sexta-feira, 16 de junho de 2023

Leitura: Evocación - Aleida March



Refeição Cultural - Cuba (XXV)

Osasco, 16 de junho de 2023. Bloomsday. (se já não fosse raro ser um leitor de Ulisses, eu o li duas vezes...)


"En Evocación están mis remembranzas, no tengo vocación de escritora, volqué en blanco y negro mis recuerdos más queridos, espero que los que lean mis notas aprecien cuánto esfuerzo y dejación hice de mis cartas, mis poesias que hasta ahora guardaba dentro, muy dentro de mi... Gracias." (Aleida March)


A leitura do livro Evocación (2007), é uma leitura de descobertas e surpresas que deixam o leitor num estado de admiração do início ao fim da história contada a nós pela guerrilheira cubana Aleida March, que após a libertação de Cuba, em 1º de janeiro de 1959, viria a ser esposa e mãe de quatro filhos do grande líder revolucionário Ernesto Che Guevara.

Estávamos andando pelas ruas de Havana Velha, com o senhor Luis Caballero nos guiando e contando as histórias de Cuba, do povo cubano e da Revolução, quando vimos um pequeno estabelecimento que vendia livros usados. Acabei escolhendo um só livro que estava em exposição porque estávamos cumprindo um percurso programado e não queria atrapalhar o grupo. Escolhi este livro de Aleida, com essa linda foto de capa, ela e o Che. Que sorte a minha!

Eu que conheço tão pouco a respeito de toda essa fantástica história do povo cubano que lutou por séculos por sua independência e liberdade do jugo de países imperialistas, pego por acaso para ler um livro de memórias, confessional, de uma mulher que desde muito jovem se indignou com a exploração e miséria de seu povo, lá na sua modesta Santa Clara (antes Las Villas) e decidiu se unir aos guerrilheiros que viriam a passar mais de dois anos nos altos relevos da Ilha - Sierra Maestra e Montañas del Escambray - até que a Revolução por fim libertasse Cuba da ditadura de Batista, apoiada e financiada pelo império norte-americano. Aleida tinha pouco mais de 20 anos de idade quando se juntou aos guerrilheiros.

Quando o leitor começa a leitura e percebe o tom pessoal no qual Aleida nos conta sua história, o leitor fica grudado na leitura, é difícil parar porque queremos logo ver o que vem a seguir, e ela vai contando sobre sua infância, depois adolescência, as dificuldades do povo perante a miséria e a violência de viver sob a ditadura de Fulgencio Batista, e as notícias que a jovem ia ouvindo davam conta que jovens cubanos estavam se organizando para dar um basta a toda aquela situação... e ela ficou sabendo a respeito do assalto ao quartel de Moncada em 26 de julho de 1953, a prisão do jovem líder Fidel Castro... só de escrever aqui eu já me emociono...

"El año de 1956 fue decisivo para mí. Leí y estudié con pasión las páginas de La historia me absolverá, el alegato de defensa de Fidel en el juicio que lo condenó por las acciones del Cuartel Moncada, y sentí que en ese documento se expresaban todos mis ideales y la ruta a seguir para conquistar la plena dignidad patria." (p. 27)

A menina Aleida March teve acesso à época a um documento que mudou a sua vida... ela leu A história me absolverá, de Fidel Castro, e decidiu que as palavras de Fidel eram tudo que ela sentia e queria para a vida dela e para o povo cubano. E desde então, decidiu que iria se unir aos jovens revolucionários e lutar pela libertação de seu país.


Para minha sorte, além de pegar por acaso o livro de Aleida, ganhei um valioso presente do senhor Luis Caballero, 3 livros fundamentais na formação e politização do povo cubano, e entre eles está La historia me absolverá. Nuestra América e Manifiesto Comunista completam o magnífico presente.

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PASSAGENS

O custo da militância...

"Recomensaba entonces una febril actividade, al enfrentarnos a un enemigo cada vez más enardecido; incluso la violencia se ejercía sin tregua y la experimenté em mi propia familia cuando, a raiz de la huelga del 9 de abril, un primo mío, Laureano Anoceto March e su hijo, Eduardo Anoceto Rega, fueron torturados y asesinados." (p. 41)

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O comunismo já era um palavrão nos anos 50 (havia um esforço de demonizar a palavra), mesmo em movimentos de libertação e independência dos povos explorados pelo imperialismo e capitalismo.

"(...) Más tarde supe que era Sidroc Ramos, incorporado ya a las filas de la Columna. Aquella imagen de Sidroc nunca se me ha borrado de la mente; me pareció un 'ruso blanco', tamaña ignorancia política la mía que contribuyó a 'corroborar' lo que se decía de la filiación comunista del Che. Es justo afirmar que en esa época los que carecíamos de una correcta formación política éramos la mayoría, y los prejuicios contra el comunismo estaban presentes en casi todos, y yo no era la excepción." (p. 46)

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A luta de libertação de Cuba não era uma revolução socialista, era de independência e Fidel era o líder de uma luta que começou bem antes com outras lideranças do passado como José Martí, o apóstolo da independência de Cuba. Podemos retroceder pelo menos a 1868 em relação às lutas libertárias.

"Tiempo después, el Che me explicó que creía que la dirección del Movimiento de Las Villas, formada en su mayoría por gente de derecha, me había enviado para vigilar sus movimientos y acciones dada su fama de comunista. De ahí su renuencia a que me quedara en el campamento, desconocedor como era de las verdaderas razones que me mantenían fuera de la ciudad." (p. 48)

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A ética e a moral de um grupo revolucionário - Che Guevara sempre acreditou que um grupo de guerrilheiros bem treinados e crentes na causa que defendia teria mais chances de vencer do que um exército maior e sem acreditar na causa a que servia.

"Era alguién que se enfrentaba a un enemigo superior en hombres y en pertrechos, pero carente de moral para vencer a un grupo de rebeldes. Además de su arrojo, los guerrilleros contaban con la conducción de un jefe con extraordinaria capacidad técnico-estratégica, devenido un ejemplo permanente que irradiaba a los demás." (p. 49)

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Quem disse que um revolucionário não pode ser terno e romântico?

"A pesar de lo que estaba ocurriendo a nuestro alrededor, el Che intentaba mostrarme algo de sus sentimientos y lo hacía con la poesía. Después supe que representaba para él una de las formas más hermosas de expresarse." (p. 50/51)

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O Sancho Pança de Che, pelo menos na lealdade e na constância...

"He llegado a pensar que ahí comenzó el Che a conocerme verdaderamente y, sobre todo, a valorar algo que consideraba una de mis mejores cualidades: decir siempre lo que pensaba, aunque supiera que me reprenderían por ello. Al menos por ese lado tenía una compañía que, aunque distaba mucho de ser Sancho Panza en sagacidad y sabiduría, le era leal y constante." (p. 55)

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'Justiçamento" para os crimes de guerra...

"Ante tanta barbaríe había que comenzar a actuar con rapidez. Ya en la Comandancia, Marta Lugioyo, nuestra compañera, abogada de profesión, redactó las órdenes de fusilamiento, acompañadas del listado con los nombres de los que debían ser ajusticiados por haber cometido crímenes atroces." (p. 67)

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La Habana e o deslumbramento... A verdadeira luta revolucionária começou assim que Cuba alcançou a libertação e a independência, ali começava em 1º de janeiro de 1959 a verdadeira batalha para implantar uma sociedade mais justa e solidária para o povo cubano.

"En la mañana el Che trabajó en la casa, en una pequeña oficina, para después retornar a la Jefatura. En el trayecto, los que lo seguimos íbamos curioseándolo todo: los jardins, la vista al mar, maravillados de lo agradable del lugar. Éramos los desposeídos, quienes por primera vez nos sentíamos dueños de nuestro destino. Nos enfrentábamos a las primeras brisas. El Che ya había advertido que a partir de ese instante era que comenzaba la verdadera lucha revolucionaria." (p. 73)

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Che e a importância da educação e formação política, a ética como foco.

"Era um movimiento incesante que perseguía como objetivo central la formación del Ejército Rebelde. Se crearon escuelas de alfabetización y seguimiento, con mucho esfuerzo y tesón porque no pocas veces daban las evasivas e indisciplinas de soldados, que en el combate fueron ejemplo de valentía y coraje y, sin embargo, no eran capaces de entender el porqué de las nuevas exigencias." (p. 78)

E mais, mesmo os soldados das escoltas a ele e nos locais onde tinha que permanecer, não faltava o foco na alfabetização e educação:

"(...) Allí también el Che tenía implantado un régimen de disciplina, con maestro y todo, para que los soldados de la escolta continuaran sus estudios." (p. 86)

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Impessoalidade e sem nepotismo. Che e Aleida eram recém-casados e, mesmo ela sendo secretária particular dele, Che foi incisivo em afirmar que ela não o acompanharia na viagem internacional que Fidel pediu que fizesse. Nem o Comandante em Chefe Fidel Castro o demoveu da ideia...

"Fue el momento en que comencé a conocerlo com mayor profundidad, cuando me argumentó que además de secretaria era su esposa y que se vería como un privilegio mi presencia, porque los otros no podian hacerse acompañar de sus compañeras." (p. 95)

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REFLEXÕES APÓS O TÉRMINO DA LEITURA

Durante a leitura das evocações de Aleida March, eu estava viajando na guerrilha ao lado dos revolucionários e revolucionárias e a leitura estava muito fácil e prazerosa. Finda a fase de libertação, começou a fase de construção de uma nova sociedade cubana. E dá-lhe trabalho revolucionário para esta tarefa triunfar...

Uma segunda parte das evocações de Aleida, foi essa da construção da República Socialista de Cuba. Che Guevara foi responsável por grandes tarefas que exigiam um alto nível intelectual. Foi responsável por organizar o sistema financeiro, foi responsável por implantar um sistema industrial no país, e foi uma espécie de porta-voz de Cuba no cenário internacional. Viajou o mundo para isso. 

Ou seja, entre os anos de 1959 e 1965 Che Guevara foi um dos grandes construtores da nova sociedade cubana, um grande parceiro do Comandante Fidel Castro e do povo cubano.

Não teria como citar nesta postagem tanta história sobre tudo isso. Eu recomendo muito às pessoas interessadas na história de Cuba e das lutas por um mundo alternativo ao mundo capitalista que leiam o livro de Aleida March. O livro está disponível em português e vi pela internet que é possível adquiri-lo em sites de livros usados.

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A DESPEDIDA DE CUBA, DE ALEIDA E OS ANOS NO CONGO E NA BOLÍVIA

A terceira parte do livro foi bem mais difícil de ler. Virei um chorão! Já começa pela descrição de Aleida à página 152 e 153 de minha edição em espanhol. 

Além das cartas deixadas, Che deixou fitas cassete com os poemas que eles mais gostavam gravados para a sua amada. As últimas 50 páginas das evocações de Aleida foram muito emotivas. Muito.

Amig@s leitores, por mais que eu tenha lido alguma coisa sobre a história dessa figura lendária, Che Guevara, eu nunca imaginaria tudo que passei a saber após ler as recordações de sua companheira Aleida March.

O período da vida de Che entre 1965 e 1967 me era desconhecido, quer dizer, eu sabia aquilo que já havia lido, de um ou outro escritor, estudioso ou do mundo dos meios de comunicação, sempre enaltecendo ou demonizando o mitológico Che Guevara... mas saber desse período através de sua amada companheira - "mi única el en mundo - como ele a chamava, isso jamais imaginaria saber.

Recentemente, o livro do professor Miguel Nicolelis - O verdadeiro criador de tudo (ler comentário aqui) -, neurocientista que estuda o cérebro humano há 40 anos, me impactou de forma nunca sentida antes ao ler um livro. Encontrei respostas a questionamentos que fazia há décadas na minha vida.

O livro que acabo de ler, de Aleida March, sobre suas recordações pessoais que se dão num período que abrange a Cuba da ditadura de Batista e da guerrilha pela liberdade do país, o encontro e amor vivido com Che Guevara e a construção de uma nova sociedade socialista em Cuba, foi um livro que me impactou muito também. Nem sei explicar o porquê.

É isso! Feita a leitura do 16º livro deste ano. Como nos ensinou Che Guevara e Fidel Castro devemos estudar e ler todos os dias, todos os dias, para criarmos homens e mulheres novos, e uma sociedade nova.

William


Bibliografia:

MARCH, Aleida. Evocación. Fondo Editorial Casa de las Américas, 2008.


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