sábado, 10 de abril de 2021

Moby Dick - Peixes presos e peixes livres



Refeição Cultural

Ufa! Cumpri meu objetivo de leitura deste sábado, 10 de abril, um dia de outono com clima seco e quente. Li 55 páginas de Moby Dick, cheguei ao capítulo 100 e passei da página 500. Mas foi preciso esforço e foco e andei com o livro pra lá e pra cá em casa o dia todo. Foi o 16º dia de leitura da obra clássica de Herman Melville. 

A leitura do dia teve capítulos cheios de filosofia. Ao longo da narrativa já lidei com diversas passagens com reflexões sobre a vida e sobre a natureza. Mas hoje o capítulo 89 - "Peixes presos e peixes livres" - foi o que mais me chamou a atenção em relação a isso.  Eu poderia compará-lo ao capítulo consagrado de Machado de Assis sobre o "Humanitismo", teoria do personagem Quincas Borba.

O narrador Ismael nos conta sobre as regras que predominam nos mares em relação à pesca das baleias e a partir daí vai filosofando sobre a regra como uma teoria geral que pode ser válida para tudo, inclusive para a sociedade humana. É evidentemente uma regra que explica ou que justifica a supremacia dos mais fortes e mais adaptados, assim como a teoria de Quincas Borba - "Ao vencedor as batatas" - e como a teoria da evolução das espécies.


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"I. Um peixe preso pertence à parte à qual está fixo.
II. Um peixe solto está à disposição da parte que puder capturá-lo primeiro." (p. 453)
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O narrador cita um caso no qual um grupo de baleeiros pobres e humildes perde uma pesca para outro sujeito e um juiz favorece o segundo, deixando os trabalhadores que exerceram a pesca na mão e sem nada. 

Daí, ele engata a teoria na qual o mesmo se daria nas relações humanas.

"(...) essas duas leis relativas aos peixes soltos e aos peixes presos serão consideradas, se bem refletirmos, como os fundamentos de toda a jurisprudência humana, porque, apesar de seu complicado traçado, o templo da lei, como o templo dos filisteus, tem apenas duas colunas onde apoiar-se." (p. 455)

A partir daí, o narrador explica sobre a questão da posse e a teoria vai se completar. Vale tudo, a escravidão, a invasão de terras, países etc.

"Não anda por acaso na boca de todos o adágio segundo o qual a posse é meio direito, isto é, independente da maneira como se adquiriu essa posse? Porém, frequentemente a posse é o direito absoluto. Que são os músculos e as almas dos servos russos e dos escravos republicanos, senão peixes presos, cuja posse significa todo o direito?" (p. 455)

E tem mais exemplos, a lista de argumentação é grande para dizer que tais coisas não são mais que peixes presos. E que outras tais são peixes livres. A narrativa é de 1851, portanto antes da guerra civil norte-americana, antes do fim da escravidão também.

"Que era a América, em 1492, senão um peixe solto no qual Colombo cravou o estandarte espanhol, marcando-o para os seus reais senhores? Que é a Polônia para o czar? Que é a Grécia para o turco? Que é a Índia para a Inglaterra? Que virá a ser, com o tempo, o México para os Estados Unidos? Todos estes são peixes soltos." (p. 456)

E aí chegamos ao momento no qual estamos vivendo, sob golpe de Estado no Brasil, sem leis, com todos os poderes abusivamente favorecendo o 1% dos animais humanos no país em detrimento da miséria e genocídio dos outros 99%. 

Poderíamos parafrasear o narrador de Moby Dick e dizer que tudo isso que acontece no Brasil nada mais seria senão peixes soltos.

"Que são os direitos do homem e as liberdades do mundo, senão peixes soltos? Que são as mentes e as opiniões dos homens, senão peixes soltos? Que é o princípio da crença religiosa nessas opiniões, senão peixe solto? Que são as ideias dos pensadores para os charlatães gabolas, senão peixes soltos? Que é o próprio globo, senão um peixe solto? E que serás tu, leitor, senão um peixe solto e um peixe preso, ao mesmo tempo?" (p. 456)

Sem mais, fica pra vocês a questão.

William


Bibliografia:

MELVILLE, Herman. Moby Dick. Tradução de Berenice Xavier. São Paulo: Publifolha, 1998.


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