quarta-feira, 12 de março de 2008

Romaria 2006 - Um teste de perseverança, resistência e humildade


Com a família querida.

Refeição Cultural

Tem um saber popular que diz que todo mundo precisa, às vezes, de um recolhimento ou isolamento para reflexão e busca pessoal.

Encontro esse meu momento todas as vezes que vou a Minas Gerais para fazer a caminhada entre as cidades de Uberlândia e Romaria, um percurso que varia de 73 a 90 quilômetros, dependendo de onde se sai.

Passeio ao Sol

Neste ano (2006) saí do trevo da cidade (trevo para Araxá), às 11 horas da manhã de sexta-feira, Sol a pino, e procurei levar pouco peso na mochila.

Apesar do caminho estar lá como sempre, este que vai por ele é outro a cada ano, inclusive com a quilometragem da vida maior.

De posse de um panfletinho com as distâncias entre cada um dos pontos de referência para o romeiro, iniciei os primeiros 6,7 km do trevo de saída para Araxá até os Olhos D’água.

Tinha como meta não perder muito o ritmo de fazer cada quilômetro andado na faixa dos 10’ (minutos), pois sempre começo andando bem e vou terminar me arrastando a mais de 20’ o km.

Em 2005, fiz o percurso em 23 horas.

Cheguei às 12:10h. Descansei 15’ e saí para 8,1 km até a ponte do Rio das Velhas. Percebi que estava adiantado no tempo em relação à multidão de gente que sai para a Romaria no entardecer de sexta-feira, ou seja, pegaria estrada com bem poucos romeiros.

Depois de uma boa descida, cheguei à ponte às 14h. O ritmo estava bom. Eu estava bem. Nem gosto de lembrar que no ano anterior cheguei ali com os pés arrebentados, o que viria a me trazer muito sofrimento até o fim.

Descansei 15’ e saí para uma senhora subida de uns 4 km até o trevo de Miranda. Apesar do Sol escaldante, cheguei às 14:50h. Minha estratégia desta vez de ir trocando as meias a cada parada para não andar com elas úmidas foi positiva. Enquanto usava um par, o outro secava pendurado na mochila.

Saí para andar 7,8 km até o Posto Triângulo. 100 minutos depois, cheguei. Ainda estava bem – pés e corpo.

Descansei 15’ e saí às 16:45h pensando em andar ao menos mais 6 km antes de anoitecer.

Passei pelo trevo de Araguari às 17:30h e vi, às 18 horas, um Pôr-do-Sol maravilhoso, acentuando aquela paisagem ressequida tão comum na região no mês de agosto.

Parei no Posto N. Sra. Da Guia às 18:50h para comer meu lanche (pão com mortadela). Já havia andado 36 km e estava relativamente bem, mas já percebia a prenhez de meus pés: creio que esperava 3 bolhas.

Então, fez-se noite (total)

Saí às 19:10h para uma esticada de 11 km até a Antena.

A estrada estava bem deserta. Breu total. Um céu com estrelas de pegar com a mão (infelizmente não temos esta visão na Grande São Paulo).

Normalmente esta ida até a Antena é muito sofrida, pois é muito longe e quando os romeiros veem a luz vermelha e acham que chegaram ainda faltam uns 5 km.

Nasce a Lua: a noite vira dia

Assim como vi o Sol se pôr em minhas costas, vi nascer à minha frente uma Lua Cheia esplendorosa em seu segundo dia. É interessante não se sentir só quando você está acompanhado por nosso astro maior ou nosso satélite. Já estando somente com aqueles milhões de estrelas, a sensação é outra.

Cheguei à barraca de ajuda aos romeiros da Antena às 22h. Estava cansado. Tomei a famosa sopa de legumes reconfortante.

Conversei um pouco com os conhecidos que fui fazendo ao longo do caminho. Descansei 40’. Já estava com 2 bolhas.

Saí para outra esticada maior ainda. Agora teria que andar 12,5 km até o Posto Santa Fé.

Por incrível que pareça (quando lembro anos anteriores!) cheguei ao posto à 1h da manhã, ou seja, fiz em 140’. Caminhava para fazer o meu melhor tempo.

Já estava com 3 bolhas.

A barraca de ajuda é a do Exército Brasileiro. Tapei minhas bolhas com esparadrapo, comi um belo pão com manteiga e café e parti. Agora só faltavam 3 pontos ou 14 km.

Saí à 1:30h para andar 6km até o Atalho. Dores nas bolhas e pelo corpo. Mas eu estava muito concentrado. Cheguei às 3h.

Desde que saí da Antena andei praticamente 5 horas pela madrugada sem encontrar ninguém na estrada. Era eu, a Lua e meu walkman - que os mais novos nem devem saber o que é: um aparelho portátil de tocar fita-cassete, antecessor pré-histórico do iPod.

Este é meu velho toca fita. Acreditem!
Ele tem mais de 20 anos. Funciona normalmente.
A troca de fita desperta o sono na madrugada.

Não parei para descanso, pois corre-se o risco de travar geral. Agora faltavam 8 km até a Igreja da cidade.

Este percurso final é pelo mato, por estradas de terra e cascalho, com aquela terra vermelha. Tem uma descida absurda, difícil de se controlar o corpo extenuado e, após atravessar um riozinho, tem uma subida de mais de 1 km de terra que arrebenta qualquer um.

Existe uma mescla de dor e esperança, quando você está chegando, indescritível. Andei a última hora ouvindo dezenas de galos anunciando o amanhecer na cidade.

Cheguei à Igreja de N. Sra. Da Abadia às 5 horas da manhã (desta vez fiz em 18 horas). Não é preciso ter religião alguma para sentir tamanha emoção e alívio.

Impressões marcantes

Sempre tento descobrir o que me faz todo ano aguardar ansiosamente o dia de pôr os pés na estrada para mais uma caminhada. Esta foi minha 7ª vez.

Tenho algumas respostas, não todas.

Se eu fizer um 'brain storm' ou 'toró de parpite' virão facilmente algumas coisas.

O Pôr-do-Sol fantástico;
O céu de pegar estrelas com a mão;
Aquela Lua maravilhosa;
Saber suportar a dor, as dores;
Aquele povo tão brasileiro na estrada!;
Aqueles ipês amarelos na paisagem;
A vontade supera tudo;
As pessoas se ajudando;
Apesar de mais velho, fiz meu melhor tempo (18 horas);
O velhinho ao meu lado no ônibus da volta fez em 13 horas (sejamos humildes!);
É um bom período para se pensar a vida;
Sinceramente, as bolhas não são nada!

Voltei reconfortado.

Ainda posso muita coisa. Isso é bom!

William Mendes
(Apenas um entre tantos)
13 de agosto de 2006

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