Refeição Cultural
Neste sábado resolvi dar uma focada na leitura de Robinson Crusoé (1719), de Daniel Defoe. Completando um mês de leitura, consegui ler vários capítulos e cheguei à metade do livro, capítulo XVIII.
O romance teve um andamento até o capítulo XIII e agora a narrativa deu uma guinada. Acabaram-se os dias de solidão. Foram 24 anos solitários na ilha, Ilha do Desespero, como Crusoé a chamou.
No capítulo XIV, o náufrago inglês sonha acontecimentos que depois ocorreriam na vida real. Lembrando que Crusoé avistou pegadas na praia alguns capítulos antes. Ele nunca mais teve sossego desde que descobriu que canibais aportavam à ilha para rituais de canibalismo. Sonhou um dia que uma das vítimas fugia dos canibais e ele dava guarida a ela.
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CRUSOÉ, UM IMPERIALISTA, CLARO!
O capítulo marca a bronca que passei a ter do desgraçado Robinson Crusoé. É verdade! Como leitores, sabemos que as obras literárias carregam as marcas de seu tempo, local, contexto, ideologias etc. O livro é do início do século XVIII, escrito por um inglês, período das navegações e dos impérios colonialistas. Difícil escaparmos das marcas e influências das ideias desses séculos.
O náufrago Robinson Crusoé está na situação que está porque mesmo estando bem estabelecido no Brasil como latifundiário que plantava cana-de-açúcar e tabaco, com mão-de-obra escrava, resolveu ir à Guiné buscar mais escravos e se ferrou na viagem. Então já sabemos que não se trata de um santo.
Mas o personagem carrega de forma excepcional aquele ar arrogante dos homens de seu tempo, brancos, imperialistas, que se acham superiores aos demais povos do mundo que iam descobrindo com as navegações de conquista de novas terras. Defoe é bom em transpor para Crusoé os valores ingleses.
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UM ESCRAVO, NÃO UM AMIGO
Após 24 anos de solidão na ilha, o náufrago inglês não queria uma companhia humana, um amigo, alguém para conviver de igual para igual. O desgraçado queria um escravo, um serviçal, alguém para servir a ele. E é isso que ele faz ao salvar um selvagem de ser comido pelos inimigos. Robinson Crusoé tem a partir daquele momento um serviçal, um escravo, que nomeia de Sexta-Feira.
"Sonhei que uma manhã, saindo do castelo como de costume, vi duas canoas perto da praia, das quais desembarcaram onze selvagens com um prisioneiro destinado a sua refeição canibalesca. No momento em que o iam matar, o mísero fugiu (...) ajudei-o a subir pela escada, trouxe-o para a minha habitação, e ficou sendo meu escravo. Fiquei satisfeitíssimo com este incidente, persuadido de ter adquirido um homem capaz de me servir de piloto na empresa projetada, e de dar-me os conselhos necessários para evitar todo o gênero de perigos." (p. 185)
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O SENHOR E O ESCRAVO
"A cútis não era negra, sim muito trigueira, mas nada parecida com a desagradável cor pardacenta dos habitantes do Brasil e da Virgínia..." (p. 190)
Essa foi a descrição que Crusoé fez em seu diário do homem jovem de cerca de 25 anos que fugiu dos canibais e foi salvo por ele.
"Uma das primeiras coisas que lhe ensinei foi o nome que entendi dever dar-lhe: o de Sexta-Feira, em memória do dia da semana em que o tinha salvo. Aprendeu também a chamar-me meu senhor e a dizer a propósito sim e não." (p. 190)
Sigamos adiante. Se trata de um romance, um livro clássico com trezentos anos de história.
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O DEUS DOS INGLESES É MELHOR QUE OS DEUSES DOS OUTROS
No capítulo seguinte, o XV, Crusoé ensina inglês para o jovem, ensina a sua religião e descobre que os povos locais também têm a religião deles, mas o inglês explica a Sexta-Feira que o Deus dele é melhor que o dos indígenas locais: Benamuckee.
"Aproveitei a oportunidade para o instruir nas noções do verdadeiro Deus." (p. 199)
Conversando com Sexta-Feira, consegue mais informações sobre a localização em que está, perto da desembocadura do rio Orinoco, região do Caribe.
Na página 202, sabemos pelo personagem que se passaram 3 anos amenos de convivência entre ele e Sexta-Feira. São 27 anos na ilha, os últimos 3 na companhia do seu "serviçal".
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No capítulo XVI mais aventuras acontecessem. Vão chegando canibais e vão aumentando os "vassalos" salvos pelo "monarca" Crusoé. Agora faz parte do grupo o pai de Sexta-Feira e um espanhol naufragado.
"Eis a minha ilha povoada, e eu rico em vassalos! Era caso para ter vaidade, considerando-me um minúsculo monarca, visto que toda ela era domínio meu por títulos incontestáveis. Os súditos eram-me fiéis e submissos; eu arrogava-me como árbitro supremo e legislador despótico. Salvara-lhes a vida, e em compensação estavam prontos a arriscar a sua no meu serviço. O mais singular é que havia nos meus estados três religiões diferentes: Sexta-Feira era protestante, o pai, pagão e canibal, e o espanhol, católico romano. Eu, como príncipe sábio e justo, decretava a liberdade de consciência em todo o meu reino." (p. 219)
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Nos capítulos XVII e XVIII novas aventuras acontecessem. Um navio inglês ancora na ilha, e após diversas peripécias, inclusive tendo como herói e salvador Crusoé novamente, ele passa a ter agora um navio à sua disposição e uma tripulação.
Agora veremos o que acontecerá a seguir...
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COMENTÁRIO FINAL
Século XVIII. Relações humanas utilitaristas, de interesses. Senhores e serviçais.
Século XXI. Relações humanas utilitaristas mais que nunca, de interesses... senhores e serviçais.
Não mudou muita coisa em 300 anos.
William
Bibliografia:
DEFOE, Daniel. As aventuras de Robinson Crusoé. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005.
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