sábado, 27 de junho de 2009

Releitura: O Ócio Criativo - Domenico de Masi (Ed. 2000)



Refeição Cultural

Li este livro de Domenico De Masi em 2005 e, apesar de lê-lo vacinado pelas referências de que o autor seria de linha mais à direita em termos políticos, gostei do livro e das ideias contidas nele.

Um dos capítulos que já li várias vezes é o primeiro "Como os lírios do campo". Ele descreve e comenta a história do homem desde a sua criação enquanto homem, ou seja, desde 70 milhões de anos atrás até os dias atuais.

Consultei o capítulo novamente após um dos debates deliciosos que fazemos constantemente na Contraf-CUT. Tenho o hábito de fazer pequenas provocações aos meus amigos da imprensa, com os quais trabalhei em meu primeiro mandato nesta secretaria.

O tema era sobre o ser humano ser um bicho que não aprende com o passado e que nós começaríamos sempre do zero. Essa observação me levou ao capítulo em questão, pois ele fala justamente o contrário, quer dizer, o que nos diferencia dos demais animais é justamente o fato de não começarmos do zero a cada geração. Nós somos alimentados desde o nascimento pelo caldo cultural que nos antecedeu.

No fundo, não quer dizer que eu não concorde que a nossa burrice enquanto ser humano está nos levando ao limite da existência, inclusive do próprio planeta. É que não posso confundir meu pessimismo com a natureza destrutiva e imbecil de nós mesmos com conceitos mais antropológicos e sociológicos.

Mas, vamos aos excertos do capítulo e suas ideias:

ATIVIDADES "OCIOSAS" DOS GREGOS

"O ócio é um capítulo importante nisso tudo, mas para nós é um conceito que tem um sentido sobretudo negativo. Em síntese, o ócio pode ser muito bom, mas somente se nos colocamos de acordo com o sentido da palavra. Para os gregos, por exemplo, tinha uma conotação estritamente física: 'trabalho' era tudo aquilo que fazia suar, com exceção do esporte. Quem trabalhava, isto é, suava, ou era um escravo ou era um cidadão de segunda classe. As atividades não-físicas (a política, o estudo, a poesia, a filosofia) eram 'ociosas', ou seja, expressões mentais, dignas somente dos cidadãos de primeira classe" p. 17

Lembrei-me, inclusive, do período anterior ao de hoje no Brasil, livre e democrático. Até bem pouco tempo as pessoas poderiam sofrer abusos das "autoridades" e serem presas por "vadiagem". Ou seja, tem carteira assinada? Não? Então, mermão, tá em cana por vadiagem!

ATIVIDADES DA ERA INDUSTRIAL INUTILIZAVAM O CÉREBRO

"A sociedade industrial não só fez com que, para muitos, se tornasse inútil o cérebro como também fez com que somente algumas partes do corpo fossem utilizadas. Isto era diferente da sociedade rural na qual o camponês, para usar a enxada ou a pá, assim como o pescador para pescar, além de utilizar o corpo inteiro, usava talvez um pouco mais o cérebro" p. 19

"ESTAMOS NUMA FASE DE TRANSIÇÃO. COMO SEMPRE" (Ennio Flaiano)

Apesar de haver mudanças em todas as épocas, nem todas mudam com a mesma intensidade e com a mesma velocidade.

MUDANÇA DE ÉPOCA x INOVAÇÃO

"Em determinados momentos, temos a sensação de que se trata de uma mudança de época. Porém, não é apenas um fator da História que muda, mas é todo o paradigma - com base no qual os homens vivem - que se altera. Isso, acontece quando três inovações diferentes coincidem: novas fontes energéticas, novas divisões do trabalho e novas divisões do poder. Se somente um desses fatores se alterasse, viveríamos uma inovação, mas, se todos eles mudassem simultaneamente, aconteceria um salto de época. Trata-se do mesmo conceito ao qual se refere Braudel, quando fala das ondas da História, que podem ser curtas, breves, médias ou longas" p. 23

1o PERÍODO DA HISTÓRIA HUMANA

"Quais foram, então, os momentos da História nos quais nós, seres humanos, atravessamos encruzilhadas, vimos que o mundo virava de cabeça para baixo, se tornava 'um outro' mundo?

Um primeiro longo período da história humana vai de setenta milhões a setecentos mil anos atrás. Durante este período, quem vivia não percebia nenhuma mudança, se sentia sempre igual. Trata-se da longuíssima fase na qual o homem criou a si mesmo: aprendeu a andar ereto, a falar, a educar a prole" p. 24

O ELOGIA DA IMPERFEIÇÃO

"Se refletirmos bem, estas são mudanças extraordinárias, todas elas decorrentes da compensação dos nossos defeitos. Rita Levi Montalcini explicou isso muito bem no seu livro L'elogio dell'imperfezione (O elogio da imperfeição). Tínhamos um olfato fraco, portanto não podíamos perseguir a caça farejando a terra, como fazem os animais, mas tínhamos que avistá-la: para isto devíamos caminhar de pé, já que a caça frequentemente fugia, desaparecendo na vegetação. Isto fez com que se tenham salvado somente aqueles indivíduos da nossa espécie que se tornaram mais aptos para caminhar eretos.

Como caminhar ereto implicava passar a dispor dos dois membros superiores - que já não eram mais usados para caminhar -, nós liberamos e especializamos as mãos, usando-as para compensar um outro ponto fraco: o da nossa mandíbula. Não tínhamos capacidade para agarrar a presa e esquartejá-la com os dentes e, por isso, usamos as mãos para construir utensílios e instrumentos.

Eis a outra grande novidade deste período: o homem descobre que pode fabricar objetos (...) A televisão ou o míssil não são senão o resultado posterior do hábito inovador adquirido naquele período, sem o qual nós teríamos desaparecido, pois não éramos nem os mais rápidos, nem os mais fortes, nem os mais capazes.

NÓS NÃO COMEÇAMOS DO ZERO

(...) Em resumo, naquela época aumentamos e potencializamos o cérebro, aguçamos a vista e liberamos as mãos. E educamos a prole. Aí está um outro fato extraordinário. Basta lembrar os dinossauros, cuja extinção também está associada ao fato de que, quando os ovos se abriam, a prole gerada já era autônoma e, portanto, não era educada pelos genitores. Cada dinossauro recomeçava do zero." p. 25

Um filme excelente para ilustrar essa longa trajetória do ser humano é A guerra do fogo, de 1981, dirigido por Jean-Jacques Annaud.

"E somos os únicos animais que não recomeçam sempre do início, mas que, além das características hereditárias e do saber instintivo, recebem dos adultos o saber cultural" p. 25

O capítulo segue com ideias fantásticas como o primeiro motor inventado pelo homem: o cachorro (lobos e chacais). Também fala da invenção da arma revolucionária Arco e Flecha; da invenção do ato de enterrar os mortos e da ideia de seguir a vida após a morte. E por aí vai.

É muito interessante para pensarmos um filme de nossa história humana.

William Mendes


Bibliografia:

DE MASI, Domenico. O ócio criativo. Entrevista a Marisa Serena Palieri. Editora Sextante. 4ª edição (2000).

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