Refeição Cultural
Clique aqui para ler a primeira parte da síntese que fiz do capítulo que estamos estudando.
Leitura e fichamento de um capítulo do livro "Poéticas da Transgressão: Vanguarda e Cultura Popular nos anos 20 na América Latina", de autoria de Viviana Gelado, leitura que compõe o programa da disciplina "Vanguardias y Contemporaneidad", matéria da graduação de Letras, ministrada pela professora doutora Idalia M. Arnaiz.
O Manifesto como gênero discursivo, manifesto da vanguarda europeia e latino-americana
Caracterização de meios e estratégias utilizadas pelos manifestos e textos programáticos e polêmicos de vanguarda na América Latina
O título
"O título dos manifestos, proclamas, editoriais de revistas, programas estéticos etc. funciona como síntese desse programa, como sua definição ou como um slogan, e adota, na maioria dos casos, uma forma publicitária, à maneira dos panfletos, cartazes ou letreiros."
Geralmente é em letras grandes e com alguma foto ou imagem.
Os títulos gritam - estridentismo - são como gestos extremos: desvairismo, euforismo, ultraísmo, minorismo etc.
A autora nos explica que "O tom predominante é da agressão (acústica, cromática, elétrica, física, atmosférica) e a mofa e questionamento de um sistema de valores culturais e políticos anquilosado."
O grau de violência nos manifestos e proclamas latino-americanos é menor do que os europeus como Dadaísmo, Cubofuturismo russo e Surrealismo francês.
Por quê?
"Com efeito, em uma estrutura social tão fortemente polarizada como a latino-americana, o destinatário privilegiado do discurso vanguardista continuava sendo a mesma 'minoria seleta', letrada, recortada e (in)formada pelo Modernismo em Hispano-América e pelo Simbolismo e o Parnasianismo no Brasil."
O alvo, porém, mais explícito ou menos, é a burguesia letrada, tanto lá quanto cá.
A organização do texto
"Na organização do texto, um dos traços mais evidentes é a sua estruturação na base da enumeração."
Outra forma de organização é a de linhas de filiações ou listas de precursores.
"Filiação. O contato com o Brasil Caraíba. Ou Villegaignon print terre. Montaigne. O homem natural. Rousseau. Da Revolução Francesa ao Romantismo, à Revolução bolchevista, à Revolução surrealista e ao bárbaro tecnizado de keyserling. Caminhamos." (Manifesto Antropófago, 1928, Oswaldo de Andrade)
A autora explica que a repetição anafórica de estruturas precedidas pela preposição 'contra' ou pela locução preposicional 'frente a', assim como a reiteração, a modo de refrão, de asserções que adquirem o valor de slogan, acabam produzindo um efeito estilístico aliado "à une forte pulsion idéologique".
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"Esta estratégia discursiva tem, pois, uma função publicitária e didática - o manifesto deseja divulgar e ensinar a proposta estética que veicula."
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As enumerações sintéticas também são utilizadas na organização. E repetições.
"Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros." (O. de Andrade. Manifesto Antropófago)
Formas de fragmentação
Uso do espaço em branco, as onomatopeias e interjeições, a sintaxe entrecortada etc.
Futurismo
"Outra forma da enumeração reconhecida por Marino é a das fórmulas 'quase algébricas'. Sabe-se que o Futurismo foi o movimento que utilizou mais extensamente esta formulação e também um dos mais conhecidos e de maior poder de deflagração de polêmicas entre os grupos de vanguarda latino-americanos e, antes, entre estes e os assim chamados 'pasadistas'."
No entanto, nos diz Gelado, pela dificuldade da técnica, prevaleceu na maioria dos vanguardistas o uso da sintaxe simples, baseada apenas em sintagmas nominais ou estruturas frasais simples.
O brasileiro Oswald de Andrade é um exemplo do uso de sintagmas nominais e sintaxe simples.
Já Mário de Andrade buscou renovar a estética no movimento modernista. A referência: o diretor de L'Esprit nouveau:
"Lirismo + Arte = Poesia. Fórmula de P. Dermée (N. do A.)"
Mas:
"Quem conhece os estudos de Dermée sabe que no fundo ele tem razão. Mas errou a fórmula. [...] Corrigida a receita, eis o marron-glacé: Lirismo puro + Crítica + Palavra = Poesia." (M. de Andrade. Em: Prefácio interessantíssimo à Pauliceia Desvairada, 1922)
E ainda:
"Necessidade de expressão + necessidade de comunicação + necessidade de acção + necessidade de prazer = Belas Artes." (M. de Andrade)
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"As diversas modalidades de enumeração e a articulação expressa do entimema ao topos dão à retórica do manifesto um caráter de 'continuidade explícita'. Por outra parte, esta ênfase na utilização da enumeração de adversários e novíssimos precursores, de materiais e técnicas novas, de rótulos definidores, de fórmulas que condensam propostas estéticas contribui para polarizar o campo intelectual e para facilitar a apreensão das diversas propostas estéticas."
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A autora também enumera um conjunto de técnicas e estratégias utilizadas pelas vanguardas, além do belicismo: espírito de rebelião e oposição que se traduz na utilização de formas verbais do imperativo, metáforas combativas ou infamatórias, asserções negativas, injúrias, formas de exortação e invectiva, provocações, boutades, toda sorte de paradoxos, advérbios assertivos etc."
Durante algumas páginas, a autora enumera diversos exemplos de movimentos e manifestos de vanguarda latino-americanos: Estridentismo mexicano, Noísmo porto-riquenho, Manifiesto de Martín Fierro, Manifiesto euforista etc.
Contradição nas vanguardas
"Com efeito, ao questionar a arte como instituição e, consequentemente, propor ou adotar toda sorte de estratégias de inversão (discursiva e comportamental ou, pelo menos, performática), muitos destes movimentos (os que desejaram se perpetuar) pagaram o preço de sua contemporaneidade, isto é, caíram em uma das 'armadilhas' da modernidade: a contradição. Cada nova curva na espiral significa construção e destruição e pode não significar nada."
No modernismo brasileiro, a forma corrosiva foi muito utilizada por Oswald de Andrade:
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"Só não se inventou uma máquina de fazer versos - já havia o poeta parnasiano." (Manifesto da Poesia Pau-Brasil, O. de Andrade)
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O texto fala de "Boutade". Como não sei o que é, recorri ao Google, que traz a seguinte informação:
Boutade /bu'tad/ substantivo feminino: 1. tirada espirituosa ou engraçada. 2. pensamento ou dito sutil, original e imprevisto que freq. contraria propositadamente a verdade.
(ufa! Caminhando para o fim da leitura do capítulo)
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"Como vimos, o discurso polêmico dos manifestos, proclamas e textos programáticos da vanguarda articula uma linguagem violenta e precisa. Segundo Marino, a violência é a que dá o tom a este discurso, enquanto que pela precisão se traduzem os objetivos perseguidos, no entanto, o uso da violência verbal e simbólica pode ter outras funções além das já observadas. Com efeito, pode ser uma maneira de exorcizar o passado, como na proposta antropofágica de retorno às origens indígenas brasileiras para fundar sobre essa base um primitivismo moderno e que supere as contradições da sociedade patriarcal..."
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O grito
"O ápice da disposição ao exagero e ao espetáculo estará constituído pelo grito, forma extrema e elementar da função fática da linguagem. O grito é a hipérbole acústica (e cromática) que os estridentistas escolherão para definir-se."
O humor
"Expressado em diversas modalidades (negro, pseudocientífico, doutrina surrealista do humor objetivo) e figurações (ironia, riso, blague, mofa, sarcasmo, paródia, caricatura, grotesco, boutade), esgrime-se como meio de refutação e negação social e estética. Estratégias que demonstram o espírito lúdico e a vocação espetacular dos movimentos de vanguarda, mas que também são utilizadas como forma de distanciamento (ostranenie) e questionamento dos preceitos estéticos e cujo objetivo é a desautomatização na recepção da obra de arte."
Gelado nos diz que a citação também é uma forma utilizada pelas vanguardas em seus textos.
A busca pelas origens
"Tupy, or not tupy that is the question" (O. de Andrade)
A autora nos diz que esta pergunta pelas origens estará presente na maioria dos movimentos de vanguarda na América Latina. Tanto pelas origens coletivas nacionais quanto pelas do próprio grupo.
"A pergunta pelas origens e a afirmação do novo fundam nos manifestos o uso de um discurso inaugural que não exclui, às vezes, um retorno ao passado."
(Bom texto. Esclarecedor)
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