Refeição Cultural
"Agora, considerava o mundo como terra estranha, onde não existia objeto possível para as minhas esperanças e aspirações. Efetivamente faltava-me o convívio com a humanidade, e, segundo todas as aparências, não tornaria mais a tê-lo. Parecia-me que podia já encarar este mundo, como talvez no outro seja observado, isto é, um lugar onde vivemos outrora, e do qual saímos para sempre; devendo na verdade dizer dele o mesmo que Abraão ao rico orgulhoso na parábola bíblica:
'Separa-nos a nós ambos um abismo.'" (p. 132)
Li o capítulo IX de As aventuras de Robinson Crusoé (1719), de Daniel Defoe. Como previ, a leitura será longa porque o livro é enorme, apesar de ser um romance de leitura simples, de linguagem prosaica, no formato de diário e narrado pelo próprio personagem.
Crusoé nos conta como passou o 3º e o 4º ano na ilha, chamada por ele Ilha do Desespero, mas enaltecida ao extremo em certos momentos da história.
Enquanto lia as agruras do personagem para conseguir fabricar ferramentas e utensílios básicos da vida humana (tecnologias como panela, roupa e peneira), fiquei me lembrando o quanto somos dependentes uns dos outros, não somos nada sozinhos. Ontem, hoje e sempre.
É muito interessante uma ficção sobre um náufrago numa ilha deserta tentando produzir coisas simples que encontramos em qualquer feira ou comércio por aí.
VALOR DAS COISAS
"Em suma, as circunstâncias e a experiência convenceram-me que as coisas do mundo só têm valor aos nossos olhos conforme o uso que delas fizermos, e gozo pessoal que nos proporcionam, salvo a reserva do que podemos acumular em tempo e lugar para beneficiar o próximo com liberdade..." (p. 133)
Crusoé reflete que sem as ferramentas humanas ele seria só mais um animal naquele mundo, ou em qualquer lugar. A reflexão vem em sua mente por causa da quantidade de coisas que conseguiu retirar do navio naufragado.
Por falar em coisas especificamente humanas, o personagem nos conta como se transformou em crente, em alguém que acredita que a Providência divina foi responsável por tudo que aconteceu a ele, tanto coisas boas quanto ruins (estas para "puni-lo).
SOU O MAIS DESGRAÇADO DOS HOMENS?
"Essas reflexões tornavam-me sensível à bondade da Providência, e ao mesmo tempo grato pela minha condição atual, posto que não isenta de amarguras e misérias. Não posso deixar de recomendar esse trecho da minha história às meditações dos que, no meio das suas desgraças, atroam os ares com exclamações como esta:
'Haverá desventura e aflição comparável à minha?'" (p. 134)
---
Por fim, o capítulo termina com Crusoé dizendo que chegou à ilha com 36 anos e passaram-se 5 anos desde que chegou lá. O náufrago preencheu sua solidão com diálogos com Deus e ocupou seu tempo em ler a bíblia, cuidar da alimentação e no desenvolvimento de utensílios cotidianos sem ter condição ou habilidade adequada para isso.
"Na manufatura e conclusão das diversas obras, artefatos e alfaias que tenho mencionado, passaram-se cinco anos sem que ocorresse nada mais de notável. Nesse período a minha vida deslizou-se da forma que disse; simplesmente, além da cultura do trigo, do arroz e das vinhas, a principal ocupação foi construir uma canoa, que pus a nado, por meio de um canal de seis pés de profundidade e quatro de largura..." (p. 138)
---
CRUSOÉ E NÓS: O QUE MUDOU EM 300 ANOS?
Será que existe muita diferença entre o diário do personagem Crusoé - náufrago solitário em uma ilha qualquer - e o diário de nós todos, 300 anos depois? Não sei.
Ora o personagem se sente prisioneiro do azar e um infeliz, ora um felizardo e agraciado pela Providência. Não é assim que muitos de nós se sentem o tempo todo num mundo em crise e sem perspectivas de futuro?
Crusoé não passa fome na ilha, mesmo sem ter tecnologia adequada para prover o que precisa; por outro lado, milhões passam fome neste exato momento no mundo, mesmo com a maior tecnologia já vista pelos homens.
Crusoé atribui tudo que lhe acontece de bom ou ruim a um deus, à Providência divina; nos dias de hoje, mesmo conhecendo séculos de ciências, parte das pessoas do mundo atribue tudo que lhe acontece a alguma divindade.
Enquanto isso, milhões de pessoas de boa-fé são manipuladas por canalhas que se passam por mensageiros de deuses.
... pensar na realidade me pesou o olho de maneira impossível de seguir na postagem. Mas tá bom por enquanto.
William
Bibliografia:
DEFOE, Daniel. As aventuras de Robinson Crusoé. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005.
Nenhum comentário:
Postar um comentário