segunda-feira, 12 de junho de 2023

Os miseráveis - Victor Hugo (II)



Refeição Cultural

Osasco, 12 de junho de 2023. Segunda-feira. "Dia dos namorados" (para o comércio).


"Verdade ou não, o que se diz a respeito dos homens ocupa muitas vezes em sua vida, e sobretudo em seu destino, um lugar tão importante quanto aquilo que fazem." (Victor Hugo, Os miseráveis, p. 41)


PRIMEIRA PARTE - FANTINE

LIVRO I: UM JUSTO

I. O senhor Myriel

O romance começa nos apresentando o senhor Charles Myriel, um padre que se torna bispo de Digne por ter caído nas graças do imperador Napoleão por um simples elogio de passagem num encontro fortuito. Myriel foi tratado como um "simplório" e disse que o imperador era "um grande homem".

O senhor Myriel é bispo há 9 anos em Digne, o ano é 1815. Ele é viúvo e tem 75 anos de idade. Quase nada se sabe a respeito da vida anterior dele. Myriel vive com a irmã mais nova Baptistine e com a criada Magloire, ambas com 65 anos.

É interessante como as descrições físicas e subjetivas das personagens por parte do narrador e ou autor são marcantes em romances bem construídos. É interessante notar que algum tipo de marca social fica em qualquer produto feito pela mão humana, aqui, no caso, um texto de romance do século XIX.

Vejamos a descrição das três personagens apresentadas no início do romance: o senhor Myriel, a irmã Baptistine e depois a criada Magloire. Primeiro a irmã do bispo:

"Alta, magra, pálida, delicada e afável, a senhorita Baptistine era a mais completa expressão da palavra 'respeitável', posto que, para ser considerada venerável, parece necessário que uma mulher seja mãe. Nunca foi bonita; toda a sua vida, uma ininterrupta série de boas obras, acabou por inundá-la de uma espécie de alvura luminosa que lhe dava, ao envelhecer, aquilo que poderíamos chamar de beleza da bondade. O que na juventude fora magreza tornou-se na maturidade, uma transparência diáfana, que deixava entrever um anjo. Era mais uma alma que uma virgem. Sua pessoa parecia ser feita de sombra; corpo apenas suficiente para distinção do sexo; um pouco de matéria contendo uma chama; olhos grandes sempre baixos; um pretexto para que uma alma permaneça sobre a terra." (p. 43)

Interessante a descrição, não? E complexa na avaliação. Percebem as marcas da sociedade da época. Como são vistas as mulheres? E a classe social delas?

Vejamos a descrição da criada Magloire:

"A senhorita Magloire era uma velhinha clara, baixa e muito gorda, sempre atarefada, sempre arquejante, não só por causa de sua natural atividade, como também por causa de sua asma." (p. 43)

Ponto. É o que foi dito da senhora Magloire. As descrições feitas de irmã e criada do senhor bispo de Digne, o senhor Myriel, trazem marcas do tempo, mesmo sendo o escritor um Victor Hugo.

A caracterização do personagem central, o senhor Myriel, foi feita na descrição de sua vida pregressa, em duas páginas, ele foi filho de parlamentar antes da Revolução e fisicamente era:

"Apesar de casado, Charles Myriel, dizia-se, dera bastante o que falar. De muito boa aparência, embora de baixa estatura, era elegante, gracioso, espirituoso; toda a primeira parte de sua vida fora dedicada à sociedade e aos galanteios." (p. 41)

Nada mais se sabe dele, a não ser que quando voltou do exílio na Itália, onde ficou durante o período da Revolução, voltou como padre.

Literatura é uma delícia! Ler é algo central em nossa vida como sujeitos alfabetizados e em busca de novos saberes. Seguiremos lentamente na leitura dessa obra gigante e clássica da literatura mundial.

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COMENTÁRIO

"Verdade ou não, o que se diz a respeito dos homens ocupa muitas vezes em sua vida, e sobretudo em seu destino, um lugar tão importante quanto aquilo que fazem." (Victor Hugo, Os miseráveis, p. 41)


Ao ler essa reflexão em Os miseráveis, acabei pensando a respeito da atualidade dela nos dias que correm, a era das redes sociais que expandiram de forma inimaginável o diz que diz a respeito das pessoas e das coisas na sociedade humana. 

Antes da tecnologia das redes sociais, gastava-se um tempo no boca a boca para se divulgar uma mentira ou uma ilação sobre alguém. Vemos isso em clássicos como as peças dramáticas de Shakespeare ou nos textos claustrofóbicos de Kafka. Quem não conhece a famosa abertura de O processo

"Alguém devia ter contado mentiras a respeito de Joseph K., pois, não tendo feito nada de condenável, uma bela manhã foi preso..." (Franz Kafka, O processo, p. 5)

Hoje, em segundos, pode-se assassinar uma reputação sem que a vítima sequer saiba o que se diz sobre ela. Antes, as ferramentas tecnológicas de comunicação ao menos eram de conhecimento geral, públicas, como rádios, televisões, jornais e revistas. Agora não, as mentiras são espalhadas em milhões de disparos em redes pessoais. Só a pessoa vê.

Na campanha presidencial em 2018, o que se disse, por exemplo, sobre o Fernando Haddad, candidato do PT à Presidência, foi algo inimaginável. Até de estuprador e pedófilo ele era acusado nas redes de mentiras do submundo bolsonarista.

Enfim, a frase de Victor Hugo me deixou por alguns instantes pensando a respeito de eventual consequência sobre o que possa ter sido dito sobre alguém, algo que talvez suplante o que esse alguém fez na prática, na vida real. Se se disse algo de alguém, o alguém talvez nunca saiba...

Hoje, tem uma reunião no mundo sindical bancário sobre causas e efeitos do fechamento de unidades de atendimento à saúde - CliniCassi - da Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil na região Norte do país.

Eu fui diretor eleito justamente da área responsável pelas unidades CliniCassi da autogestão em questão. Nosso mandato ficou marcado na história da Cassi como um mandato muito próximo às bases sociais, não tem como apagar ou negar isso.

Estudei profundamente a estrutura e o modelo de saúde da Cassi, as CliniCassi, a Estratégia de Saúde da Família, o modelo de custeio etc. Esclareci para a representação dos trabalhadores os motivos pelos quais as CliniCassi deveriam ser próprias, fortalecidas e ampliadas em todas as regiões do país.

Até o início de dezembro de 2021, eu era uma das pessoas mais consultadas em nossa comunidade dos bancários, principalmente do banco público BB, sobre as questões relativas à Cassi. De repente, do nada, fui cancelado. Talvez pelos motivos que Hugo ou Kafka abordam em seus universos ficcionais. Vai saber.

A Fetec-CUT CN, organizadora da reunião de hoje sobre fechamento de unidades CliniCassi no Norte, abrange bases sindicais dos Estados e capitais da região Norte e Centro-Oeste do país. Durante o nosso mandato, fiz agendas presenciais de gestão 42 vezes nesses Estados, fortalecendo a Cassi e o modelo assistencial nas bases. 

Tenho certeza de que jamais outro dirigente fará o mandato presencial nas bases como fiz. Aliás, quando passei a ser atacado pelo lado patronal, me boicotando internamente na autogestão, passei a pagar do bolso minhas idas às bases sociais para esclarecer e organizar os associados e seus representantes sobre questões técnicas de gestão de saúde e defender os direitos da comunidade.

Até hoje eu não sei se algo circulou a meu respeito ou se fiz algo que fizesse com que eu fosse cancelado por algumas representações do movimento sindical que ajudei a construir e fortalecer por um quarto de século. Sei que mantive a prática política como aprendi a fazê-la, expondo opiniões francas e honestas e construindo no debate as soluções.

Desejo boa reunião sobre a Cassi e os direitos em saúde dos bancários do BB para as entidades de representação dos trabalhadores. Fechar e terceirizar as unidades de atendimento próprio da Cassi em qualquer Estado, principalmente em Estados como os do Norte e Estados de pouca população assistida, é muito ruim para os participantes e para a autogestão em si. 

Às vezes, vemos na literatura cenas que nos fazem refletir sobre a vida real. Essa é uma das maravilhas da literatura e da leitura.

Vida que segue, como diz o jornalista e escritor Ricardo Kotscho.

Seguimos lendo Os miseráveis... esse clássico vai nos fazer lembrar de nossas misérias materiais e imateriais provavelmente todos os dias... a gente vive numa miséria danada neste mundo mundo vasto mundo.

William

Post Scriptum: a primeira postagem sobre Os miseráveis pode ser lida aqui

Bibliografia:

HUGO, Victor. Os miseráveis. Tradução de Regina Célia de Oliveira. Edição especial. São Paulo: Martin Claret, 2014.

KAFKA, Franz. O processo. Tradução: Manoel Paulo Ferreira. Edição do Círculo do Livro.

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