Refeição Cultural
Osasco, 22 de junho de 2023. Quinta-feira.
"Lawfare é o uso estratégico do direito para fins de deslegitimar, prejudicar ou aniquilar um inimigo"
LAWFARE?
Após conversar nos últimos anos com pessoas do meio jurídico, econômico e político e perceber que ao usar a expressão "lawfare" elas não sabiam o que isso queria dizer, algumas sequer tinham ouvido falar sobre isso, achei interessante adquirir algum material que falasse a respeito do tema. Vai que eu estivesse falando alguma bobagem...
O livro Lawfare: uma introdução (2019), de Cristiano Zanin, Valeska Zanin Martins & Rafael Valim traz de forma concisa noções gerais sobre a questão. O conceito é muito novo, ainda mais no Brasil. Cristiano e Valeska usaram o termo "lawfare" pela primeira vez em 10 de outubro de 2016 para explicar o caso Lula.
Uma das motivações para o estudo e desenvolvimento do tema no Brasil por parte dos autores foi efetivamente o processo de perseguição sofrido pelo presidente Lula por parte de agentes do Estado brasileiro, processo político que o levou a uma condenação e prisão por supostos crimes sem materialidade alguma. Felizmente, foram descobertas as farsas por trás das condenações e Lula recuperou seus direitos, apesar de ter ficado 580 dias preso injustamente.
No entanto, neste momento, dezenas ou talvez centenas de casos seguem acontecendo no Brasil e mundo afora. Isso não pode continuar assim, o Direito não pode ser usado de forma tão vil para destruir pessoas, instituições e países.
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LAWFARE EXPLICADO DE FORMA ACESSÍVEL
"(...) para manifestar a minha preocupação relativamente a uma nova forma de intervenção exógena nas arenas políticas dos países através da utilização abusiva de procedimentos legais e tipificações judiciais. O lawfare, além de colocar em sério risco a democracia dos países, é geralmente usado para minar processos políticos emergentes e tende a violar sistematicamente os direitos sociais. A fim de garantir a qualidade institucional dos Estados, é essencial detectar e neutralizar esse tipo de práticas que resultam de uma atividade judicial imprópria combinada com operações multimidiáticas paralelas." (autores citando fala do Papa Francisco, p. 21/22)
O livro é de leitura possível para pessoas que não sejam do meio jurídico ou acadêmico, usa linguagem cotidiana e exemplos que esclarecem os conceitos jurídicos apresentados.
Não diria que este livro seja um livro para um ou outro segmento de pessoas conforme suas visões ideológicas de mundo. A agressão ao Direito e aos direitos por causa do uso indevido das leis para fins políticos, geopolíticos, comerciais e outros fins (lawfare) é ruim para todos porque afasta a crença das pessoas na importância do sistema jurídico e de justiça dos países.
No final do livro, os autores citam 3 casos de lawfare: um comercial, envolvendo a Siemens; outro vitimando um senador republicano do Alasca (EUA); e o caso brasileiro contra o presidente Lula, através da operação Lava Jato.
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SURPRESAS E APRENDIZADOS JÁ NO INÍCIO DA LEITURA
No início do livro já fiquei bastante impressionado com o histórico do conceito de lawfare apresentado aos leitores. Ao longo do tempo, o termo foi mudando de sentido de um extremo ao outro.
Antes, nos EUA diziam que o lawfare era ferramenta usada pelo pessoal dos direitos humanos para obstruir suas ações geopolíticas imperialistas:
"é uma arma dos fracos que usam processos judiciais internacionais e o terrorismo para minar a América." (citando texto do Pentágono na p. 18)
Depois, os EUA passaram a fazer lawfare como arma de guerra, eu diria até guerra neocolonial:
"Assim, lawfare se converte em uma 'estratégia de usar - ou abusar - da lei como um substituto aos meios militares tradicionais para alcançar um objetivo operacional." (citando Dunlap Jr. na p. 19)
COMENTÁRIO - Em linhas gerais, usando as minhas palavras e de forma coloquial, o termo tem um histórico mais ou menos assim:
1. Os poderosos criaram o termo para criticar a estratégia de grupos vulneráveis e frágeis para barrar ou postergar na justiça local ou internacional imposições de vontades dos poderosos sobre os vulneráveis.
2. Após essa fase, os poderosos viram no lawfare uma forma de impor seus desejos imperiais sobre os mais frágeis ou vulneráveis através do direito e da lei como arma de guerra, forma mais barata que as guerras convencionais.
Nas observações e comentários que fiz nas páginas do livro usei algumas vezes a palavra "neocolonialismo" para sintetizar o uso do lawfare por parte do império norte-americano e seus governos e empresas.
Rabisquei o livro inteiro, não daria pra citar muita coisa numa postagem.
MEU CASO - Durante a leitura do livro, tive, inclusive, a certeza de que o que enfrentei em meu último mandato eletivo em nome dos trabalhadores foi um processo de lawfare.
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ENQUADRAMENTO TEÓRICO: A PERSPECTIVA ESTRATÉGICA
"Com efeito, o vocábulo 'estratégia' deriva etimologicamente da palavra grega estrategos, cujo significado é general, comandante, condutor de tropas..."
"(...) o seu original e autêntico objeto é a guerra, a qual, por sua vez, no entendimento clássico de Clausewitz, traduz-se em 'um ato de violência destinado a forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade'."
"Como diz Clausewitz, o objetivo imediato da guerra é 'abater o adversário a fim de torna-lo incapaz de toda e qualquer resistência'."
Citações das páginas 23 e 24.
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ESTRATÉGIA E TÁTICA
"a estratégia é a arte de conceber; a tática é a ciência da execução." (citando Raul François na p. 24)
Outra coisa que já me surpreendeu no início da leitura foi o velho e bom conceito de estratégia e tática, palavras tão utilizadas no movimento social e nos embates políticos e sindicais.
Por mais que eu tenha lidado com objetivos, estratégias e táticas ao longo de décadas de organização e luta política em nome da classe trabalhadora, foi interessante ver a forma como os autores abordam o conceito para seguir na explicação do lawfare.
Os autores afirmam:
"Já podemos concluir, pois, que a política ou a economia subordinam a estratégia e esta, por sua vez, subordina a tática (se referindo a um conceito de Luigi Bonanate em nota). Tal articulação é central na compreensão do lawfare." (p. 25)
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UTILIDADE DE DEFINIÇÕES E CLASSIFICAÇÕES
"Como é de geral conhecimento, as definições e as classificações não são verdadeiras ou falsas, senão que úteis ou inúteis. O critério, portanto, que as preside é o da utilidade, é dizer, sua fecundidade para apresentar um campo de conhecimento de maneira compreensível ou rica de consequências práticas." (Carrió, citado na p. 25)
Sempre disse para dirigentes e trabalhadores em geral que as pessoas deveriam ter pelo menos noções das coisas. O mundo seria um lugar bem melhor se as pessoas não fossem tão sem noção e tivessem uma noção mínima das coisas.
Sendo assim, agora tenho uma noção sobre a questão do lawfare. Isso é bom, todo dia é um bom dia para aprender algo novo.
Amig@s leitores, como já disse na postagem, o livro sobre lawfare é conciso e direto na apresentação do tema: histórico, conceito, dimensões que o lawfare vem tomando no mundo e as graves consequências oriundas dele em prejuízo de pessoas, instituições e países.
Eu recomendo a leitura para todas as pessoas que lidam com política, com direito e com movimentos sociais em geral para que elas tenham ao menos noção do que seja lawfare.
No momento em que lia o livro - li em 3 dias - um de seus autores - Cristiano Zanin - era sabatinado pelo Senado Federal e ao final da sabatina foi aprovada a sua indicação como ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil. Desejo que Zanin faça um bom trabalho na Corte Suprema do país.
Tenho diversificado minhas leituras, estou lendo de tudo. Este foi o 17º livro que li neste ano. Sigo buscando ter noções sobre as coisas do mundo.
Estudar e buscar novos conhecimentos é fundamental, ler é uma necessidade. Sigamos lendo e estudando e nos esforçando para melhorarmos como seres humanos, homo sapiens.
William
Bibliografia:
ZANIN MARTINS, Cristiano; ZANIN MARTINS, Valeska Teixeira; VALIM, Rafael. Lawfare: uma introdução. São Paulo: Editora Contracorrente, 2019.
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