segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Viagem (1939) - Cecília Meireles



Refeição Cultural


"Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.
" (p. 245/6)


Ufa! Seguimos na viagem ao mundo da poesia de autores brasileiros.

Terminei a leitura do livro Viagem (1939), de Cecília Meireles. É o 7º livro de poesias que leio da poeta brasileira. Cecília, agora, é a poeta da qual mais li poesias até hoje. Com a leitura dos 100 poemas de Viagem, passo a conhecer 359 poemas dela. Quer dizer, não contei os poemas de Paulo Leminski, mas já li sua obra completa também: Toda Poesia (2013). Não sei se a quantidade de poemas de Leminski é tão grande quanto a de Meireles.

Para registrar corretamente, o livro do Paulo Leminski que tenho contém: quarenta clics em curitiba (1976), caprichos & relaxos (1983), distraídos venceremos (1987), la vie en close (1991), o ex-estranho (1996), winterverno (2001) e poemas esparsos. Os nomes todos com letra minúscula, caixa baixa, fazem parte da edição que tenho. Ler aqui comentários sobre o livro de Leminski.

Tenho um longo caminho pela frente para ler e conhecer a obra poética dos principais poetas brasileiros. Já conheço um pouco de João Cabral, de Manuel Bandeira, de Drummond, Castro Alves, Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Cecília Meireles. Alguns deles tenho a obra completa e falta só seguir lendo e conhecendo. Imaginem a lacuna gigante... nada de Vinícius de Moraes, Cora Coralina, Ferreira Gullar, Mário Quintana, irmãos Campos, só pra citar alguns poetas que não li nada ainda.

Vou ler a obra completa de Cecília Meireles. O incentivo veio do fato de ter ganhado essa edição de minha companheira tempos atrás e agora decidi ir lendo aos poucos. No primeiro volume, que estou lendo agora, são 13 livros. Acabei de ler o 7º. Agora conheço Espectros (1919), Nunca mais... e Poema dos poemas (1923), Baladas para El-Rei (1925), Cânticos (1927), A festa das letras (1937), Morena, pena de amor (1939) e Viagem (1939).

Também tenho as obras poéticas completas de Drummond. Vou lê-las também (postagens sobre ele ver aqui). Por décadas, o poeta itabirano foi o autor do qual eu mais conhecia poemas, isso porque já havia lido e sempre reli os 3 livros iniciais dele - Alguma Poesia (1930), Brejo das Almas (1934) e Sentimento do Mundo (1940). Ano passado, li A rosa do povo (1945). Agora preciso expandir meu conhecimento de Drummond. Vamos aos poucos lendo sua obra das décadas seguintes.

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CECÍLIA MEIRELES E VIAGEM

O livro é denso, não considero de leitura fácil. Senti dificuldade na compreensão de diversos poemas, assim como foi na releitura de Brejo das Almas, de Drummond. Alguns poemas são impenetráveis para este leitor que registra a experiência da leitura. Não tenho problema algum em dizer isso.

Gostei muito da série de poemas chamados por Cecília de "epigramas". São 13 epigramas. Alguns são demais!

Para citar alguns dos poemas com os quais me identifiquei e que me agradaram bastante, fico com "Retrato", "Epigrama nº 2" sobre a Felicidade e o tempo, "Canção" (p. 255, pois há outros com o mesmo nome), "Solidão", "Murmúrio", "Epigrama nº 4" sobre o choro, "Epigrama nº 5" sobre a gota d'água que resiste ao vento, "Pausa", "Cantiga" (p. 323) com o bem-te-vi, "Epigrama nº 12" sobre a engrenagem e o inseto, "Vento", dentre outros.

O poema "Destino" trabalha com duas imagens se contrapondo: pastora de nuvens x pastores da terra. É muito interessante!

O poema "Quadras" tem algumas estrofes bem legais, do tipo:

"Passarinho ambicioso
fez nas nuvens o seu ninho.
Quando as nuvens forem chuva,
pobre de ti, passarinho.
" (p. 310)

*

"Ao lado da minha casa
morre o sol e nasce o vento.
O vento me traz teu nome,
leva o sol meu pensamento.
" (p. 311)

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Adorei o poema "Onda". Ele contém 8 estrofes e deixo abaixo a primeira e a última.

"Onda

Quem falou de primavera
sem ter visto o teu sorriso,
falou sem saber o que era.

(...)

mas quem falou de deserto
sem nunca ver os meus olhos...
- falou, mas não estava certo.
" (p. 316)

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Como não dava pra deixar aqui vários poemas, deixo um dos epigramas de Viagem.

"Epigrama nº 2

És precária e veloz, Felicidade.
Custas a vir, e, quando vens, não te demoras.
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo,
e, para te medir, se inventaram as horas.

Felicidade, és coisa estranha e dolorosa.
Fizeste para sempre a vida ficar triste:
porque um dia se vê que as horas todas passam,
e um tempo, despovoado e profundo, persiste.
" (p. 252)

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COMENTÁRIO FINAL

Quanto mais leio os poemas de Cecília Meireles mais vou compreendendo a sua poética. Pesquisar informações a respeito de sua biografia também tem sido fundamental para mim. 

A cada texto ou entrevista com alguém falando sobre a intelectual, melhor fica minha compreensão dos poemas que já li (os 7 primeiros livros), que cobrem a vida dela entre a infância e a idade adulta, quase quarenta anos, época em que seu marido faleceu, por não superar a depressão profunda que sofria.

A autora lidou com mortes e perdas ao longo da vida e isso influenciou a pessoa que era e a sua poética. O pai morreu antes dela nascer, a mãe quando tinha 3 anos, depois a babá Pedrina e a avó que a criou, depois o marido. 

Isso não quer dizer que Cecília Meireles fosse uma pessoa triste e ou depressiva. As experiências com as perdas fizeram com que ela visse a vida como passageira, fugaz e, por ser religiosa, na minha leitura, ela via a vida como algo além da existência terrena. Nos poemas que já li, há um Eu-lírico que traz constantemente uma temática mística e metafísica.

É isso. Seguimos lendo poesia e conhecendo autores, autoras e poemas brasileiros.

William


Bibliografia:

MEIRELES, Cecília. Poesia completa. Coordenação André Seffrin. Apresentação: Alberto da Costa e Silva. 1ª edição - São Paulo: Global, 2017.

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