terça-feira, 13 de junho de 2023

Os miseráveis - Victor Hugo (III)



Refeição Cultural

Osasco, 13 de junho de 2023. Terça-feira fria e nublada.


"Guiados por uma espécie de afetuoso instinto, entre os nomes e apelidos do bispo que, como era costume, apareciam no princípio das pastorais e circulares, os pobres da terra escolheram aquele que lhes oferecia um sentido. Assim, só o chamavam de Monsenhor Bienvenu..." (p. 48)


PRIMEIRA PARTE - FANTINE

LIVRO I: UM JUSTO

II. O senhor Myriel torna-se Monsenhor Bienvenu

Ao chegar a sua paróquia, o senhor Myriel viu que a igreja onde estaria com sua irmã e criada era muito maior que o hospital local, ao lado da igreja, e decidiu mudar-se para o lugar menor, mandando deslocar os doentes para a igreja secular com grandes salões.

Ao lermos as anotações das despesas de Myriel, cujo salário de bispo de 15 mil francos é pago pelo Estado, vemos que ele é todo distribuído em benefício de pobres, presos por dívidas, apoios caridosos diversos etc. Somente mil francos é destinado a despesas pessoais.

O senhor Myriel estabeleceu em sua rotina arrecadar ofertas de dinheiro e distribuir tudo que arrecadava entre os mais necessitados da paróquia. 

"(...) Como, de ordinário, há sempre mais miséria entre as camadas inferiores do que fraternidade entre as superiores, tudo era doado, por assim dizer, antes de ser recebido; era como água sobre uma terra seca; por mais que recebesse, o bispo nunca tinha dinheiro, e então despojava-se." (p. 48)

Vemos de início a descrição de um homem justo, é como Victor Hugo nos apresenta o personagem Myriel.

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COMENTÁRIO

Neste capítulo, vimos que o senhor Myriel é uma espécie de padre Júlio Lancellotti da atualidade, padre brasileiro pedagogo e presbítero da igreja católica, da paróquia de São Miguel Arcanjo, no bairro da Mooca, São Paulo. Uma pessoa de práticas caridosas e solidárias em relação aos pobres e necessitados.

O cenário de Os miseráveis é o cenário de uma sociedade do século 19 surgida após a implantação do regime capitalista, ambiente social resultante da Revolução Francesa, uma revolução burguesa. Os burgueses ascenderam ao poder do Estado, contudo, o povo em geral ficou na miséria na qual já vivia antes.

A São Paulo do padre Júlio Lancellotti tem 53 mil pessoas em situação de rua, sem um lar e sem a certeza de um prato de comida para matar a fome por algumas horas do dia. E as temperaturas nesta semana chegarão a 10º durante as noites de junho... e esses milhares de seres humanos estão nas ruas e praças e a todo momento a prefeitura manda retirar as barracas que eles ganham para se protegerem das intempéries.

RELIGIÃO E PODER

Os miseráveis... Por mais que tenhamos figuras louváveis e abnegadas como Lancellotti hoje e Myriel na França burguesa do século 19, é da natureza do capitalismo gerar milhões de miseráveis, miseráveis e miseráveis. Não temos lancellottis e myriels que deem conta... 

E sempre tem a religião misturada com o poder do capitalismo e do Estado burguês... sempre. E naturalmente sempre tem muitos miseráveis... os exércitos de mão de obra disponíveis... coisa boa pra economia, segundo alguns economistas canalhas ou cretinos.

E meus pares da classe trabalhadora talvez nem parem pra pensar a respeito da forma como o nosso país está organizado pelo capitalismo. E pelo poder das religiões mescladas ao capitalismo. Registro que não tenho nada contra a fé legítima das pessoas. Tenho bronca da manipulação da fé, isso tenho!

Vocês notaram que o salário do bispo de Digne, de 15 mil francos, é pago pelo Estado? Aqui no Brasil também temos a política e a religião imbricadas uma na outra. É uma mentira cabeluda dizerem que o Brasil é um país laico... fake news!

A Constituição Federal cidadã de 1988, com avanços importantes após as duas décadas de ditadura civil burguesa militar, registrou que o Brasil não seria um país laico, de cara, no preâmbulo, citando uma divindade de uma das religiões. País laico... piada, né!

A CF fala "promulgamos sob a proteção de Deus"... Imaginem se escolhessem outra divindade... sob a proteção de Alá, sob a proteção de Xangô, de Buda etc...

E as igrejas diversas recebem milhões de dinheiros do Estado brasileiro para fazer o que quiserem com essa riqueza do Brasil e dos brasileiros... na forma de isenções absurdas. 

O que sabemos de fato por ser público é que a riqueza acumulada pelas autoridades constitutivas dos templos da fé está toda na forma de propriedades, dinheiro na conta de bancos e muito dinheiro na conta de alguns humanos, isso sabemos.

Então, menos né! Menos! Não me falem em país laico.

SEM EMPREGOS PARA OS HUMANOS: SÓ O SOCIALISMO E OU COMUNISMO FARÃO DISTRIBUIÇÃO DA RIQUEZA PRODUZIDA PELA HUMANIDADE

Os miseráveis seguirão existindo e aumentando porque a tendência de fim do emprego e dos trabalhos e serviços feitos por seres humanos é real, está aí.

E a tendência é da maioria das formas de trabalho ser feita por máquinas e isso vai gerar uma população cada dia mais miserável. Alguns estudos falam em desemprego da ordem de mais de 50% das pessoas.

Os humanos continuarão a produzir coisas que geram valor de uso e valor de venda (mercadorias), riquezas. Precisamos pôr fim ao modo de produção e apropriação capitalista. Distribuir a riqueza gerada pela produção humana a todas as pessoas é a solução para nossa continuidade na terra.

Temos que falar, refletir e atuar para criarmos uma população mundial educada e politizada, com consciência ambiental e social, e sedenta por salvar-se e ciente de que temos que pôr fim a essa merda do capitalismo e sua lógica individualista.

Os miseráveis de Victor Hugo, uma ficção pensada a partir de uma realidade social real de 160 anos atrás, me faz pensar muita coisa de nosso momento e realidade. É isso, por enquanto.

William


Post Scriptum: clique aqui para ler a postagem anterior sobre essa temática. A postagem seguinte da leitura do clássico pode ser lida aqui.


Bibliografia:

HUGO, Victor. Os miseráveis. Tradução de Regina Célia de Oliveira. Edição especial. São Paulo: Martin Claret, 2014.

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