Refeição Cultural
Conhecendo um pouco de Wim Wenders
O primeiro filme que vi do cineasta alemão Wim Wenders foi Asas do Desejo (1987), e fiquei encantado com a temática e a forma como o diretor retrata a cidade de Berlim e as personagens.
Do primeiro filme até ver o trabalho seguinte de Wenders se passaram alguns anos. Fiquei um tempão querendo ver o filme com Nastassja Kinski, Tão longe, Tão perto (1993), uma sequência de Asas do Desejo.
Aliás, quando vi o filme com a história dos anjos, de 1987, queria na verdade ter visto o filme de 1993, mas o primeiro era o que estava disponível a mim numa coleção de filmes que tenho em casa.
Mais recentemente, ouvi de novo o nome de Wim Wenders ao tomar conhecimento do filme Dias Perfeitos (2023), que concorreu ao Palma de Ouro e foi o filme japonês selecionado para concorrer ao Oscar em 2024. O filme é tocante, mexeu comigo.
Agora, conheci o documentário Tokio-Ga (1985), no qual Wenders faz uma homenagem ao grande diretor japonês Yasujiro Ozu. Gostei do documentário! Sempre tive interesse pela cultura e pelo estilo de vida do povo japonês.
Ainda neste comentário, compartilho minha impressão a respeito dos documentários sobre as perspectivas do cinema nos anos oitenta, o Papa Francisco e também a cena musical de Cuba, roteiros e direção que emocionam os espectadores.
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FILMES
Quarto 666 (1982)
Direção: Wim Wenders
SINOPSE (MUBI):
Em um quarto de hotel no Festival de Cannes de 1982, Wim Wenders inicia uma pesquisa entre seus colegas sobre o futuro do cinema. Godard, Fassbinder, Spielberg, Antonioni, Herzog e outros cineastas respondem à pergunta: "O cinema é uma linguagem prestes a se perder, uma arte prestes a morrer?"
OPINIÃO DO MUBI:
De Godard a Antonioni, Herzog a Spielberg, Wim Wenders reúne os grandes e bons nomes do cinema mundial para refletir sobre uma questão existencial. Esclarecedor e hilário, Quarto 666 considera a estética da televisão e pergunta se seus efeitos poluentes serão a sentença de morte da sétima arte.
COMENTÁRIO:
Muito interessante ver a temática do futuro do cinema na época na qual os videocassetes trouxeram o cinema para a casa das pessoas. Junto aos filmes em casa, já havia a questão do espaço que a televisão ocupava na vida do povo, incluindo os catálogos de filmes e séries na TV. O cinema sobreviveu. Quatro décadas depois, podemos dizer que a questão colocada por Wenders aos cineastas dos anos oitenta segue merecendo uma reflexão: qual o futuro do cinema no século XXI mediante as novas formas de entretenimento como as plataformas digitais e a Inteligência Artificial?
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Tokio-Ga (1985)
Direção e roteiro: Wim Wenders. Com: Chishu Ryu, Yuharu Atsuta, Werner Herzog. Narrado por Wim Wenders.
SINOPSE:
Documentário sobre o cineasta japonês Yasujiro Ozu, gravado na primavera de 1983, em Tóquio, por ocasião dos vinte anos do falecimento de Ozu. Wenders entrevista o diretor de fotografia que mais trabalhou para Ozu, Yuharu Atsuta, e Chishu Ryu, o ator favorito do diretor japonês. Wenders registra cenas da Tóquio contemporânea, com máquinas de jogos eletrônicos como o Pachinko e produtores de comida de plástico, que enfeitam as vidraças das casas de comida em Tóquio.
COMENTÁRIO:
Achei interessante Wenders dizer que gosta de filmar as coisas do cotidiano como forma de nos mostrar a verdade das coisas, ou algo com esse sentido. Ozu tinha uma técnica ímpar de filmar o cotidiano e sua simplicidade e rotina. Podíamos conhecer Tóquio e os japoneses através dos filmes de Ozu.
Por outro lado, é doido pensar hoje que o mundo do som e da imagem é justamente o contrário: as redes sociais e as plataformas digitais se tornaram a fonte de um mundo fake, de faz de conta. O que as pessoas menos são na realidade é o que elas demonstram ser nas telas. Que foda isso!
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Asas do desejo (1987)
Direção: Wim Wenders. Roteiro: Wim Wenders e Peter Handke. Trilha Sonora: Jürgen Knieper. Com Bruno Ganz, Solveig Dommartin, Otto Sander, Curt Bois e Peter Falk.
SINOPSE (Coleção Folha Cine Europeu):
Anjos sobrevoam a Berlim Ocidental do final dos anos 1980. Eles são invisíveis, ouvem os humanos e oferecem alívio aos angustiados. Mas as regras são desafiadas quando um anjo se apaixona por uma trapezista. "Asas do Desejo" é o ponto alto da carreira de Wim Wenders (1945), um dos nomes mais populares do Novo Cinema Alemão. Ele realizou filmes que refletem uma realidade melancólica, ecos de traumas do passado. Fantasia que conquistou corações e mentes, "Asas do Desejo" tem uma estrutura que remete ao mundo dividido da época, do qual Berlim era centro e espelho. Em preto e branco quando mostra o ponto de vista dos anjos, o filme ganha cores ao reproduzir a vida dos seres humanos.
COMENTÁRIO:
O filme "Asas do Desejo" é tão instigante que eu não me canso de vê-lo. Cada revisita ao filme, novas percepções (comentário anterior aqui). Nesta vez, enquanto via as cenas devastadoras dos cadáveres de crianças judias e opositores do regime nazista pelas ruas de uma Alemanha dos anos quarenta, e aquela destruição toda através das imagens espetaculares em preto e branco, não conseguia pensar em outra coisa que não fossem as imagens de Gaza totalmente destruída com corpos de crianças, mulheres e idosos entre os escombros. A sociedade humana parece não ter jeito.
Ao pensar na ideia dos anjos que veem a história humana através dos tempos fico imaginando a decepção dos deuses criadores dessa experiência que não deu certo: a espécie humana. Acabo por acreditar que nossa natureza é a mais violenta do reino animal.
Sei que o filme tem como foco o amor impossível a princípio entre o anjo Dammiel (Bruno Ganz) e a trapezista Marion (Solveig Dommartin), mas não se tem como controlar as ideias a partir das relações criadas pelo espectador entre a ficção e a realidade. Seja a Berlim dos anos quarenta, seja a Berlim dividida pelo muro dos anos oitenta, seja a Palestina atual com muros e bombas exterminando um povo para tomar sua terra, a pergunta é: onde está o amor?
Eu rezei ao meu anjo da guarda por décadas; não saía de casa sem pedir proteção a ele e me persignar. Fui aculturado em ambiente católico, como a maioria dos brasileiros de minha geração. Hoje não tenho mais a mesma leitura de mundo.
As religiões, as filosofias e as literaturas são criações humanas para tentar compreender o mundo e a vida de nossa espécie neste planeta. Eu respeito todas essas formas de culturas.
Se os anjos estiverem entre nós, imagino como estão sofrendo, como vemos naquela cena do anjo Cassiel (Otto Sander) ao ver a cena final do jovem suicida...
Por fim, acho muito legal esses livretos que vinham com as coleções de filmes que editoras e jornalões faziam antigamente. São muito bem-feitos e com informações esclarecedoras.
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Tão longe, Tão perto (1993)
Direção: Wim Wenders. Elenco: Otto Sander, Peter Falk, Horst Buchholz, Nastassja Kinski, Lou Reed, Bruno Ganz, Solveig Dommartin, Willem Dafoe.
SINOPSE:
Cassiel é um anjo que acompanha a vida dos habitantes de Berlim. Após salvar a vida de uma jovem, ele vira humano e é perseguido por um supervisor de anjos que deseja puni-lo. Então, Cassiel pede ajuda a um amigo que se tornou humano.
COMENTÁRIO:
Revi o filme após algumas semanas de tê-lo visto pela primeira vez. Novamente me emocionei muito com a história. O filme é uma continuação de "Asas do desejo" (1987) e no meu ponto de vista são bem diferentes.
Os anjos Dammiel e Cassiel desejam conhecer o mundo dos humanos a partir dos olhos dos humanos, sendo um deles. No primeiro filme, Dammiel é movido pelo amor, pelo desejo de viver ao lado de Marion.
No segundo filme, os motivos que levam Cassiel a se tornar humano são diferentes, e se o desejo dele é altruísta, porque ele deseja fazer o bem, amar as pessoas e ser feliz, o que vivenciamos com ele é bem mais próximo da vida real de todos nós: as coisas não dão muito certo e Cassiel terá que superar todas as dificuldades para exercer seu desejo de acertar.
O filme me toca profundamente. Vi na história de Cassiel semelhanças com a história de vida de pessoas muito queridas, pessoas boas e que só querem acertar e as coisas acabam não se saindo como esperado por elas. É um filme de grande sensibilidade.
No primeiro contato com "Tão longe, Tão perto", fiz um texto reflexivo. Ele pode ser lido aqui.
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Buena Vista Social Club (1999)
Direção: Wim Wenders
SINOPSE (MUBI):
Um dos triunfos modernos de Wim Wenders, este documentário indicado ao Oscar explora a rica e animada cena musical de Cuba. O ícone do Novo Cinema Alemão acompanha várias lendas musicais enquanto tocam e andam pelas ruas vibrantes de Havana neste testamento ao "son cubano".
COMENTÁRIO:
Fiquei encantado com o documentário pela forma como ele nos apresenta os personagens da cena musical cubana, cada um mais empático que o outro: Compay Segundo, Omara Portuondo, Ibrahim Ferrer, Rubén González, Eliades Ochoa, Manuel "Guajiro" Mirabal, Barbarito Torres, Orlando "Cachaíto", Pío Leyva, Juan de Marcos González, Jesús Ramos, Ry Cooder.
Após assistir a Buena Vista Social Club fui pesquisar mais a respeito da história da casa de shows em Havana na primeira metade do século vinte e sobre os músicos reunidos pelo projeto organizado por Nick Gold, produzido pelo músico norte-americano Ry Cooder e dirigido por Juan de Marcos González, entre 1996 e 1997.
Ouvi as dez músicas do álbum do grupo Buena Vista Social Club e as canções e o ritmo são contagiantes, que delícia ouvi-las!
Ver o documentário de Wim Wenders com aqueles senhores e Omara Portuondo, todos de bastante idade, se apresentando em Amsterdam e em Nova York foi emocionante.
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Papa Francisco: um homem de palavra (2018)
Direção : Wim Wenders
SINOPSE (NETFLIX):
O documentarista Wim Wenders viaja pelo mundo ao lado do Papa Francisco e registra a visão humanitária do pontífice no mundo polarizado de hoje.
COMENTÁRIO:
Assisti ao documentário de Wim Wenders após a morte de Papa Francisco (em 21/04/25). As ações e ensinamentos registrados pelo cineasta reforçaram o que havia dito meses antes sobre a morte do papa sul-americano, que sua perda seria irreparável, pois o mundo terá cada vez menos lideranças globais como ele, Mujica e Lula.
Mujica faleceu também, faz poucos meses, em 13/05/25.
Felizmente, ainda podemos contar com a grandeza de Lula, que está bem de saúde e se colocando à disposição das causas populares. Não é egoísta e pensa mais nos outros que em si mesmo.
O documentário de Wenders se tornou um presente ao mundo para a posteridade, um registro histórico.
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Dias perfeitos (2023)
Direção: Wim Wenders
SINOPSE: (MUBI)
Hirayama leva uma vida feliz, conciliando seu trabalho como zelador dos banheiros públicos de Tóquio com sua paixão por música, literatura e fotografia. Sua rotina estruturada é lentamente interrompida por encontros inesperados que o forçam a se reconectar com seu passado.
OPINIÃO DO MUBI:
Kôji Yakusho ganhou o prêmio de Melhor Ator em Cannes com este drama comovente indicado ao Oscar, de Wim Wenders, que retrata os habitantes de Tóquio com um olhar humanista. Com uma excelente trilha sonora de rock clássico e pop, Dias Perfeitos encontra beleza e serenidade em lugares inesperados.
COMENTÁRIO:
A história do senhor Hirayama me deixou pensativo por vários dias.
As reflexões variaram por questões filosóficas que têm dominado minha existência já faz tempo, questões do tipo: qual o sentido da vida?, o que é felicidade?, qual o sentido de se ficar o tempo todo em função da obtenção de bens materiais, as mercadorias tão centrais na vida das pessoas no mundo capitalista?
O senhor Hirayama tem uma vida simples e rotineira que deixaria boa parte das pessoas do mundo atual completamente entediadas e infelizes, pois a rotina do amanhecer, aguar as plantinhas, sair para lavar banheiros públicos, parar embaixo de uma árvore para lanchar, voltar para casa após banho e refeição, e ler antes de dormir é tudo que a sociedade do século XXI parece não desejar.
O senhor Hirayama seria classificado claramente como um "zé ninguém", um derrotado na vida.
No entanto, aquelas questões que coloquei acima estão o tempo todo vibrando nos pensamentos do espectador assim como a trilha sonora que acompanha o senhor Hirayama no toca-fitas de sua van (seleção sensacional!), bem como a sonoplastia das árvores ao vento que preenche o dia e os sonhos do senhor Hirayama.
Amigas e amigos leitores, o filme de Wenders com a história do senhor Hirayama é um presente para todas as pessoas que estão em busca do sentido da vida.
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É isso! Mais um texto com impressões e sentimentos a partir de filmes que tocaram o coração do escritor do blog.
A postagem anterior desta série pode ser lida aqui.
William