART KOSELLECK

Terceiro texto crítico em leitura. Vejamos o que Koselleck nos explica a respeito de prognóstico e profecia, suas diferenças e usos ao longo da história das sociedades. 

Ele nos diz que: "Como conceito antagônico às antigas profecias aparece a previsão racional, o prognóstico." (p. 31) 

"Enquanto a profecia ultrapassa o horizonte da experiência calculável, o prognóstico, por sua vez, está associado à situação política. Essa associação se deu de forma tão íntima, que fazer um prognóstico já significa alterar uma determinada situação. O prognóstico é um momento consciente de ação política. Ele está relacionado a eventos cujo ineditismo ele próprio libera. O tempo passa a derivar, então, do próprio prognóstico, de uma maneira continuada e imprevisivelmente previsível." (p. 32)

O prognóstico constrói seu próprio tempo, a profecia apocalíptica destrói o tempo.

"O prognóstico produz o tempo que o engendra e em direção ao qual ele se projeta, ao passo que a profecia apocalíptica destrói o tempo, de cujo fim ela se alimenta. Os eventos, vistos da perspectiva da profecia, são apenas símbolos daquilo que já é conhecido. Se os vaticínios de um profeta não foram cumpridos, isso não significa que ele tenha se enganado. Por seu caráter variável, as profecias podem ser prolongadas a qualquer momento. Mais ainda: a cada previsão falhada, aumenta a certeza de sua realização vindoura. Um prognóstico falho, por outro lado, não pode ser repetido nem mesmo como erro, pois permanece preso a seus pressupostos iniciais." (p. 32)

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Como é possível que acreditemos nessas invenções humanas?! Que absurdo isso! E eu me lembro de passar a metade da minha vida acreditando em tudo tudo quanto é invenção narrativa dessas.

E hoje, século XXI, com séculos de ciência acumulada, as pessoas ao meu redor e os povos do mundo continuam pensando exatamente como as sociedades arcaicas e tradicionais que Eliade estudou e descreveu no Mito do eterno retorno

Qual a diferença dos bolsonaristas terraplanistas e negacionistas em relação aos sumérios, caldeus, hititas, e vou mais longe, aos homens de 50 mil anos antes? Pra que valeu toda a ciência conhecida hoje para essa gente que habita ao nosso redor?

Que merda tudo isso!

William


Bibliografia:

MINOIS, G. História do futuro. Dos profetas à prospectiva. Trad. Mariana Echalar. São Paulo: Unesp, 2015.

KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado. Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto PUC Rio, 2006.

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