O leitor: "A comunidade dos leitores tem uma reputação ambígua que advém de sua autoridade adquirida e de seu poder percebido"
"Mas não são apenas os governos totalitários que temem a leitura. Os leitores são maltratados em pátios de escolas e em vestiários tanto quanto nas repartições do governo e nas prisões. Em quase toda parte, a comunidade dos leitores tem uma reputação ambígua que advém de sua autoridade adquirida e de seu poder percebido. Algo na relação entre um leitor e um livro é reconhecido como sábio e frutífero, mas é também visto como desdenhosamente exclusivo e excludente, talvez porque a imagem de um indivíduo enroscado num canto, aparentemente esquecido dos grunhidos do mundo, sugerisse privacidade impenetrável, olhos egoístas e ação dissimulada singular. ("Saia e vá viver!", dizia minha mãe quando me via lendo, como se minha atividade silenciosa contradissesse seu sentido do que significava estar vivo.) O medo popular do que um leitor possa fazer entre as páginas de um livro é semelhante ao medo intemporal que os homens têm do que as mulheres possam fazer em lugares secretos de seus corpos, e do que as bruxas e os alquimistas possam fazer em segredo, atrás de portas trancadas. O marfim, de acordo com Virgílio, é o material de que é feito o Portal dos Sonhos Falsos; segundo Sainte-Beuve, é também o material de que é feita a torre do leitor."
"Borges disse-me certa vez que, durante uma das manifestações populistas organizadas pelo governo de Perón em 1950 contra os intelectuais da oposição, os manifestantes gritavam: "Sapatos sim, livros não". A resposta - "Sapatos sim, livros sim" - não convenceu ninguém. Considerava-se a realidade - a dura, a necessária realidade - em conflito irremediável com o mundo evasivo e onírico dos livros. Com essa desculpa, e com efeito cada vez maior, a dicotomia artificial entre vida e leitura é ativamente estimulada pelos donos do poder. Os regimes populares exigem que esqueçamos, e portanto classificam os livros como luxos supérfluos; os regimes totalitários exigem que não pensemos, e portanto proíbem, ameaçam e censuram; ambos, de um modo geral, exigem que nos tornemos estúpidos e que aceitemos nossa degradação docilmente, e portanto estimulam o consumo de mingau. Nessas circunstâncias, os leitores não podem deixar de ser subversivos".
Este livro de Alberto Manguel é um dos melhores livros que já li. Eu o recomendo a todos os amantes da leitura.
Em uma releitura do primeiro capítulo anotei o seguinte "Que leitura agradável e estimulante! Você termina a linha acima e fica louco para abrir os livros que mais sonha em ler e sonha começar a ler sem parar. E sonha poder dizer: - Não ao trabalho, não ao sono!".
Querem conhecer curiosidades fantásticas de nossa história (nossa, de nós leitores do mundo, de todos os tempos)? Leiam Uma História da Leitura.
Bibliografia:
MANGUEL, Alberto. Uma História da Leitura. Companhia Das Letras. Edição 1999, 4ª reimpressão.
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