quinta-feira, 15 de junho de 2023

Os miseráveis - Victor Hugo (IV)



Refeição Cultural

Osasco, 15 de junho de 2023. Quinta-feira chuvosa e fria.


"O cadafalso, com efeito, quando está lá, preparado e aprumado, tem qualquer coisa que alucina. Podemos ter certa indiferença em relação à pena de morte, podemos não nos pronunciar, dizer sim ou não, enquanto não virmos com os próprios olhos uma guilhotina; mas, se encontramos uma, o abalo é violento, temos de nos decidir a favor ou contra..." (p. 55)


PRIMEIRA PARTE - FANTINE

LIVRO 1: UM JUSTO

III. Para bom bispo, bispado difícil

Neste pequeno capítulo, vemos o bom Myriel percorrendo sua base social, ele amassa barro de verdade, vai mesmo às bases.

Como transformou o valor da carruagem a que teria direito em esmolas, anda à pé, à cavalo ou de jumento, respondendo às gozações dizendo "do mesmo meio que usou Jesus Cristo".

Usa de muitos exemplos de comunidades locais para pregar para a sua base. Tipo a citação abaixo:

"Vejam o povo de Briançon. Concederam aos indigentes, às viúvas e aos órfãos licença para ceifar seus prados três dias antes de todos os outros. Reconstroem gratuitamente suas casas quando elas estão em ruínas. Por isso aquela terra é abençoada por Deus. Durante todo o século não houve um único assassinato".  (p. 49)

Que personagem simpático, né não?

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IV. Obras semelhantes às palavras

Interessante este capítulo. Através dos sermões e repreensões do monsenhor Bienvenu, os leitores acabam conhecendo um pouco dos usos e costumes de época, primeiras décadas do século 19.

As casas de pobres e miseráveis não tinham janelas porque se tivessem teriam que pagar imposto por elas. Imaginem o ambiente insalubre no qual viviam as maiorias que não pertenciam às burguesias e nobrezas.

"(...) e, finalmente, trezentas e quarenta e seis mil cabanas, cuja única abertura é a porta. E isso por causa do denominado imposto de portas e janelas! Coloquem pobres famílias, velhas senhoras e criancinhas dentro dessas habitações, e verão as febres e as doenças! Oh! Deus dá o ar aos homens e a lei o vende!..." (p. 52)

JUSTIÇA CORRUPTA - O promotor do rei faz como juízes e procuradores da Lava Jato para condenar pessoas...

O narrador cita às páginas 53 e 54 um caso nos moldes da sacanagem que rolava na "República de Curitiba". Uma mulher que usou moeda falsa feita pelo marido não quer denunciá-lo porque a pena era capital, morte. O promotor inventa que o marido dela tinha uma amante, gera ódio e ciúmes de forma mentirosa na esposa do falsificador e a mulher abalada com a questão entrega o marido para a condenação fatal... O padre Myriel pergunta ao final do caso:

"- E onde será julgado o promotor do rei?" (p. 54)

REFLEXÃO SOBRE A PENA DE MORTE: além da citação que abre esta postagem, temos a sequência dela abaixo:

"A guilhotina é a concreção da lei, chama-se vingança, não é neutra nem permite que se fique neutro..." (p. 55)

O destaque na palavra "vingança" é do autor, não minha.

O capítulo termina com reflexões sobre essa questão da pena de morte. Reflexão muito boa. Me lembrei das reflexões que fiz sobre isso muito tempo atrás. Até hoje, o tema pena de morte me traz grande angústia e reflexões.

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COMENTÁRIO: A PENA DE MORTE NUM MUNDO DE INJUSTIÇA...

Imaginem vocês se houvesse pena de morte no Brasil da operação Lava Jato... imaginem só! Quantos empresários e políticos teriam sido guilhotinados com condenações inventadas ao bel-prazer daquela gente má e psicopata que operava à margem das leis e procedimentos legais?

Mesmo não havendo formalmente pena de morte no país, é possível refletir a respeito de pessoas que morreram devido à sanha incontrolável de procuradores, delegad@s e juízes que manipulavam a lei em nome da Justiça do país para inventar crimes, destruir vidas e empresas impunimente e enriquecer os operadores da Lava Jato. 

Basta um exemplo de morte de pessoa inocente, mesmo sem termos pena de morte formal no Brasil: o reitor da UFSC Carlos Cancellier, que perdeu a vida após uma sessão de tortura e humilhação por parte daquela gente sem freio da "República de Curitiba". A responsável pelo suicídio do reitor segue impune, assim como estão impunes toda aquela gente que fez o que quis com pessoas durante anos sem freio algum.

E para além daquela desgraça da Lava Jato... 

PRETOS E POBRES - Imaginem vocês se houvesse pena de morte no Brasil racista do assassinato em massa de pretos e pobres... imaginem só! As estatísticas estão aí... imaginem se a lei ainda mandasse o Estado matar...

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Em Os miseráveis, o padre Myriel acaba precisando dar assistência a um condenado à morte e após acompanhá-lo até o martírio final, o representante da igreja da época (burguesa e parte do sistema) sai modificado do evento.

Quando entrei para o movimento sindical como representante eleito pelos trabalhadores, tinha um dilema a resolver comigo mesmo: ser a favor ou contra a pena de morte. 

À época, li diversos artigos e estudos a respeito do tema, vi filmes sobre o tema, e após muita reflexão e estudos, cheguei à conclusão que não poderia ser favorável à pena de morte por parte do Estado. 

Mais de duas décadas se passaram sobre minhas reflexões e ainda hoje avalio que o Estado não deve tirar a vida de uma pessoa. 

A pena capital não tem volta para o caso de eventual erro, seja um erro por incompetência da Justiça, seja por má-fé no processo, como vivemos hoje com os processos de lawfare para assassinar reputações e pessoas e empresas.

É isso! A leitura de Os miseráveis acaba sendo uma oportunidade para reflexões. Como disse dias atrás (texto aqui), vivo com um mal-estar que me angustia o viver, e se eu não escrevesse ao menos, acho que não suportaria continuar.

William


Post Scriptum: clique aqui para ler a postagem anterior sobre essa temática.

Bibliografia:

HUGO, Victor. Os miseráveis. Tradução de Regina Célia de Oliveira. Edição especial. São Paulo: Martin Claret, 2014.

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