Refeição Cultural
O que é o tempo? O que é a vida?
Pensadores do mundo, de diversas épocas, já se perguntaram a respeito dessas questões, e já se pegaram num beco sem saída porque é difícil responder tais questões. Tempo, vida...
Lendo o livro do neurocientista Miguel Nicolelis, O verdadeiro criador de tudo, um livro sobre o funcionamento do cérebro humano, vi um conceito interessante sobre a vida: viver é dissipar energia para poder embutir informação na massa orgânica do organismo.
Difícil definir a vida, difícil definir o tempo. Dei um exemplo acima de definição de vida. Li recentemente vários textos críticos e filosóficos sobre o tempo, através de disciplinas que fiz na faculdade de Letras. Seria somente o presente, o instante, o tempo possível?
O passado não existe, a não ser quando trazido para o presente na forma de memória do ser que relembra, ou na forma de registro histórico. O mesmo se dá em relação ao futuro, que evidentemente não existe (que futuro?). O único futuro que existe é o presente, o instante, que já vira passado e já não existe mais.
Então a minha vida é informação registrada no meu cérebro, no meu corpo, na minha pele, no meu coração, nos meus ossos, nas minhas mãos, no meu tato, nas minhas partes genitais. Nos meus olhos. Nos meus lábios. Nos salões dos meus ouvidos, meu cérebro. E nos meus blogs e escritos, nas fotos que tiverem comigo, nos documentos que constarem meu ser. Enquanto durarem. Enquanto durar a memória de minha existência passageira.
Estou ouvindo músicas. Música é uma das coisas que mais me faz viajar através do tempo, do meu tempo transcorrido na vida, na minha vida, e me faz acessar as informações registradas na minha massa orgânica ao dissipar energia e viver.
Em mais de meio século de dissipação de energia e registro de informações em minha massa orgânica é possível resgatar várias imagens, sensações, coisas, dentro do corpo vivo que sou. E ao morrer morrem comigo essas informações registradas nas minhas partes orgânicas. E o que é a vida? E o que é a morte? E o que é o tempo?
Cada música que passa, um novo (velho) instante resgatado nas memórias, as tais informações embutidas na massa orgânica que respira neste instante, dissipando energia, transformando glicose e oxigênio em energia.
(e a cada instante que passa, alguém não consegue respirar no Brasil e produzir energia para registrar informações no seu ser - o viver... - a cada instante alguém sufoca como consequência do vírus do regime fascista de Bolsonaro: bolsonaros, meus tios, primos, vizinhos, colegas bancários: todos eles responsáveis pelo afogar de vidas humanas que não são mais)
Hoje lembrava de instantes registrados em minha massa orgânica, no meu cérebro - entendo que essa massa de neurônios é o que sou. Durante anos, falei aos trabalhadores bancários em assembleias lotadas o que acreditávamos e o que defendíamos para a categoria que representávamos. Já falei para milhares de pessoas. Está registrado (embutido) em minha memória. Onde mais está registrado? (a história não existe, ou existe quando está registrada)
Agora escuto uma música que me faz lembrar de liberdade, de andar, correr, voar, de fazer coisas ousadas, coisas loucas. Vem em minha memória o som dos velames dos paraquedas balançando com o vento. Por diversas vezes voei ao saltar de paraquedas. Piracicaba. Cheguei a ficar onze minutos no ar, descendo lentamente com o paraquedas freado, só para curtir o voo. Me lembro de urubus voando abaixo de mim. Informações embutidas em minha massa orgânica. Um dia, se dissipam comigo, quando eu não dissipar mais energia para viver.
Talvez seja por causa do registro em minha memória que admire tanto o planar dos urubus a partir da janela de minha casa em Osasco. Eles planam com uma leveza impressionante, sem esforço algum, é impossível não se admirar com eles. Os humanos talvez não apreciem os urubus porque somos uns tontos que avaliam tão nobre ave pelo que elas comem. Todo ser vivo come alguma coisa, dissipa energia para embutir informação em sua massa orgânica, vida.
O que é a vida? O que é o tempo? O que somos?
Quando morrer, morre comigo um monte de coisas, informações, sensações, uma personalidade que esteve por aí ao longo de certo tempo. Tempo? Vida?
William
Post Scriptum: por quase trinta anos fui bancário, e boa parte das minhas memórias têm relação com esse período (e tem mais uma década de trabalhos braçais até os vinte anos). A memória são fragmentos e instantes registrados, são cargas elétricas, sinapses nos neurônios. Mas ao ouvir Amazing (Aerosmith) e ver Alicia Silverstone e ao final o sky surf, me parece que foi dali que tive o sonho de voar e saltar de paraquedas. O álbum é de 1993 e foi através de uma Folha Bancária no início dos anos dois mil que vi um convênio do Sindicato com uma escola de paraquedismo. Dali juntei a fome com a vontade de comer e realizei uma de minhas mais memoráveis dissipações de energia para embutir informação na massa orgânica. A adrenalina daqueles saltos era algo incrível. Fiz 14 saltos. Vivi.
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