domingo, 7 de novembro de 2010

FLC0383 - Literatura Portuguesa IV - Neo-realismo Português

Cara, estou com meu cérebro bloqueado. E tenho prova daqui a duas semanas da matéria e não sei o que faço para desbloquear a minha mente. Meu ritmo mental durante a greve dos bancários e a eleição presidencial chegou a níveis de excitação alucinantes e até agora a mente está ligada 24 horas em política e mundo.

(Fragmentos do livro "Textos teóricos do neo-realismo português")




Leitura de texto "Apresentação Crítica" de Carlos Reis:

Capítulo 1 - DO REALISMO AO NEO-REALISMO

(com possíveis comentários, se algo vier em mente, ou letras maiores na forma de marcação minha daquilo que acho interessante)


Falar do neo-realismo português em termos globais implica a referência a uma dupla problemática: por um lado, às motivações históricas e socioculturais subjacentes ao movimento em questão; por outro lado, a uma dinâmica de inovação literária obviamente própria de um fenômeno artístico que se apresenta como novo.

Neste segundo aspecto, o movimento neo-realista não constitui apenas uma alternativa a práticas literárias imediatamente anteriores (a literatura presencista, cuja contestação não pode desligar-se, como veremos, das motivações acima mencionadas), mas também no que toca ao próprio realismo oitocentista.

Com efeito, só de forma muito genérica e pouco rigorosa pode dizer-se que o neo-realismo é um prolongamento ou uma simples reedição do realismo, tal como o praticaram autores como Balzac, Flaubert e Eça de Queirós, entre outros.

Se o intuito de representar o real se manifesta em ambos, o certo é que são profundamente diversas as raízes ideológicas, as preferências temáticas e as próprias técnicas literárias utilizadas (1)

1-Note-se que a consciência desta diversidade era assumida já na época da implantação do neo-realismo por um dos seus teóricos mais destacados: "Para o realismo e para o naturalismo a arte deve dar as características naturais das coisas e das pessoas. Para o neo-realismo, a arte deve dar da realidade uma visão social, quer dizer, uma visão em que as características 'naturais' das coisas sejam explicadas pela vida social, pela prática, pelas lutas de interesses, etc" (Rodrigo Soares, Por um Novo Humanismo, Porto, Portugália, s/d., pp. 173/174)

Segue texto...
Deste modo, pode dizer-se, antes de mais, que o neo-realismo procurará superar o que na óptica dos seus cultores, eram duas deficiências básicas: o posicionamento paternalista do escritor que observava a realidade, de certo modo numa perspectiva de intelectual não participante, e os excessos subjectivos da representação realista que (não obstante os esforços despendidos em prol de uma objectividade quase científica) (2) acabavam por aflorar à superfície do discurso.

2-A este propósito, são sintomáticas as seguintes palavras de Flaubert: "Não me reconheço no direito de acusar ninguém. Nem sequer penso que o romancista deva expressar a sua própria opinião acerca das coisas deste mundo. Pode comunicá-la, mas não gosto que a expresse. (Isto faz parte da minha própria doutrina estética particular.)" (Apud Miriam Allott, Los novelistas y la novela, Barcelona, Seix Barral, 1966, p.123)

COMENTÁRIO: neste blog, postei um dos contos mais chocantes que já li: "Dois amigos" de Guy de Maupassant, discípulo de Flaubert. Maupassant tem a capacidade de unir as grandes descrições com uma temática que evidencia o horror da guerra, e dessa forma, acaba ponto o dedo na ferida como escritor.

EU, PARTICULARMENTE, NÃO ME ENCANTO COM ESTA POSTURA FRIA E DISTANTE DO ESCRITOR EM RELAÇÃO AO SEU TEMPO E SEU MUNDO. ACHO MUITO CÔMODO AGIR ASSIM. Por exemplo: durante uma guerra civil ou grande polêmica que envolva vidas humanas, ficar-se usando como temática a descrição das flores e o efeito delas na vida das pessoas. Ou algo do gênero.


Segue o texto...
Se a atitude de compromisso literário abertamente assumida como princípio irrevogável da estética neo-realista conseguiu, em boa parte, eliminar o paternalismo referido, já o mesmo se não pode dizer da eliminação da subjectividade. De facto, a escrita totalmente neutra constituía não só, em certa medida, uma limitação da militância pressuposta no citado empenhamento literário, como sobretudo a expressão verbal do fenômeno literário inviabilizava, desde logo, um discurso desprovido de subjectividade (3). Isto sem esquecer que também a necessária mediação estética inerente à utilização de códigos técnico-literários (da simples figura de retórica à estruturação da narrativa) implica uma considerável intervenção subjectiva e, por conseguinte, a inviabilidade de um puro reflexo do real.

3-Sobre este assunto, ver E. Benveniste, "Da subjectividade na linguagem", in O Homem na Linguagem, Lisboa, Arcádia, 1976, 00. 57-65.

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Mas o domínio em que as distâncias entre realismo e neo-realismo mais pronunciadamente se cavam é o das referências ideológicas (4). Assim, se o realismo oitocentista se ligava, em termos globais, a um pensamento de tipo materialista (positivista, no caso do naturalismo, que foi a sua extensão literária) ou genericamente, anti-idealista, o neo-realismo baseia-se numa concepção marxista do fenômeno literário. Daí que o escritor comece por afirmar a sua condição de entidade socialmente posicionada e, por isso, sintonizada com os problemas sociais, políticos e econômicos do seu tempo;

4-As diferenças ideológicas entre a Geração de 70 e a neo-realista, sobretudo no que respeita à concepção do socialismo e aos seus fundamentos filosóficos, foram sinteticamente analisadas por A. Pinheiro Torres em O Neo-Realismo Literário Português, Lisboa, Moraes Editores, 1977, 00. 9-16, e em Portugal na Sua Primeira Fase, Lisboa, Instituto de Cultura Portuguesa, 1977, 00. 20 e ss.

segue texto...
assim, encarando a literatura como uma forma de consciência social, o neo-realismo valoriza a dimensão ideológica da criação literária, bem como a sua capacidade de intervenção sociopolítica, à luz dos princípios fundamentais do materialismo histórico. Com base nestas coordenadas, à literatura cabe fundamentalmente uma missão desmistificadora de contradições de natureza socioeconômica, sobretudo concretizada pela sua possibilidade de, articulando-se com a história, reflectir essas realidades normalmente deprimentes (5).

5-Tanto a problemática do reflexo como a da capacidade de intervenção política da obra literária têm sido objecto de correcções e clarificações tendentes a esvaziá-las do cunho imediatista e especular que, à primeira vista, revelam: "Do mesmo modo, o dogmatismo estético manifesta-se ainda na afirmação de um elo rectilíneo entre a arte e a política. Para ele, o elemento político e o aspecto artístico coexistem na obra como dois princípios autônomos, e é o primeiro que determina o valor do segundo. [...] As concepções vulgares e dogmáticas das relações entre a arte e a política são profundamente estranhas à estética marxista-leninista. É absurdo querer substituir a representação fiel e multiforme da realidade por uma ilustração didáctica das directrizes políticas, já que isso reduz inevitavelmente a força de persuasão da arte e, consequentemente, a sua eficácia social. É a representação fiel e verídica do real, a acentuação das principais tendências da vida social, que determinam o alcance social e político da arte progressista." (Avner Ziss, Éléments d'esthétique marxiste, Moscou, Les Editions du Progrès, 1977, 00. 58-59)

segue texto...
São estes fundamentos ideológicos que explicam as opções temáticas mais significativas do neo-realismo. Factor de primacial importância na concretização do programa sociocultural inerente à literatura neo-realista, a temática constitui um dos domínios fundamentais de toda a obra literária de feição comprometida e interventora, já que é no seu domínio que se insinuam as grandes coordenadas semânticas determinadas pela ideologia que lhes está subjacente; por isso, também neste aspecto é possível ver com clareza as linhas de clivagem que separam o neo-realismo dos interesses temáticos do realismo, os quais diziam respeito fundamentalmente ao modo de vida e às preocupações da burguesia: usura, adultério, educação, ambição, etc.

Por seu turno, ao longo do percurso literário neo-realista, os temas mais visados serão aqueles que se ligam ao proletariado e à sua condição econômica: conflito social, alienação e consciência de classe, posse da terra, opressão, decadência dos estratos dominantes, etc.

Se os elementos descritos deixam perceber que, quase cem anos depois do realismo, o neo-realismo procurou trilhar uma via própria e bem individualizada, eles não são, todavia, suficientes para apreendermos os obstáculos que se levantaram ao movimento em análise, na sua fase de afirmação. Para melhor captarmos as motivações histórico-culturais que presidiram à constituição do neo-realismo, importa, pois, ter em conta a dinâmica de evolução literária imediatamente anterior às primeiras experiências neo-realistas.


Bibliografia:


REIS, Carlos. Textos teóricos do neo-realismo português. Seara Nova, Editorial Comunicação, 1981.

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