Refeição Cultural - Cem clássicos
"Profundamente
Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Vozes cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.
No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam errantes
Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?
- Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente
*
Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci
Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avó
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?
- Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente."
Neste sábado à noite, 24 de abril, reli o livro de poesias de Manuel Bandeira, Libertinagem (1930). Foi a enésima leitura. Li em voz alta, declamei, interpretei. Até chorei com a "Evocação do Recife". Também me emociono muito com outros poemas do livro.
Durante minhas viagens a trabalho a Recife, tanto no Sindicato quanto na Cassi, era comum nas conversas com os recifenses falarmos do poema de Bandeira e citar as ruas. Ainda hoje esse poema é muito presente para os pernambucanos.
Neste mês de abril, dei uma atenção aos modernistas. Reli Oswald de Andrade e Mário de Andrade, 3 livros daquele e o Pauliceia Desvairada deste. Quero reler Macunaíma, mas vou começar duas leituras clássicas pesadas e o nosso herói sem caráter vai esperar um pouco (ou seja, "sem caráter" significa sem característica bem definida, já nos explicava o professor Wisnik).
Essas leituras dos modernistas são leituras de descansos das leituras engajadas, a do Moby Dick, um catatau de 650 páginas que pretendo acabar hoje, e a do neurocientista Miguel Nicolelis sobre o cérebro humano, criador de tudo. Uma leitura de ciência.
É difícil escolher um ou dois poemas do Libertinagem, ele é muito marcante. Muitos poemas são bastante conhecidos como, por exemplo, "Vou-me embora pra Pasárgada", "Andorinha" e "Poética", que já declamei em sarau.
Difícil escolher um poema para brindar essa postagem...
Pelo contexto no qual vivemos hoje, escolhi o "Profundamente", poema que tive o privilégio de ver analisado em sala de aula na Universidade de São Paulo.
O "Poema de Finados" também é muito forte e muito adequado a milhares de famílias que enterram seus familiares vitimados pelo genocídio da pandemia, genocídio causado pelo regime político que viu no vírus uma oportunidade de barbarizar o país.
Enfim, esse é um clássico a se ler toda hora, todo dia, a vida toda.
William
Bibliografia:
BANDEIRA, Manuel. Libertinagem & Estrela da manhã. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
Nenhum comentário:
Postar um comentário