terça-feira, 23 de novembro de 2021

Diários com Machado de Assis (XI)



Refeição Cultural

Osasco, 23 de novembro de 2021. (6º ano do golpe de Estado, 3º ano de destruição e mortes sob Bolsonaro, 2º ano de Covid-19)


As notícias sobre o Brasil e as condições do povo brasileiro são tão ruins neste momento que seria meio fora de lugar tentar listar um recorte de desgraças num texto no qual vou registrar reflexões que nos vêm a mente a partir da leitura de Machado ou sobre Machado de Assis.

Vou passar um bom tempo lendo lentamente o livro de Hélio de Seixas Guimarães sobre Os leitores de Machado de Assis (2004). É leitura para cutucar e provocar reflexões em pessoas que têm interesse na história da leitura e da literatura em nosso país, inclusive para além de Machado de Assis.

Nossa destruição foi tão grande após o golpe de Estado de 2016, perpetrado pela casa-grande brasileira, que são incalculáveis os níveis de regressão em todas as áreas que se possa imaginar que existam para se avaliar alguma coisa positiva sobre o desenvolvimento humano e social.

No século de Machado, século XIX, praticamente não havia leitores no país, porque o povo do país era analfabeto total ou analfabeto funcional. Éramos uma multidão de escravos, escravos alforriados, mestiços, agregados e jagunços, tinha uma multidão de brancos como eu, inclusive como o personagem Candinho do conto "Pai contra Mãe" (ler aqui), publicado no fim da vida do Bruxo do Cosme Velho. Brancos sem posses, sem renda, sem ter o que comer e na necessidade de fazer algo para a casa-grande para sobreviver.

Vivíamos sob o poder do patriarcado de uma pequena parcela de brancos ou mestiços oriundos de descendência de europeus (criollos como eram chamados na América espanhola). Ou brancos e mestiços que se arranjaram com o poder desse 1% e passaram a ser aquilo que Jessé Souza chama de "A elite do atraso". Essa gente que não faz parte da casa-grande mas que acha que faz, sendo o grupo que prefere a morte e vende até a mãe para não se sentir misturado com o povão, na verdade os 99%.

Após o golpe de 2016 tudo terá que ser refeito, inventado no Brasil, golpe que talvez fique registrado na história do Brasil ou o que sobrar dele como o pior golpe dentre os vários que ocorreram aqui ao longo de dois séculos de rearranjos dessa pequena elite branca sem cultura, sem compaixão, sem ética e corrupta até os ossos, sem apego algum ao que chamamos Brasil.

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PRETOS DE RENDA E ENTREGADOR@S DE APLICATIVOS, ONTEM E HOJE

Será que estamos em XXI pós golpe de 2016 numa condição melhor de leitores e circulação de livros do que estávamos na segunda metade do século XIX?

No início do capítulo 1 do livro de Hélio de Seixas nos é apresentada a condição na qual se dava a produção de livros e literatura no Brasil colonial e imperial. Eram poucos os leitores, eram poucos os editores, eram poucos os distribuidores. Usavam-se escravos para vender livros junto a frutas e bugigangas nas cestas pelas ruas. 

Com o golpe da burguesia e a "república" nada mudou para o povo preto e aquele povo mestiço que citei acima, nós.

E hoje?

Ah, temos a rede mundial e virtual, a internet e tudo é feito de forma facilitada e com entrega por motoboys e motogirls... 

OPINIÃO: na minha opinião, o ser humano que trabalha para os aplicativos de alguns bilionários, sem direito algum, é o atual "preto de balaio no braço a vender romances", que li no texto de Guimarães.

O Brasil tem mais de 100.000.000 de pessoas que não sabem se vão comer hoje, amanhã e nos dias seguintes.

O Brasil tem um genocida miliciano no governo que tem como único objetivo de governo destruir tudo que havia sido construído pelo povo brasileiro ao longo do século. Exemplo: programa Bolsa Família.

Há um incentivo à ignorância, à mentira, incentivo a negar tudo que a cultura humana construiu nos últimos milhares de anos. Viva a ignorância, viva o ódio, viva a violência!

É isso. Cada pessoa avalie se estamos numa condição de produção de literatura e cultura e de leitores melhor ou pior que no passado.

William


Post Scriptum: agora preciso retomar a leitura do clássico da literatura mundial que comecei dia desses: As aventuras de Robinson Crusoé, de Daniel Defoe. Sabiam que o personagem esteve no Brasil no século XVII, era um branco inglês se dando bem como produtor de cana-de-açúcar e tabaco até que resolveu aceitar uma viagem de navio para trazer mais escravos africanos da Guiné? Naufragou e se f...


GUIMARÃES, Hélio de Seixas. Os leitores de Machado de Assis: o romance machadiano e o público de literatura no século 19. São Paulo: Nankin Editorial: Edusp, 2004.

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