sábado, 6 de novembro de 2010

FLC0383 - Literatura Portuguesa IV - A jangada de pedra

Muito interessante este trecho da obra onde o narrador nos fala da dificuldade em descrever a simultaneidade temporal de acontecimentos vários em relação a narração ou escrita.


A JANGADA DE PEDRA – JOSÉ SARAMAGO


A QUESTÃO DA METALINGUAGEM

“Dificílimo acto é o de escrever, responsabilidade das maiores, basta pensar no extenuante trabalho que será dispor por ordem temporal os acontecimentos, primeiro este, depois aquele, ou, se tal mais convém às necessidades do efeito, o sucesso de hoje posto antes do episódio de ontem, e outras não menos arriscadas acrobacias, o passado como se tivesse sido agora, o presente como um contínuo sem princípio nem fim, mas, por muito que se esforcem os autores, uma habilidade não podem cometer, pôr por escrito, no mesmo tempo, dois casos no mesmo tempo acontecidos. Há quem julgue que a dificuldade fica resolvida dividindo a página em duas colunas, lado a lado, mas o ardil é ingênuo, porque primeiro se escreveu uma e só depois a outra, sem esquecer que o leitor terá de ler primeiro esta e depois aquela, ou vice-versa, quem está bem são os cantores de ópera, cada um com a sua parte nos concertantes, três quatro cinco seis entre tenores baixos sopranos e barítonos, todos a cantar palavras diferentes, por exemplo, o cínico escarnecendo, a ingênua suplicando, o galã tardo em acudir, ao espectador o que lhe interessa é a música, já o leitor não é assim, quer tudo explicado, sílaba por sílaba e uma após outra, como aqui se mostram” p.11


Bibliografia

SARAMAGO, José. A jangada de pedra. Companhia de Bolso. Edição 2010. (livro de 1986)

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