sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Leitura - Robinson Crusoé (III) - Daniel Defoe



Refeição Cultural

"DIÁRIO: 30 de setembro do ano de 1659...", assim começa o diário do náufrago Robinson Crusoé. 

O capítulo V é o primeiro organizado na forma de um diário, enquanto técnica narrativa do personagem. Nos capítulos anteriores, nós leitores externos à obra conhecemos aquelas questões básicas de uma narrativa: quem, onde, quando, porque, o quê, como etc.

No capítulo V, Crusoé organiza seu diário e acrescenta novidades ao que já sabíamos. Nomeia a ilha onde está - Ilha do Desespero - e tem avanços e regressos em sua condição de náufrago perdido numa ilha. 

Uma série de terremotos colocou sua vida em risco e serviu de alerta para o fato de que poderia morrer soterrado em sua "fortaleza", construída durante meses. A novidade foi descobrir que uns restos de trigo e outros cereais que deixou cair no solo germinaram e isso poderia alterar sua condição de sobrevivência na ilha.

FILOSOFADAS

Anotei duas reflexões do personagem que nos fazem pensar na vida e na natureza.

"o tempo, a necessidade, e a prática habilitaram-me muito bem na mecânica; e eu acredito que qualquer homem nas minhas circunstâncias se aperfeiçoaria como eu, sob a direção daqueles três grandes mestres" (p. 77)

De fato, o tempo, a necessidade e a prática são grandes mestres dos seres humanos que souberem se aproveitar dos ensinamentos que eles nos dão.

"Outra coisa que me faltava com grande incômodo meu eram velas para me alumiar, o que me forçava a me recolher à cama logo que era noite fechada, comumente às sete horas." (p. 82)

Sem tecnologia o homem não domina a natureza, ele tem que se submeter a ela. Isso é fato, para o bem e para o mal, inclusive em relação ao uso que fazemos da tecnologia que inventamos.

RELIGIÕES E MITOS

"Na disposição em que estava de crer que era a Providência quem me mandava esses brindes..." (p. 83)

Somos uns bichos diferentes dos demais bichos que vivem no planeta. Crusoé diz que não ligava muito para religião e todos os dogmas inventados com ela. 

"Até então não pautara o meu viver pela religião, nem, para falar com franqueza, tinha cabida no meu espírito." (p. 82)

A condição de desespero e encantamento com casualidades e fatos ocorridos naquela situação na qual se encontrava fez com que ele desenvolvesse uma certeza de que a Providência teria agido em favor ou desfavor dele. Tá aí o mito, o deus e a certeza de que eles existem e justificam tudo.

"A produção daquelas poucas espigas deu novo curso e fervor às minhas ideias. Trigo sem sementes sãs e numa região que pelo clima não lhe era propícia! Só por milagre de Deus, o qual na sua bondade operou tal prodígio para dar-me subsistência e alimentação nesse horroroso deserto." (p. 83)

Não é!? Vai questionar esses milagres com ele ou com um pentecostal desses manipuladores da fé das pessoas...

FREUD EXPLICA - Me lembrei de um dos textos de Freud que lemos durante uma disciplina do curso de Letras. Freud explica num texto de 1919 "Das unheimlich" (o estranho, o inquietante) de onde vem essa questão das crenças que criamos a partir de acontecimentos "estranhos", coincidências e outras casualidades que nos levam à necessidade de buscar uma explicação para além da compreensão que temos dos fenômenos até aquele momento. 

---

DIÁRIO: 26 de novembro de 2021. (Brasil de Temer, Bolsonaro, Mourão, Moro, Dória, Ciro, Mandetta, Merval et caterva)

Além de Freud, outra linha de pensamentos que nos ajuda a compreender por que e como as coisas acontecem nas sociedades humanas é o materialismo científico ou histórico, ciência filosófica que tem em Karl Marx e Friedrich Angels dois pilares importantes.

Estamos sob uma crise sanitária mundial, uma pandemia causada por um tipo de vírus, o coronavírus Sars-Cov-2 (Covid-19), que acentuou de forma exponencial os efeitos da atual crise do sistema capitalista. 

O 1% ficou mais rico e dono de tudo e os 99% ficaram mais miseráveis e sem nada. A escravidão legal voltou com outros nomes - uberização, terceirização, empreendedorismo, pejotização etc. A destruição do planeta e das formas de vidas se acelera, mas os caras do 1% não estão nem aí. Acham que a vida acaba depois da vez deles viverem, então pensam: fodam-se os outros.

Medidas de contenção ao avanço do vírus foram definidas. Certas sociedades e políticas de Estado seguiram as medidas, outras não. Milhões de pessoas morreram (mais onde não se seguiram as medidas). Vacinas foram criadas. A pandemia não acabou. Novas ondas estão pipocando por aí. Novas cepas e variantes vêm aí. A "B.1.1.529" (Ômicron) pode escapar aos efeitos das vacinas... A Delta, mais contagiosa, chegou chegando e dominou o mundo. Agora é a vez da B.1.1.529...

No Brasil de Bolsonaro e do bolsonarismo disfarçado de mercado, morismo, tucanalha, conservadorismo, liberalismo, neopentecostalismo et caterva já está dado que não haverá medidas de contenção da pandemia. O vírus é estratégico para o regime no poder, como já falei aqui zilhões de vezes. Autoridades do regime no poder defendem que não haja nenhum controle na chegada do vírus com cepas novas. Vamos conviver com ele. (provavelmente "vamos conmorrer com ele")

Estamos fodidos. Sobrevivemos até aqui, mas as expectativas de vida de nós todos brasileiros e brasileiras é bem menor que antes do golpe de 2016. É isso. Estamos vivos hoje. Na minha opinião, isso tudo não tem nada que ver com deuses, demônios, Providência, Fortuna, Fatalidade e outras deusas e deuses.

Quando comecei a leitura do Decamerão (1353) - de Boccaccio, no início da pandemia de Covid-19, lá em março de 2020, torcia diariamente para sobreviver até o fim da leitura das 100 narrativas do século XIV. Agora torço para sobreviver para ler a longa narrativa de Robinson Crusoé (1719), feita por Defoe lá no início do século XVIII. A leitura, se lida até o fim, vai durar a próxima onda de Covid-19, se houver.

As condições de vida são aquelas reais que conhecemos, mas vamos brincar de torcer para que a Providência esteja do nosso lado nesta empreitada de leitura.

William


Bibliografia:

DEFOE, Daniel. As aventuras de Robinson Crusoé. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005.

Nenhum comentário: