Refeição Cultural
Dando sequência à leitura e contato com as poesias de Cecília Meireles, li neste domingo o 4º livro da poeta - Cânticos (1927) -, livro que reúne 26 poemas numerados de I a XXVI.
Alguns dos poemas me trouxeram algumas reflexões a respeito da questão da temporalidade individual e da temporalidade coletiva, de classe, histórica. Mesmo sabendo que o Eu-lírico tem um viés religioso na sua relação emissor e receptor nas imagens poéticas, é possível a identificação com a temática da temporalidade e sua agonia pela brevidade da vida humana.
Os poemas I, II e o XXIV, quase no final, se encaixaram perfeitamente na temática do dilema (e angústia) da brevidade de nossa temporalidade existencial individual e a questão mais histórica das realizações humanas enquanto espécie.
Lembrando que vi um vídeo de Mauro Iasi, no canal Café Filosófico da TV Boitempo, vídeo do dia 5/11/21, que me pôs a pensar muito sobre a questão da temporalidade do indivíduo versus a temporalidade da classe. Vejam lá no YouTube caso tenham interesse.
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"I
Não queiras ter Pátria.
Não dividas a Terra.
Não dividas o Céu.
Não arranques pedaços ao mar.
Não queiras ter.
Nasce bem alto,
Que as coisas todas serão tuas.
Que alcançarás todos os horizontes.
Que o teu olhar, estando em toda parte
Te ponha em tudo,*
Como Deus." (p. 138)
"*Verso-base: Estarás em tudo,"
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O poema é tão moderno que me lembrou a COP26 em Glasgow discutindo a destruição do mundo por parte dos humanos e do capitalismo. Alguns países e corporações (humanos!) destroem o meio ambiente porque podem (como dizem os bilionários "fazemos porque podemos") e que se danem as formas de vida na Terra hoje e num futuro próximo.
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"II
Não sejas o de hoje.
Não suspires por ontens...
Não queiras ser o de amanhã.
Faze-te sem limites no tempo.
Vê a tua vida em todas as origens.
Em todas as existências.
Em todas as mortes.
E sabe que serás assim para sempre.
Não queiras marcar a tua passagem.
Ela prossegue:
É a passagem que se continua.
É a tua eternidade...
É a eternidade.
És tu." (p. 138/139)
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E o poema XXIV me lembrou de novo as reflexões de Mauro Iasi, que somos fruto de uma temporalidade coletiva, histórica, somos a cultura e as pessoas que nos antecederam e assim por diante.
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"XXIV
Não digas: Este que me deu corpo é meu Pai.
Esta que me deu corpo é minha Mãe.
Muito mais teu Pai e tua Mãe são os que te fizeram
Em espírito.
E esses foram sem número.
Sem nome.
De todos os tempos.
Deixaram o rastro pelos caminhos de hoje.
Todos os que já viveram.
E andam fazendo-te dia a dia
Os de hoje, os de amanhã.
E os homens, e as coisas todas silenciosas.
A tua extensão prolonga-se em todos os sentidos.
O teu mundo não tem polos.
E tu és o próprio mundo." (p. 152)
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E assim conheci mais um livro de Cecília Meireles. Com essa obra Cânticos passo a conhecer 106 poemas da poeta, escritora, professora e intelectual brasileira.
William
Post Scriptum (15/11/21): assisti na internet a uma palestra muito interessante sobre esta obra de Meireles: "A filosofia nos Cânticos de Cecília Meireles", com a professora Lúcia Helena Galvão, de um canal chamado "Nova Acrópole Brasil". A biografia de Meireles e a análise dos poemas-cânticos foram muito interessantes. A palestrante exalta a questão mística da poeta e do Eu-lírico, o que é válido, e a interpretação que ela dá para os 26 poemas é muito coerente, tem verossimilhança, para falar algo característico das boas obras literárias e poéticas.
Post Scriptum II: essa interpretação mais mística dada à obra de Meireles não invalida a leitura mais materialista que fiz dos poemas. O texto me permite olhar a questão da temporalidade do ponto de vista individual e do ponto de vista histórico, enquanto homem isolado e enquanto humanidade, enquanto grupo e classe.
Bibliografia:
MEIRELES, Cecília. Poesia completa. Coordenação André Seffrin. Apresentação: Alberto da Costa e Silva. 1ª edição - São Paulo: Global, 2017.
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