sábado, 23 de agosto de 2025

Leitura: O que é questão agrária? - Frederico Daia Firmiano



Refeição Cultural

Artigo: leitura do capítulo 1 "Introdução: colocando o problema" do livro O que é questão agrária?, de Frederico Daia Firmiano. Marília: Lutas Anticapital, 2022

Leitura para reflexão antes de uma aula sobre o tema (em 23/08/25)

Aula VI (tarde) - Agronegócio, mineração e produção destrutiva

Objetivo: textos de apoio para o curso de extensão "Como impedir o fim do mundo: colapso ambiental e alternativas", organizado e ministrado por IBEC, Unesp e demais parcerias

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A postagem é uma espécie de fichamento feito pelo autor do blog. Qualquer interpretação divergente do texto original é de responsabilidade deste leitor que comenta o texto.

Abaixo algumas palavras-chave ou ideias que gostei no referido texto.

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- Muito interessante a mensagem da equipe de produção deste e de outros livros através da Editora Lutas Anticapital

- Enquanto os defensores da reforma agrária ainda apostam no discurso que a questão é uma dívida histórica, os apoiadores do capital vendem a ideia de que a expansão capitalista resolveu a questão agrária nacional

- Firmiano cita como exemplo do segmento de entusiastas do agronegócio, Zander Navarro, que cita diversos motivos para achar que não há mais problemas agrários no país, nem necessidade de reforma agrária porque não haveria demanda de terras, o povo do campo migrou para as cidades

- O autor reconhece que os motivos apresentados por Navarro são tendências atuais, sim, mas questiona se motivos como forte urbanização e domínio da produção de commodities não seriam justamente manifestações da questão agrária no Brasil

- Não podemos confundir "tendências" com "leis", as coisas na sociedade humana são consequências das escolhas humanas e não leis naturais (em linhas gerais, é isso que Firmiano está dizendo aos leitores)

"Mas se virmos esse processo como uma tendência – e não como uma lei – provocada por um conjunto complexo de atividades humanas, então teremos muito o que fazer. Trata-se de uma certa postura teórico-metodológica (e ao mesmo tempo política) diante da história." (p. 18)

- Achei interessante a forma como Firmiano apresenta a questão agrária, ele desmascara a forma determinista e de "fim da história" na qual Navarro se coloca. Somos homens e mulheres e fazemos história, não há evoluções "deterministas" como tentam fazer os capitalistas

"Por isso, falar em questão agrária implica em buscar, no tempo e na história, quais são as determinações de sua existência e para a sua superação." (p. 19)

- A questão agrária é determinada pela história: "é possível afirmar que não existe uma questão agrária idêntica no tempo e no espaço, ou mesmo uma questão agrária genérica, abstrata, 'em geral'. Ela possui forma e conteúdo determinados pela história." (p. 20)

- O livro vai percorrer momentos da história do Brasil para encontrar os determinantes da questão agrária em nossa "formação histórico-social", como diz o autor

- Firmiano já nos antecipa que a ditadura civil-militar (1964-1985) pesou na conformação do que hoje conhecemos como "padrão de desenvolvimento dos agronegócios no Brasil":

"a ditadura civil-militar (1964-1985), quando veremos nascer as condições para o surgimento do padrão de desenvolvimento dos agronegócios no Brasil (FIRMIANO, 2016). Sua consolidação, no pós-ditadura civil-militar, delineará a questão agrária atual no Brasil." (p. 21)

- Aviso final de Firmiano para a abordagem que será dada ao livro:

"Dito de outro modo, sem termos nitidez sobre o que é a nossa questão agrária, não é possível falar em reforma agrária, sob o risco de cairmos naquele grupo, que mencionávamos anteriormente, que advoga sua necessidade história mais por razões morais que por força da realidade objetiva e da consciência da classe trabalhadora." (p. 22)

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Leitura feita por

William Mendes

sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Leitura: Casa à venda: Turismo, mercado de imóveis e transformação sócio-espacial em Havana - Aline Marcondes Miglioli



Refeição Cultural

Artigo: Casa à venda: Turismo, mercado de imóveis e transformação sócio-espacial em Havana - Aline Marcondes Miglioli

Leitura para reflexão antes de uma aula sobre o tema (em 23/08/25)

Aula V (manhã) - Cidade neoliberal, reforma urbana e a questão ambiental

Objetivo: textos de apoio para o curso de extensão "Como impedir o fim do mundo: colapso ambiental e alternativas", organizado e ministrado por IBEC, Unesp e demais parcerias

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A postagem é uma espécie de fichamento feito pelo autor do blog. Qualquer interpretação divergente do texto original é de responsabilidade deste leitor que comenta o texto.

Abaixo algumas palavras-chave ou ideias que gostei no referido texto.

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- Ao ler a introdução do texto, já fiquei com vontade de adquirir o livro, que é fruto de uma pesquisa acadêmica para tese de doutorado que estudou a questão habitacional em Havana, Cuba. Estive na Ilha socialista nos últimos dois anos, em 2023 e 2024 e as experiências foram inesquecíveis. A leitura do trabalho de Aline Marcondes Miglioli me permitirá compreender bem melhor o que vi e conheci em Cuba

A TEORIA DA RENDA DA TERRA EM MARX E SUA APLICAÇÃO NO ESPAÇO URBANO

- O início do capítulo 6 já explica bastante a teoria marxista sobre o tema:

"A teoria da renda da terra (TRT), tal como foi desenvolvida por Marx em O Capital (2017), pretendia interpretar o papel da renda da terra no modo de produção capitalista, portanto, levava em conta a existência da Lei do Valor e das classes sociais capitalistas: os capitalistas, os trabalhadores e os proprietários fundiários. Nesse modo de produção, os primeiros são proprietários dos meios de produção; os segundos, da força de trabalho; e os proprietários fundiários detêm a propriedade da terra, e por isso podem cobrar dos capitalistas e trabalhadores um preço sobre ela."

- Para diferenciar resultados diferentes de produções em terras de mesmo tamanho e com o mesmo uso de capital e trabalho, lucro maior que o lucro médio de outros produtores, Marx aponta características específicas da terra como, por exemplo, fertilidade e localização

- A autora diz que, em geral, no capitalismo, o capitalista não detém a propriedade da terra, ele arrenda ela do proprietário fundiário. Ao saber das qualidades de solos mais férteis, seus donos cobram aluguéis maiores, se apropriando de parte do sobrelucro dos capitalistas, é a renda da terra

- Marx explica isso: "Por tratar-se de uma renda originada pelo diferencial de produtividade, Marx a denomina de renda da terra diferencial de tipo 1, pois ela depende da produtividade natural dos terrenos."

- Na renda da terra diferencial de tipo 2, há mais questões além das qualidades originais da terra, pois serão avaliados investimentos consecutivos e respectivos resultados adquiridos

- Temos ainda a renda fundiária absoluta, para aquelas terras que não têm o diferencial de produtividade, mas que não são gratuitas:

"Marx responde essa pergunta através da renda fundiária absoluta, a qual corresponde ao rendimento cobrado pelo proprietário fundiário para que ele coloque seu lote à disposição da produção capitalista. A cobrança da renda absoluta garante que em nenhuma situação o preço da terra seja igual a zero, pois existirá sempre um preço que corresponderá ao preço de integrar a terra à produção capitalista."

- Ainda temos a expressão da renda da terra de proprietário fundiário monopolista (no exemplo, uma vinícola):

"O proprietário fundiário pode cobrar do capitalista parte desse lucro extraordinário através da renda da terra. Nesse caso, a renda não guarda relação alguma com a fertilidade da terra, e resulta tão somente do preço de monopólio daquele vinho (Marx, 2017)."

- Em resumo, a renda da terra é contraditória no capitalismo, mas:

"A renda da terra ocupa, assim, uma posição contraditória no capitalismo, pois ao mesmo tempo que a propriedade privada da terra é necessária ao capitalismo, ela representa barreiras ao capital em sua esfera produtiva (Harvey, 2001)."

- Aline explica as adaptações necessárias para interpretar a realidade presente na questão da renda da terra interpretada por Marx no passado e no contexto urbano atual:

"pois diferentemente dos bens agrícolas, os bens urbanos são consumidos no mesmo local em que são produzidos, e sendo construções, tratam-se de bens de consumo de longa duração. Ademais, enquanto na terra agrícola a renda é extraída no momento de realização da produção, nas cidades a renda da terra aparece em dois momentos: quando a produção urbana se realiza, por exemplo, na venda de um imóvel; e quando comercializa-se valores de uso do solo — o residencial, comercial e industrial (Jaramillo, 2003) —, transformando as possibilidades e formas de obtenção de lucro-excedente em cada espaço."

- A autora nos explica o conceito de "construibilidade", que equivale a renda diferencial do tipo 1, pois importa as características do terreno para estabelecer os custos de produção

- A renda diferencial do tipo 2 teria relação com a verticalização nos centros urbanos. A cada pavimento superior, aumentam-se os custos de produção, em linhas gerais

- A renda absoluta nas cidades teria a mesma característica que na produção agrícola ao incorporar-se a produção no espaço urbano

- Por fim, sobre a renda monopolista, Aline nos explica que:

"No que diz respeito à renda monopolista, no espaço urbano encontramos preços de monopólio nas construções localizadas em bairros prestigiados pela burguesia, as quais são vendidas por preços superiores aos de mercado e de produção com o objetivo de restringir o acesso do restante da população àquele imóvel."

- Comércio não gera valor, nos explica Marx. Vejamos a nota da autora:

"De acordo com Marx, o comércio não produz valor, pois não gera-se mais-valia. O que torna-se o lucro comercial nesse caso é a captura, por parte dos capitalistas comerciais, de parte da mais-valia produzida nos setores produtivos. Ainda assim, apesar do comércio não gerar mais-valor, na medida em que contribuem para a abreviação do tempo de circulação das mercadorias, ele pode contribuir para aumentar o mais-valor gerado pelo capital industrial, o que lhes garante o direito a uma parcela do mais-valor gerado pelo capital industrial (Marx, 2017)."

- Aline conclui nesta parte o seguinte:

"Por fim, destacamos que três aspectos da concepção de renda da terra de Marx serão fundamentais para o debate sobre o mercado de imóveis cubano: a necessidade de existir propriedade privada dos meios de produção para garantir o direito de apropriação da renda da terra por uma classe social; a conceitualização da renda da terra enquanto uma parte do sobrelucro gerado em uma atividade produtiva; e a existência da renda da terra no meio urbano em duas formas, pelos diferenciais de “construibilidade” e pelo valor de uso do espaço."

RENDA DA TERRA NO MERCADO DE IMÓVEIS CUBANO

- A autora começa a seção explicando que muitos estudos já foram realizados em relação às possibilidades de haver ou não os efeitos da Teoria da Renda da Terra nas sociedades em transição para o socialismo como URSS, China e outros países

- "Sendo assim, investigar a existência da renda da terra em Cuba significa responder a um conjunto de perguntas: existe um sobrelucro sendo apropriado enquanto renda da terra? De que forma ele é apropriado? Quem o recebe? Qual o seu uso econômico, ou seja, qual seu papel na organização da produção na transição socialista? Qual a consequência da apropriação de sobrelucro sob a forma de renda da terra? Nesta seção buscaremos responder essas perguntas nos baseando na dinâmica do mercado de imóveis havaneiro exposta no Capítulo 5."

- Aline explica que há mais-valia ou mais-valor nas sociedades em transição do capitalismo para outra forma de produção. No caso, caberia ao Estado se apropriar desse valor e distribui-lo:

"Nesse período, ainda que indesejavelmente, segue vigente a produção de mais-valor, mesmo nos casos em que ela se realiza de forma coletiva através da estatização dos meios de produção. Logo, cabe ao Estado apropriar-se desse mais-valor e distribuí-lo “a cada qual segundo seu aporte”."

- O parágrafo seguinte é importante destacar aqui na resenha, pois explica bem o que compreendi nas duas vezes em que estive em Cuba e conversei com os cubanos:

"Vimos também que é teoricamente possível admitir a propriedade privada dos meios de produção durante a transição socialista, desde que a produção seja centralmente planejada e socialmente distribuída. Em Cuba, a propriedade dos meios de produção esteve historicamente concentrada no Estado, no entanto, nas últimas três décadas houve uma desconcentração para a propriedade privada na tentativa de recuperar e estimular determinados setores econômicos. Ainda assim, o controle sobre a produção do setor privado é realizado de maneira indireta pelo Estado, seja através de seu monopólio sobre as licenças para o trabalho autônomo e privado, ou da reapropriação de parte da produção privada através dos impostos, com os quais busca-se estatizar parte do mais-valor gerado privadamente para distribuí-lo socialmente na forma de bens e serviços públicos."

- A autora também considera a existência do sobrelucro nas relações de produção social em Cuba

- Quem são os agentes proprietários dos meios de produção no setor de turismo em Cuba?

"o Estado cubano; as empresas internacionais, que operam em associação com o Estado; e os trabalhadores cuentapropia, que praticam as mesmas atividades dos outros dois agentes de forma privada e autônoma."

- Os cubanos que trabalham por conta própria são os TCP, na descrição do texto

- Esses três agentes possuem a propriedade privada dos meios de produção: o Estado possui os imóveis e as autorizações onde se instalam os hotéis, os hotéis possuem a marca e a técnica da hotelaria e os cubanos possuem suas casas-negócio, carros, instrumentos musicais etc

- A explicação seguinte de Aline é muito esclarecedora para compreender a economia cubana: quando fico na casa de um cubano, fico lá por motivos turísticos, localização e outras benesses que o local vai me oferecer. Então, não estão todos os cubanos em condições igualitárias para aquele processo de produção social:

"No caso cubano, se analisarmos o mercado de imóveis, não iremos encontrar a exclusividade da propriedade da terra, uma vez que os terrenos são públicos e não há cubanos excluídos do direito a uma moradia. No entanto, a indústria do turismo é uma atividade econômica cuja principal fonte de rendimento é o próprio consumo do espaço. Sendo assim, por mais que todos os cubanos possuam uma moradia, nem todos possuem uma moradia que cumpre o papel de um meio de produção, como fazem as moradias em localização turística. Concluímos, portanto, que frente à propriedade privada das casas-negócio é que emerge a possibilidade de apropriação da renda da terra."

- No caso da instalação do negócio "hotel" o local exótico pesa nesse processo de produção. "Traduzindo para os termos cunhados por Marx, trata-se da captura de um sobrelucro que deriva do monopólio de uma característica específica do espaço, ou seja, da renda da terra de monopólio (Harvey, 2013; Silva, 2010)."

- Aline explica muito claramente as relações de produção na Cuba atual que tive a oportunidade de conhecer. Ao ficarmos numa boa casa-negócio em Havana, entende-se perfeitamente a processo de "renda da terra de monopólio"

- Seguindo com as explicações que Aline fornece aos leitores, fica bem mais fácil entender processos sociais na República Socialista de Cuba como, por exemplo, a canasta básica fornecida pelo Estado ao conjunto da população. Quem financia esse direito social ao alimento na Ilha? Os impostos nas suas diversas formas de arrecadação:

"Com relação à disputa pelo excedente entre o Estado e os TCP, como disposto no Capítulo 4, inicialmente o trabalho autônomo era uma forma provisória de prestação dos serviços não atendidos pelo Estado. Aos poucos, o segmento foi ganhando espaço e protagonismo em outros setores econômicos, e a política tributária passou a servir como limite à acumulação de capital e como forma de recuperar parte dos rendimentos gerados pelos trabalhadores autônomos para distribuí-los socialmente. Com o fortalecimento econômico dessa categoria, Cuba está deixando o modelo de organização econômica no qual o Estado promove diretamente a produção e distribuição do produto social, e avançando para um modelo em que o Estado reúne as contribuições sociais através dos impostos e as distribui socialmente atendendo ao critério da equidade."

- No avançar do texto, a autora nos apresenta as movimentações na última década, entre 2011 e 2021, dos investidores internacionais, no que diz respeito ao interesse de adquirir propriedade na Ilha e obterem lucros com a atividade econômica do turismo

- Fica clara a importância do setor de turismo em Cuba para a manutenção da economia e para a capacidade do Estado de realizar a redistribuição dos recursos econômicos na forma de benefícios sociais ao conjunto da população da ilha caribenha

- Como resumo desta parte do capítulo seis, temos:

"Em suma, o que demonstrou-se no trecho anterior é a emergência de dois fenômenos. Primeiro, evidenciou-se que a forma primária de disputa pelo excedente em Cuba se dá através dos impostos. É no campo da legislação tributária que o Estado controla sua participação nos lucros das empresas internacionais e nos rendimentos dos trabalhos autônomos. Essa conclusão condiz com o novo modelo de socialismo cubano, que pretende financiar as políticas sociais através dos rendimentos da atividade estatal produtiva e de parte das atividades privadas, que é apropriada pelo Estado na forma de imposto.

e

"Em segundo lugar, evidenciou-se que parte desses rendimentos é atualmente apropriada na forma de renda da terra, o que leva à disputa por parte desses sobrelucros através do mercado de imóveis e da tributação. Internamente, o Estado e os proprietários de casas-negócio disputam parte dessa renda através dos impostos: enquanto o primeiro aumenta a quantidade de impostos incidentes sobre as operações de compra e venda, os segundos ampliam e diversificam as formas de evasão fiscal. Destacamos que, apesar do fenômeno apresentar-se como uma disputa, esta não ocorre entre classes sociais, pois se dá internamente na classe de trabalhadores, opondo os trabalhadores proprietários de casas-negócio ao Estado proletário. Trata-se de uma disputa entre estratos de classe: o estatal, representando todos os trabalhadores, inclusive os autônomos, em oposição aos trabalhadores cuentapropia e proprietários de imóveis."

- A seguir, temos um resumo de Aline concluindo a seção em análise:

"Em resumo, retomando as perguntas feitas no início desta seção: 

• Existe um sobrelucro sendo apropriado no mercado de imóveis? Sim, trata-se do sobrelucro correspondente à atividade cuentapropia relacionada ao turismo; 

• De que forma ele é apropriado? Os rendimentos da atividade turística podem ser apropriados primariamente por três agentes: os capitalistas estrangeiros, o Estado e os trabalhadores autônomos. Ao longo do capítulo identificou-se uma apropriação secundária do sobrelucro recebido pelos TCP para os proprietários de casas-negócio através da renda da terra, no momento de venda dos imóveis; 

• Quais as consequências dessa redistribuição de renda para a transição socialista? Ao longo da seção, exploramos a relação contraditória entre a distribuição e redistribuição dos rendimentos do turismo e os propósitos da Revolução. Por um lado, a redistribuição de renda garante a inserção de outros estratos de classe na atividade turística; por outro lado, cria disputas por esses rendimentos entre os estratos de classe. Por fim, também constatamos que a partir da redistribuição secundária desses rendimentos na forma de renda da terra há um novo estrato capaz de ascender socialmente — os proprietários de casas-negócio. Ao mesmo tempo, conforma-se um novo modelo de organização da distribuição dos rendimentos da atividade econômica, baseado na apropriação privada em alguns setores e posterior tributação desses valores."

CONSEQUÊNCIAS URBANAS E HABITACIONAIS

- Um dos problemas antigos em Cuba é o déficit habitacional, fazendo com que muitas vezes resida no mesmo imóvel mais de um núcleo familiar. Com a questão do turismo e as oportunidades de um imóvel residencial se tornar meio de produção de valores, a situação se agrava

- Sobre as migrações internas no país, Aline nos conta que nos primeiros 30 anos da Revolução, não havia migrações importantes do interior para a capital Havana. Na atualidade, há, por causa das oportunidades de trabalho, seja como TCP ou a serviço das empresas que operam na região

- Durante o período especial, nos anos noventa, houve mais controle do governo. Já após os anos dois mil, as migrações das regiões orientais - Santiago de Cuba, Granma e Guantánamo - rumo a Havana aumentaram consideravelmente

- Achei bem interessante conhecer as movimentações migratórias em Cuba, em especial em Havana. Conhecendo um pouco a cidade e a região, é possível visualizar o que a autora nos explica:

"Em suma, apesar das tentativas de manter a população local no Centro Histórico e recuperar as construções históricas sem mudar a função do bairro, inevitavelmente há um processo de remoção dos moradores, os quais são deslocados para os bairros onde encontram-se os principais conjuntos habitacionais estatais. Não é possível conhecer o volume da população deslocada, no entanto, de acordo com o Censo de 2012, havia naquele ano 4.775 moradias temporárias, o que corresponde a 1% do total de moradias da cidade (ONEI, 2012)."

- As consequências do turismo nas partes centrais de Havana, principalmente La Habana Vieja e Centro Habana, no centro histórico da cidade, são as dificuldades para os moradores locais sobreviverem ali, pensando a inflação da região pelo acesso e demanda dos turistas:

"No que diz respeito aos motivos para saída de moradores do Centro Histórico, Gonzales (2019) cita o encarecimento dos produtos nas lojas de produtos importados; a diminuição das lojas estatais de distribuição de alimentos, chamadas de bodegas; e a diminuição dos espaços culturais e esportivos em relação aos espaços comerciais e turísticos."

- A autora informa até que há suspeitas do fenômeno da gentrificação como causa das migrações de cubanos para fora do casco histórico de Havana, onde é maior o fluxo de turistas

- Por outro lado, parte da população, inclusive local, entende que é necessário o processo de reforma e investimento na recuperação dos imóveis locais para favorecer o turismo que, por sinal, é central para a economia e para que o governo possa realizar as ações sociais como distribuição da canasta básica, educação e saúde públicas, lazer e emprego

- Enfim, seria um processo de gentrificação o que acontece em Cuba? A autora diz:

"A partir dessa sucinta explanação sobre o processo de gentrificação tal como foi desenvolvido para explicar o fenômeno em países do capitalismo central, e considerando as diversas especificidades da sociedade cubana, seria possível nomear o fenômeno urbano em Cuba de gentrificação? Para responder essa pergunta é preciso, em primeiro lugar, avaliar as razões da deterioração das moradias cubanas. Vimos no Capítulo 1 que ela é resultado de um plano econômico e social que por um longo período priorizou investir no campo — principalmente para o desenvolvimento da indústria sucroalcooleira — e em políticas sociais universais. Sendo assim, a ausência de investimentos estatais para habitação não corresponde à lógica capitalista de acumulação de capital, e sim à dificuldade cubana de superar o subdesenvolvimento, o que impôs a priorização de outros gastos frente à manutenção e reforma das moradias."

- E tem mais, Aline afirma que:

"Ao contrário, ela vem do Estado e, como argumentamos anteriormente, parece que a possibilidade de incluir trabalhadores autônomos e proprietários de imóveis nesse circuito de renda representa uma tentativa de contornar a falta de postos de emprego estatais, apresentando-se como um instrumento indireto de distribuição de renda. Sendo assim, diferentemente do que acontece nos países capitalistas, em Cuba, a apropriação do rent-gap pelo Estado tem um destino claro: fomentar as políticas sociais da Revolução Cubana, e um objetivo secundário de incluir nesse circuito de renda novos agentes sociais."

- Após Aline deixar claro que não ocorreu em Cuba o processo de gentrificação que ocorre nos países capitalistas, algumas consequências inevitáveis acabam ocorrendo:

"Apesar das diferenças entre a definição de gentrificação — tal como foi elaborada para descrever os processos nos países capitalistas centrais — e o fenômeno que observou-se neste trabalho, é possível dizer que o último compartilha de alguns dos efeitos típicos da gentrificação capitalista. Por exemplo, na atuação da OHCH, apesar da sua preocupação com a preservação da população local, podemos considerar que devido à necessidade de liberar espaço para empreendimentos turísticos, ocorre o deslocamento da população local e a atração de outros grupos sociais para o território — majoritariamente os trabalhadores autônomos. Ademais, após a autorização para a compra e venda de moradias, podemos assumir a existência de rent-gaps, considerando que parte do preço dos imóveis nessas regiões corresponde ao potencial de ganho com a conversão de seu uso residencial para o comercial. Ou seja, apesar das diversas particularidades do caso cubano, existe rent-gap e ocorrem deslocamentos, inclusive com a saída da população local dos bairros reformados para abrigar o turismo."

- Caminhando para as conclusões do estudo, a autora diz que é melhor avaliar o processo urbano e social em Cuba considerando o histórico e estudo que ela apresentou nos capítulos iniciais do livro e não baseado no processo de gentrificação frequente nos sistemas urbanos capitalistas

- Uma das conclusões que Aline apresenta é o efeito real no imaginário das pessoas derivado dos preconceitos e situações sociais em Cuba anteriores à Revolução de 1959, das décadas iniciais do século XX:

"A primeira camada, e mais profunda, é a das estruturas herdadas do sistema anterior, ou seja, as desigualdades territoriais próprias do capitalismo dependente cubano anterior a 1959. Nessa camada encontram-se, por exemplo, as diferentes apreciações sobre o espaço urbano, as impressões e as valorações dos bairros no imaginário coletivo, ou seja, os elementos que ocupam o campo das subjetividades e que tornam os antigos bairros burgueses imageticamente mais aprazíveis e os antigos bairros de trabalhadores os menos desejados."

- Como a capacidade de consumo determina os processos de ascensão social na Ilha, os espaços geográficos pesam nessa questão. Aline explica isso como uma segunda camada em suas conclusões:

"Em resumo, foi sobreposto à estrutura universal de educação e de saúde uma camada de acessos desiguais ao consumo através das diferentes possibilidades de emprego em cada bairro ou município. Essa seria a segunda camada das desigualdades territoriais, em que o território condiciona as possibilidades de mobilidade social."

- Milton Santos criou metáfora usada por Iñiguez para descrever o fenômeno em Cuba como "bairros luminosos" e "bairros opacos", os que oferecem e os que não oferecem oportunidades aos moradores cubanos:

"Estudando esse processo, Luisa Iñiguez (2014) emprega a metáfora criada por Milton Santos (2006) para diferenciar os dois perfis de bairros que emergiram após o Período Especial: os luminosos são aqueles onde instalaram-se os novos empreendimentos turísticos e neles os moradores podem ascender socialmente através do emprego no turismo ou no setor privado; os territórios opacos são aqueles que comportam majoritariamente o setor estatal e que têm pouca capacidade de atender às demandas de emprego e consumo de seus moradores."

- Por fim, a autora cita uma terceira camada de desigualdades em Cuba:

"A terceira camada de desigualdades do território, e a mais recente, foi inaugurada com a abertura do mercado de imóveis, evento que, como expressado anteriormente, marca um novo padrão de mobilidade da população, que reforça os fluxos migratórios e aprofunda a especialização produtiva baseada nos diferentes usos do solo de cada região da cidade. Nesse novo cenário, que iniciou-se em 2011, o perfil de renda e de ocupação dos cubanos passou a determinar o bairro ou município em que se localizariam. Ou seja, pela primeira vez desde a Revolução, o espaço está se reorganizando de acordo com as possibilidades de ascensão social dos seus moradores. O preço dos imóveis é uma evidência dessa nova etapa, pois ele restringe o uso de alguns imóveis — e, portanto, do espaço — a alguns estratos específicos."

- Efeitos da legislação de 2011 que criou o mercado de imóveis em Cuba: realocação da população de acordo com subgrupos sociais:

"Nesse aspecto, identificamos duas tendências: a concentração de TCP no centro de Havana e dos trabalhadores estatais na periferia, composta por municípios com padrões de ocupação e capacidade de consumo semelhantes. Consideramos o mercado de imóveis como responsável por esse fenômeno, pois em primeiro lugar permitiu que os grupos sociais se reorganizassem pela cidade através da compra e venda de moradias e, em seguida, que os preços desses imóveis se transformassem em sinalizadores — e barreiras — para a ocupação de certas localizações por outros estratos de classe."

- Sobre o poder político em Cuba é importante reforçar o que a autora nos demonstra: 

"Cuba possui um sistema de representação política que não corresponde à hierarquia da estratificação socioclassista. Ou seja, as pessoas que pertencem aos grupos sociais identificados como “mais vantajosos” — TCP, empregados no setor emergente e recebedores de remessas — não detêm a maioria do poder político."

- Algumas conclusões do capítulo:

"No caso cubano, vimos a partir do estudo sobre Havana, que a renda da terra corresponde ao sobrelucro das atividades comerciais e de serviço voltadas ao turismo realizadas nas moradias pelos TCP. Concluímos que esse sobrelucro é apropriado por quatro agentes: o Estado, as empresas internacionais, os trabalhadores autônomos e os proprietários de casas-negócio."

- Camadas de desigualdades constatadas na questão urbana em Cuba:

"pudemos distinguir entre três camadas de desigualdade que se avolumam sobre o espaço urbano: 

• Primeira camada: corresponde às desigualdades territoriais herdadas da história cubana pré-revolucionária e que fazem com que bairros e municípios sejam diferentes entre si em termos de infraestrutura urbana e apreciação no imaginário popular; 

• Segunda camada: após o Período Especial criam-se condições de ascensão social que relacionam-se com o espaço. Nesse sentido, alguns bairros e localizações permitem aos seus moradores trabalharem no setor turístico e com isso garantir melhores padrões de consumo; 

• Terceira camada: depois do estabelecimento do mercado de imóveis, o acesso a esses bairros e, como consequência, às oportunidades de trabalho que eles oferecem, passou a depender também da posição da pessoa na estrutura social. Aqueles que possuem família no exterior ou que conseguiram juntar dinheiro para a compra de uma moradia nessas localizações passaram a poder ter acesso a elas."

- A autora conclui no capítulo:

"Em suma, essa nova desigualdade urbana é a expressão territorial da reestratificação social que está em curso desde os anos 1990 e que se apresenta como um desafio a ser equacionado dentro do novo modelo do socialismo cubano."

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Texto lido por

William Mendes

domingo, 17 de agosto de 2025

O sentido da vida (6)



Buscar sentidos na leitura

Foram vários dias lendo e diagramando quase trezentos textos. O caderno impresso daquele ano ficou com quinhentas páginas. 

A sistematização das quase duas décadas de produção textual ainda levará muito tempo. São mais de cinco mil postagens. 

O desejo é completar essa tarefa trabalhosa que sintetiza quase a metade de sua existência, textos que resumem ao menos sua fase mais produtiva como adulto em convívio social. 

Cumprida a missão, a ideia é dedicar sua vida à leitura e à reflexão filosófica. O foco principal será a literatura. Escrever também está no horizonte. 

Ler os clássicos que não conhece é um sonho ainda realizável. Que a vida lhe dê olhos e saúde mental para isso.

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sábado, 16 de agosto de 2025

Diário e reflexões



Refeição Cultural

Osasco, 16 de agosto de 2025. Sábado.


COLESTEROL

Subi correndo mais um dia a Av. Antônio de Souza Noschese. Meu percurso dá 2 Km. Como disse dias atrás, preciso voltar a correr para melhorar meus níveis de colesterol, aumentando um pouco meu HDL e diminuindo meu LDL e colesterol total. Nos níveis que eles estão hoje, minhas artérias e meu coração não aguentarão muitos anos.

Após identificar os desgastes no quadril e sistema locomotor, em 2018, vi minha atividade mais prazerosa da vida se tornar uma atividade feita com sacrifícios por causa das dores e incômodos durante e após as corridas. No entanto, essa atividade física me permitiu ter bons níveis de HDL durante décadas de vida estressante e tendente a mudanças nos níveis de colesterol e pressão arterial.

Sem correr com a intensidade que corria e na quantidade ideal, meu colesterol total foi só piorando entre 2018 e 2025: 221, 234, 244, 247 e 282 mg/dL. Um horror! Meu LDL saiu de 155 em 2020 para 199 mg/dL.

O bonzinho (HDL), que era 59 em 2018, chegou a subir para 62 e depois da redução das corridas caiu para os atuais 50 mg/dL. Ainda não é um resultado desesperador porque a referência é 40 mg/dL. Mas a tendência atual é ladeira abaixo...

Eu sei que a melhor forma de alterar a tendência ruim de meus níveis de colesterol é conjugar uma mudança de hábitos na alimentação com a prática de exercícios aeróbicos que façam efeito no meu corpo.

Comer como comi ontem à noite, por exemplo, frango a passarinho e pizza (overdose de gordura saturada) não é a melhor forma de mudar a tendência dos meus níveis de colesterol... (mudança de hábito é foda!)

Enfim, vamos mudando aos poucos.

Na corrida, vou dar preferência por correr pouca distância e em subidas porque o impacto no sistema locomotor é menor: tendo uma boa concentração nos passos, posso reduzir bastante o impacto no meu quadril. No entanto, só distâncias maiores geram HDL, mas uma coisa de cada vez.

Tenho que ficar de olho no meu coração. Meu batimento cardíaco precisa ser acompanhado durante o trote. Quando a pessoa está com melhor condicionamento físico, as faixas de batimento cardíaco máximo são menores de acordo com cada nível de esforço no trote.

Vou observar os números nos próximos meses e ver se melhoro alguma coisa. Não terei preocupação nenhuma em melhorar o tempo nos percursos, meu objetivo é outro.

No mês passado, corri 6 vezes, começando com 1K, depois 2K e, por fim, 3K. Me preocupei com o tempo nessa sequência, mas agora não vou ter esse foco. Meu foco é não ter dores no quadril e tentar baixar o batimento cardíaco máximo.

Entre um trote de 2K e outro, nesta semana, dei mais passos no percurso, justamente para reduzir o impacto na pisada. 2354 (passo médio de 85 cm) - 2486 (81 cm).

A frequência cardíaca média foi a mesma, de 171 bpm, mas a máxima foi 189 hoje e 191 no primeiro trote na subida.

Tenho o privilégio de ter um mínimo de conhecimento em saúde, o que a imensa maioria do povo não tem, pois não é cultura em nosso país educar as pessoas. Todos deveríamos conhecer melhor o nosso corpo humano, é uma questão de vida ou morte.

Sigamos tentando nos manter vivos. Tenho relações sociais importantes ainda e viver é uma oportunidade diária de novos conhecimentos e acontecimentos.

Will i am

14h40

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Diário e reflexões



Refeição Cultural

Osasco, 13 de agosto de 2025. Quarta-feira.


Durante muito tempo, neste período do ano, especificamente na primeira quinzena de agosto, eu vivenciava uma experiência impactante ao realizar a romaria entre a cidade de Uberlândia e Água Suja, no Triângulo Mineiro. 

Cada romaria é única, o percurso é quase o mesmo, mas a pessoa que vai é outra, sempre. Minha caminhada tinha um percurso que variava entre 73 e 85 Km, de acordo com o ponto de saída. 

Ano passado fui para lá e acabei não fazendo a romaria. Neste ano, já tinha claro que não faria o percurso, um momento de introspecção para o romeiro. Sou um elemento da natureza e meu corpo sentiu os efeitos do tempo e do percurso realizado até aqui.

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Pensando na natureza do meu corpo, e me conhecendo um pouco há décadas, dormi pensando em atitudes e ações que poderia desenvolver para alongar minha permanência por aqui.

Ao confirmar por exames clínicos que meus níveis de colesterol continuam a subir, isso já faz alguns anos, e saber os principais motivos dessas mudanças em meu corpo animal, preciso definir estratégias para lidar com a questão.

A existência dos seres vivos é uma somatória diária de eventos casuais e planejados, uma miscelânea de instantes caóticos, que vai fazendo os seres permanecerem vivos ou deixarem de existir, o tempo todo, todo tempo, com tudo e com todos.

Ao saber por acaso da minha condição de hipertenso há uma década, e seguir os procedimentos da ciência, alonguei a permanência na Terra. Poderia ter infartado.

Correr desde muito jovem e ter bons níveis de HDL pesou de alguma forma para não piorar uma condição hereditária e de exageros que fiz nas veredas do viver.

Aí meu corpo passa a ter dificuldades de seguir correndo, um dos maiores prazeres da minha vida. Sem correr, meu HDL foi pro saco, e meus níveis de LDL seguem crescendo, mas sem o equilíbrio do bom colesterol... que foda!

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Decidi que vou tentar correr do jeito que meu corpo permitir, e vou correr de preferência em percursos com aclives, pois o impacto na estrutura musculoesquelética é menos pior do que em planos e descidas, dependendo da forma como me movimento, claro.

Eu sei também de muita coisa que deveria comer e não comer, beber e não beber, mudanças de hábitos etc, hábitos são difíceis de mudar, não é?

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Tenho refletido sobre outras decisões que preciso tomar, decisões que só competem a mim e a mais ninguém, já que não sou mais uma pessoa com representação de pessoas. Tenho contratos sociais, tenho consciência social, e só. De verdade, não sinto mais pertencimento a grupos sociais como pertenci. Era para pertencer e contribuir com a experiência que acumulei na prática da militância nesta fase da vida. Não aconteceu. Cada vez que vou fazer número em algum evento político, mais me questiono o que fui fazer lá. Sei da importância de fazer volume, já que somos tão poucos na esquerda. Mas preciso chegar a um termo comigo mesmo sobre isso. Para me sentir como me sinto, preciso avaliar a continuidade disso. Não estou acrescentando nada à coletividade fazendo volume nos eventos que participo. Até valeu bastante contribuir nas eleições majoritárias e proporcionais nos últimos anos, mas isso é pouco comparado à contribuição que dei às causas nas quais me envolvi. Enfim... as coisas são como são.

Sigo com a consciência social de minhas responsabilidades e contratos sociais. Sigo fazendo o esforço de permanecer por aqui.

William

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Instantes (17h12)



Refeição Cultural

A vida é um instante, e sendo instantes é recomendável que os seres viventes tenham atenção. O viver se define nos detalhes...

Com atenção é possível dar mais oportunidades à Sorte, essa deusa mitológica. Sorte, azar, acaso; destino, alguns diriam. Atenção ajuda, tanto a sorte, o acaso, quanto o destino.

Um tempo atrás, ao acompanhar meu pai ao médico, tirei um carcinoma basocelular no mesmo dia. Aquela mancha na cabeça chamou a atenção ao cortar o cabelo. Era coisa ruim. 

Meses atrás, ao observar a boca durante a higiene diária, observei uma mancha branca que não estava ali antes. Fui atrás do diagnóstico daquilo. 

A leucoplasia oral que tinha foi removida na semana passada pelos atenciosos profissionais e estudantes da Faculdade de Odontologia da USP e a vida segue. Viva a ciência e o SUS! Sigo sendo um homem de sorte. 

Depois de uma semana de molho, sem comer quase nada, voltei às atividades físicas, aos poucos, claro.

Minha genética e meu percurso de vida me avisam sobre riscos mais comuns a nós brasileiros e adultos do século XXI... infarto e acidentes vasculares é que são foda!

Amigas e amigos leitores do blog, fiquem atentos a manchas brancas na região bucal, manchas estranhas na pele, e claro, colesterol, pressão alta e diabetes, e sobrepeso. (post scriptum: faltou falar da obesidade e da importância da prática de atividades físicas regulares) 

Viver é uma oportunidade diária de aprender coisas novas e compartilhar o conhecimento, fazer o bem aos outros e à coletividade, e sentir o sol da tarde num dia frio do caramba.

William 

11/08/25

domingo, 10 de agosto de 2025

Diário e reflexões



Refeição Cultural

Domingo, 10 de agosto de 2025.


No calendário da cultura brasileira hoje é Dia dos Pais. Ao acordar, fiquei um tempo olhando para o teto do quarto e pensando sobre isso, o Dia dos Pais, ou o fato de ser pai, ou até a respeito de ser filho. Todos somos filhos de pais e mães. Após pensar um tempo, me senti sem palavras neste momento para escrever sobre pais e filhos. Com as palavras vêm os julgamentos, e não sou nada pra julgar ninguém. Aos pais, fica meu desejo sincero que tenham um domingo bom, não adiantaria desejar o lugar-comum, o mundo humano está numa etapa ruim da história da espécie na Terra.

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"Que eu chegue bem ao próximo final de semana. É o pensamento"

Domingo passado escrevi sobre minha ansiedade em relação à semana que se iniciava, seria uma semana diferente no cotidiano. Hoje posso dizer que cheguei bem. Sigo sendo um homem de sorte. Fiz uma cirurgia na boca e sabia que seriam dias de pouca ingestão de alimentos. A sensação de fundura no estômago, roendo o tempo todo, me fez imaginar - o que não é possível -, mas pelo menos tentar imaginar a fome que os donos do poder estão impondo há tempos às maiorias de seres humanos excluídas dos direitos humanos e, em particular, pensei nos palestinos da Faixa de Gaza, um campo de concentração vergonhoso deste momento de fim de mundo. Também me lembrei da tia Alice, que não conseguia mais comer na fase final de sua doença. Sem conseguir mastigar, a gente percebe como é bom ter saúde. No meu caso, por mais que tomasse iogurte, vitamina de frutas, sucos, leite, o corpo não saciava a fome. Foi bom demais poder voltar aos poucos a ingerir coisas com sustância, com sal. Ao mesmo tempo, com a consciência que tenho hoje, fico triste ao ver tanta gente querida detonando sua saúde e a gente não poder fazer nada por alguém que não queira fazer algo por si mesmo. Parece que vou percebendo cada dia mais que as coisas são como são por falta de educação, a tragédia e a miséria humana não são naturais, são escolhas. 

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Por escolha, por tentar fazer algo que seja bom para o particular e o coletivo, faço parte de um grupo de pessoas que estão participando de um curso de extensão universitária com aulas e professores fantásticos, com aulas presenciais aos sábados, com a temática "Como impedir o fim do mundo: colapso ambiental e alternativas", organizado e ministrado pelo IBEC e Unesp. Ter o conhecimento da realidade do mundo é um privilégio, uma responsabilidade, e um desafio de autoconhecimento para saber administrar o sofrimento que o conhecimento nos dá. Enfim, não gostaria de ser um ignorante, um néscio, um idiota manipulável. Prefiro lidar com a dor e o sabor de acessar o conhecimento e as mais diversas formas de cultura.

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Para a semana que se inicia, desejo coisas simples, na dimensão pessoal. Comer arroz com feijão, pão com manteiga e café. Praticar atividades físicas possíveis. Ler. Escrever. Gostaria de poder fazer algo para salvar a natureza de sua destruição total pelos humanos capturados pela invenção deles próprios, o capitalismo. No entanto, ainda não foi possível convencer maiorias nem no campo popular onde me politizei a lutarem contra o modo de produção e organização social do capitalismo. 

Will i am

(10h40)

sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Leitura: Kraken capitalista e destinos da economia mundial - Fábio Antonio de Campos



Refeição Cultural

Artigo: Kraken capitalista e destinos da economia mundial - Fábio Antonio de Campos. Professor do Instituto de Economia da Unicamp, pesquisador do Centro de Estudos do Desenvolvimento Econômico - CEDE, do Núcleo de História Econômica - NIHE do IE/UNICAMP e do Instituto de Estudos Contemporâneos Brasileiros - IBEC

Leitura para reflexão antes de uma aula sobre o tema (em 09/08/25)

Aula IV (tarde) - Mundialização do capital e a crise estrutural do capital

Objetivo: textos de apoio para o curso de extensão "Como impedir o fim do mundo: colapso ambiental e alternativas", organizado e ministrado por IBEC, Unesp e demais parcerias

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A postagem é uma espécie de fichamento feito pelo autor do blog. Qualquer interpretação divergente do texto original é de responsabilidade deste leitor que comenta o texto.

Abaixo algumas palavras-chave ou ideias que gostei no referido texto.

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- O autor começa explicando o que seria Kraken, monstro conhecido na cultura medieval: 

"Inspirado nos escritos gregos de 2500 anos atrás de Homero, quando em A Odisseia, o poeta mostra a criatura Cila como um animal de seis cabeças, Kraken é uma versão medieval e de origem escandinava para alertar os navegadores sobre os perigos de um monstro que vive no mar. Além de devorar a fauna marítima, seus tentáculos gigantes são capazes de esmagar barcos, colocando em risco a sobrevivência humana nos oceanos" (p. 92)

- O Kraken capitalista, o capital financeiro e seus tentáculos, "além de parasitar o excedente gerado pela exploração da força de trabalho e da natureza, fazem naufragar os horizontes do futuro da humanidade" (p. 93)

- Esse ser destruidor, o capital financeiro: "A força deste ser oligárquico que comanda as dimensões industriais, comerciais, agrominerais, computacionais e militares do capital, se revela na conjuntura da economia mundial pelas redes de poder financeiro que, ao socializarem a produção capitalista em um patamar inédito, se apropriam privadamente dos frutos desta valorização" (p. 93)

- Na lista acima de concentração do poder financeiro oligárquico, eu incluiria a dimensão das comunicações, são tudo os mesmos donos

- O autor fará uma análise da questão do Kraken capitalista sob três dimensões: conjuntura, estrutura e superestrutura

CONJUNTURA

- O comércio mundial cresce menos; cada dia menos corporações dominam todos os mercados; os CEOs das corporações exercem poderes em várias delas; com mercados em baixa, sobram oportunidades para os cassinos financeiros; só uns poucos recebem as informações privilegiadas sobre tudo no sistema

- "Em estudo recente (PHILLIPS, 2024), as 10 maiores empresas de gestão de ativos no mundo, com US$ 50 trilhões em 2022 (quase 50% do PIB do planeta), apresentam 117 indivíduos que, como diretores em posições cruzadas, atuam nos conselhos executivos combinando estratégias oligopolistas." (p. 95)

- Os tentáculos do monstro... "É possível vislumbrar tal poder na imagem recente da posse presidencial de Trump, quando os principais membros das big techs estavam ao seu lado, pagando milionárias contribuições para sua campanha. A GAFAM (Google, Apple, Facebook, Amazon, Microsoft) são abastecidas por participação acionária destes 10 Titãs do capital financeiro, assim como na big pharma, e em outros conglomerados." (p. 96)

- "Em síntese, o que estes dados mostram é que há na economia mundial um aumento do endividamento de corporações, famílias e governos, em que o capital excedente assume majoritariamente a forma fictícia. Decisões de gasto, investimento, crédito, gestão financeira, têm como eixo a preservação e a valorização da riqueza abstrata (monetária), o que relativiza o gasto e acumulação na dimensão produtiva do capital." (p. 96)

- Em consequência desse Kraken capitalista, cada vez menos os governos nacionais conseguem implementar políticas econômicas autônomas e independentes desses capitais piratas

- O autor, prof. Fábio Campos, faz uma boa síntese das questões colocadas em relação à emergência climática

- A China capitalista... "A China está promovendo uma reconfiguração econômica, política e social em escala global. Em suma, diferentemente das economias periféricas, e inclusive da Europa Ocidental, e economia chinesa preservou sua autonomia estratégia e institucional mesmo estando inserida na ordem global, que agora busca remodelar em seu favor. Como afirma Bürbaumer (2024), a China ao tornar-se capitalista minou a 'Globalização'." (p. 101)

- O que temos pela frente na disputa de hegemonia global? "Guerra comercial tende a tornar-se militar, quando uma dimensão do capital financeiro, a economia de guerra se apresenta como um meio de valorização em si mesmo, ao mesmo tempo que define um fim, um alvo a ser atingido, como ensinou Rosa Luxemburgo (1985)." (p. 102)

- Como estamos de ogivas nucleares no mundo, atualmente? Estamos bem!!! Podemos destruir a vida na Terra dezenas de vezes...

"Os países com os maiores arsenais nucleares no mundo são liderados pela Rússia, com aproximadamente 6.375 ogivas nucleares, seguida pelos Estados Unidos, com cerca de 5.800 ogivas. A China ocupa o terceiro lugar, com cerca de 500 ogivas, enquanto a França possui cerca de 290 ogivas nucleares. O Reino Unido possui aproximadamente 225 ogivas. O Paquistão tem cerca de 170 ogivas, enquanto a Índia segue de perto com cerca de 160. Israel, embora não tenha confirmado oficialmente, é estimado a ter cerca de 90 ogivas nucleares, e a Coreia do Norte possui uma estimativa de 50 ogivas nucleares (ICAN, 2025)." (p. 103)

- A concentração dos donos do mundo da comunicação e conexão global, que inclui as tais "nuvens" onde o mundo inteiro acha que guarda suas produções de conteúdo: 

"Temos uma oligarquia digital, em um mercado computacional e de dados, que apresenta uma concentração econômica espantosa das chamadas big techs: em 2023, a Amazon detinha 39%, a Microsoft 23%, o Google 8,2%, o Alibaba 7,9%, a Huawei 4,3%; em um total de 82,4% do mercado global de nuvem (AMADEU, 2024)" (p. 104)

- O autor conclui a dimensão Conjuntura assim: "A incompatibilidade entre a vida terrestre e o sistema mostra os limites deste modo de produção capitalista. Temos uma crise civilizacional, onde o capitalismo para criar suas formas modernas de autoexpansão deve destruir as condições básicas de existência humana. Estamos, portanto, diante de uma crise estrutural do capital." (p. 104)

ESTRUTURA

- "Como afirmou Marx (1982), no capitalismo toda crise é uma crise de superprodução de capital, e não de subconsumo – visto que este modo de produção priva a maioria das pessoas do consumo" (p. 104)

- "Segundo Marx (2013), a crise também está incrustada na própria forma mercadoria. Isso porque o sistema se organiza em torno da produção de valores de troca, e não de valores de uso voltados às necessidades da reprodução social da humanidade." (p. 105)

- Um fator positivo nas crises capitalistas é que podemos fazer disso uma revolução: "A crise não seria o fim do sistema econômico, mas, potencialmente, teria condições de engendrar luta de classes capazes de organizar a revolução para sua superação." (p. 105)

- As tecnologias das últimas décadas e o aumento exponencial da produtividade transformaram as crises cíclicas em crise permanente do capital:

"A tecnologia da máquina programável com a microeletrônica, internet e IA impôs um aumento de produtividade, em termos relativos jamais vista, que retirou o elemento cíclico das crises que era vital para a reprodução ampliada do capital. A crise se tornou contínua, constante, uma crise estrutural." (p. 105)

- O 4º órgão... "Segundo Bacchi (2020), nos anos 1960 foi introduzido o quarto órgão daquela máquina que Marx (2013) descrevera no cap. 13 do Livro I de O Capital. Além do motor, a transmissão e a máquina ferramenta do século XIX, surge o 'quarto órgão de controle' que introduz 'a máquina programável' e, com ela, o que determinou a crise estrutural" (p. 106)

- Em seguida vemos a citação de Bacchi, que desvenda a crise atual do capital: 

"como tudo na natureza depende de um limite, quando a taxa de lucro baixa a determinado ponto diferente de zero, mas razoavelmente baixo, na verdade, o capital já não pode suportar, pois a reprodução ampliada se interrompe e o sistema entra em crise que não é cíclica, senão que uma crise generalizada do sistema. Com isto queremos dizer que o capitalismo, a partir deste momento, está condenado a uma decadência constante e irreversível, tal como descreve Marx em suas obras. E o capital como um todo já não consegue conter mais as novas forças produtivas em seu seio (BACCHI, 2020, p.35)." (citado na p. 106 do texto de Fábio Campos)

- A crise estrutural do capital se estabelece por três eixos: a transnacionalização inviabilizou os Estados nacionais e suas políticas econômicas e de gestão social; o fim da sociedade do trabalho, pois a classe trabalhadora não consegue mais pressionar o capital nas relações de produção; o colapso ambiental, pois é impossível ao capital não destruir a natureza

- O imperialismo foi revitalizado pela crise estrutural, colocando o capital financeiro no centro do poder de apropriação de valor

- Formas de opressão do capital: "Uma maneira imperial de circunscrever aqueles que não pertencem ao reino da mercadoria, ou se subordinam de maneira superexplorada, é por meio da racialização como expropriação (FANON, 1961). Ao intensificar as formas econômicas de opressão, políticas e ambientais, a crise estrutural recoloca o racismo, tanto nas periferias quanto nos centros, como instrumento indispensável para a manutenção do trabalho precário, o acesso a terras e aos recursos naturais (FRASER, 2024)." (p. 109)

- O prof. Fábio finaliza a dimensão Estrutura assim: "Em síntese, o capitalismo em sua crise sujeita as infraestruturas, comportamentos, ecossistemas, capacidades estatais, e, sobretudo, a consciência ao seu regime de valorização e expropriação, cujo resultado é a desestruturação sociopolítica do ser humano (FEDERECI, 2017; 2022; FRASER, 2024)."(p. 110)

SUPERESTRUTURA

- Marx em 1859 abordou a questão da superestrutura jurídica e política do capital: 

"Assim, a produção da vida determinada por certas relações, apresenta uma estrutura econômica que se assenta em uma reprodução material e que sustenta, como ensinou Marx em 1859, uma superestrutura jurídica e política expressa por formas sociais da consciência (Marx, 2012)." (p. 110)

- O esgotamento do liberalismo traz como alternativas autoritarismos como o nazifascismo:

"(...) o nazifascismo no século XX teria sido já a maturação deste modelo contrarrevolucionário para lidar com o esgotamento do liberalismo, ainda mais com guerras totais, primeiras genuinamente capitalistas, e em meio a exitosa Revolução da Rússia em 1917 e a Crise de 1929 (LUKÁCS, 2020; MAYER, 1981). Aquilo que gestou no século XIX como uma exceção para lidar com as contradições do capitalismo em sua dominação política, consolida-se como prática usual no século XX. Essa contrarrevolução na ascensão do nazifascismo também era um instrumento de modernização, projeção do futuro, do progresso para aqueles escolhidos para usufruir do bem-estar..." (p. 111)

- Líderes carismáticos como Hitler e Mussolini conseguiram mobilizar, por manipulação dos sentimentos, classes populares e trabalhadoras, desviando a revolta delas de um processo revolucionário

"Não se trata de uma doutrina apenas, uma ideologia a serviço da contrarrevolução, mas de uma prática que tem por objetivo atacar e desmoralizar as instituições liberais vigentes, sem, necessariamente, excluir a cooperação com elas. Por isso, excitam as camadas populares contra o sistema, sem transformá-los em rebeldes, e, por isso, utilizam dos mais avançados meios de comunicação de massa, uma modernização dirigida, para instrumentalizar o sensacionalismo em causa própria." (p. 112)

- Na citação acima, vemos um retrato da realidade atual na qual líderes de extrema-direita manipulam massas gigantes de vítimas da crise capitalista - miseráveis e pessoas sem perspectivas - a apoiarem políticas que só vão prejudicá-las mais ainda

- Contrarrevolução preventiva: na segunda metade do século XX, a manipulação das massas mundiais proletárias e miseráveis seguiu com a liderança dos EUA e sua indústria cultural e militar, a Guerra Fria:

"Como mostramos em artigo recente, a contrarrevolução preventiva, e, sobretudo, permanente, conseguiu desmantelar pautas tipicamente revolucionárias, anticapitalistas e universais, transformando-as em agendas 'progressistas', 'cidadãs', de reparações históricas e ganhos incrementais. Como as questões identitárias que não se associam à luta de classes; ou ainda, instaurando programas sociais de gestão e de monitoramento da barbárie, como os do Banco Mundial, os de combate focalizado à pobreza, 'empoderamento' nas favelas, empreendedorismo popular etc. (LIMA FILHO; GENNARI; CAMPOS, 2021)." (p. 113)

- O neoliberalismo é uma forma de contrarrevolução permanente

- Surge um novo ser com as burocracias do capital, o empreendedor de si mesmo

- O autor afirma "O que chamamos de extrema direita hoje constitui a nova geração da contrarrevolução na crise estrutural do capital, uma face da superestrutura de nosso tempo." (p. 113)

- Uma característica comum aos extremistas de direita: "Para se salvar do apocalipse que se avizinha, resta, pois, os escolhidos por obra divina, reinventar o passado, reencantar o mundo. As diferentes variantes da extrema direita ao redor do globo têm algo em comum que é o tradicionalismo para a preservação da essência espiritual e cultural antiga, se opondo à modernidade." (p. 114)

- Fábio Antonio de Campos conclui seu texto:

"Concluindo, a extrema direita atual, embora com suas particularidades, representa a continuidade da contrarrevolução no interior da crise estrutural do capital. No passado, sua utopia de progresso legitimava a dominação; hoje, com a interdição da ideia de futuro, é a própria administração do colapso social que a orienta. Não há, portanto, monstruosidade ou anomalia nesse fenômeno — apenas a expressão ideológica do Kraken capitalista em decadência. Diante disso, impõe-se a necessidade de resgatar o horizonte da transformação radical nas lutas sociais, a fim de abolir o fatalismo que naturaliza a violência como destino na economia mundial." (p. 115)

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Texto excelente! Profundo e necessário!

Leitura feita por

William Mendes

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Post Scriptum (anotações da aula presencial):

Mundialização do capital e a crise estrutural do capital

- O prof. Fábio iniciou a aula explicando seu método de análise, e tendo como referência Marx e as obras "Para a crítica da economia política", de 1859, e "Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858"

- O professor se mostrou um pouco preocupado com uma espécie de "neopositivismo" na academia, referenciado a partir do empirismo em tudo, recortes concretos das coisas

- Afirmou que, essencialmente, a economia é a linguagem do capitalismo

- O modo de produção de uma sociedade acaba definindo o modo de vida daquela sociedade e, consequentemente, quem são as pessoas, como se identificam as pessoas. Ao conhecer alguém, a pessoa julga a outra a partir do que ela faz, como ela vive, onde está situada naquele modo de produção social

- O modo de produção capitalista nasceu revolucionário, derrotando o modo de produção do feudalismo

- Não confundir: "capital financeiro" não é o capital dos bancos, é a forma do capital atual, na atual etapa do capitalismo

- Qualquer crise no capitalismo é uma crise de superacumulação de capital (K). Antes, as crises eram cíclicas, agora é estrutural

- Superestrutura e o problema atual: falta de horizonte futuro; esclerose múltipla das democracias liberais burguesas; a extrema-direita do fim do mundo tem um papel: a contrarrevolução

- Uma palavra nos chamou a atenção: "homo lates" sobre o foco dos atuais humanos em suas apresentações para a sociedade, seus perfis cheios de certificados e graduações

- No passado, século XX, o nazifascismo foi uma resposta contrarrevolucionária à decadência da burguesia desde meados do século XIX

- No pós-guerra, depois dos anos dourados, a crise passou a ser estrutural e a resposta foi o neoliberalismo

- O professor Fábio nos explicou que a "economia política" se tornou "ciências econômicas" durante a crise liberal burguesa já na passagem do século XIX para o XX: a economia deixa de tratar formalmente da "política" nas academias

- Falando ainda sobre a direita e a extrema-direita e seu papel contrarrevolucionário, citou o filme "Cabra marcado para morrer" (1984), de Eduardo Coutinho

- Citou o papel das Ligas Camponesas e da importância da linguagem para atuar na contrarrevolução preventiva, uma ferramenta central na manipulação das massas

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Aula magnífica a que tivemos!

William

Leitura: Breves notas sobre a ecologia como limite absoluto ao capital em Mészáros - Ivan Lucon Jacob



Refeição Cultural

Artigo: Breves notas sobre a ecologia como limite absoluto ao capital em Mészáros. Ivan Lucon Jacob, doutorando em Desenvolvimento Econômico (IE/UNICAMP) e pesquisador do IBEC

Leitura para reflexão antes de uma aula sobre o tema (em 09/08/25)

Aula III (manhã) - Papel do Estado na aceleração do fim do mundo

Objetivo: textos de apoio para o curso de extensão "Como impedir o fim do mundo: colapso ambiental e alternativas", organizado e ministrado por IBEC, Unesp e demais parcerias

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A postagem é uma espécie de fichamento feito pelo autor do blog. Qualquer interpretação divergente do texto original é de responsabilidade deste leitor que comenta o texto.

Abaixo algumas palavras-chave ou ideias que gostei no referido texto.

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- Falência dos dois modos estatais de controle e regulação do capital: o modelo keynesiano, responsável pelo welfare state, e o "tipo soviético", que mesmo tendo partido de uma revolução política, acabou por ser, segundo Mészáros, um "sistema sociometabólico do capital"

- Mészáros avalia estarmos chegando a um "limite estrutural do capital" devido ao seu caráter incontrolável de destruição da natureza

- Diz Ivan Jacob "Marx definiu o trabalho em si em uma concepção de metabolismo, dado que 'trabalho é, antes de tudo, um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por meio de suas próprias ações media, regula e controla seu metabolismo com a natureza"

- Em seu caráter social, quando o homem age sobre a natureza e a modifica, modifica a si mesmo, sua própria natureza, é uma relação metabólica

- Falar de suposto controle ou estabilidade do capitalismo é uma mentira cínica, é enganar quem não conhece a natureza expansiva e acumuladora do capital

- Mészáros afirma que o controle social é "a condição prévia necessária para qualquer relação sustentável com as forças da natureza"

- As "soluções" apresentadas pelas corporações monopolistas do capital, a invenção falaciosa do "desenvolvimento sustentável" nada mais são que a continuidade da destruição do mundo como está se dando agora

- A solução para o mundo não é a reprodução do modelo estadunidense de destruição da natureza e do planeta, no qual 5% da população global consomem 25% dos recursos energéticos disponíveis

- A ciência e a tecnologia poderiam alterar o processo atual de destruição do mundo em função do modelo capitalista? Não, pois o uso vem sendo em função da própria acumulação de capital e em desfavor do planeta e da sociedade humana em geral (p. 47 do artigo)

- "Portanto a questão que se coloca 'não se restringe a saber se empregamos ou não a ciência e a tecnologia com a finalidade de resolver nossos problemas' - dada a obviedade da resposta: sim! - 'mas se seremos capazes ou não de redirecioná-las radicalmente, uma vez que ambas estão estritamente determinadas e circunscritas pela necessidade de perpetuação do processo de maximização dos lucros' (diz Mészáros)

- De novo, só o controle social pode alterar a lógica estabelecida hoje, definindo como produzir e o que produzir, na relação sociometabólica com a natureza

- Se a humanidade deseja sobreviver, é preciso superar a fragmentação social e encontrar a unidade para superar o modo de produção capitalista (destruição incontrolável e consumista da natureza para acumulação de capital)

- Ivan Jacob cita Mészáros e Marx ao abordar a questão do desenvolvimento tecnológico e produtivo para reduzir as horas de trabalho humano, mas com benefício da própria sociedade humana, e numa relação metabólica natureza e sociedade mais equilibrada e sustentável (p. 50, item IV do artigo). Esse seria um objetivo do comunismo

- "Marx argumenta que uma sociabilidade advinda de produtores livremente associados deve existir no âmbito do metabolismo prescrito pelas leis naturais da própria vida, assegurando as condições de existência para as gerações presente e futura" (Ivan Jacob)

- Ivan Jacob cita Clark e Foster (autores de referência no artigo), concluindo o texto: "há uma síntese necessária entre Marx e Mészáros, na formulação de uma concepção de transição para um sistema sustentável de reprodução metabólica social. Tanto a igualdade substantiva quanto a sustentabilidade ecológica são os pilares de uma sociedade livre dos ditames e da lógica do capital..."

- Por fim, é urgente também a "necessidade histórica da criação do movimento dos produtores visando a mudança radical nas formas atuais de controle social visando sua emancipação. A necessidade, portanto, do comunismo." (Ivan Jacob)

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Fecho minha resenha e leitura do artigo, concordando com Ivan Jacob, Clark, Foster, Mészáros e Marx... 

Urge a necessidade do comunismo!

Leitura feita por,

William Mendes

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Post Scriptum, após a aula em 09/08/25:

O papel do Estado na aceleração do fim do mundo

O prof. Ivan começa lendo o poema "Congresso Internacional do Medo", do livro Sentimento do Mundo (1940), de Carlos Drummond de Andrade.


Congresso Internacional do Medo

Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio porque esse não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.

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- Algumas teorias afirmam que vivemos o período geológico antropoceno, período no qual as ações humanas impactaram sobremaneira nos ecossistemas do planeta Terra

- Nunca estivemos num grau tão grande de risco para o planeta, um "estado não análogo'

- Crise estrutural do capitalismo (Mészáros)

- Dos anos setenta pra cá as taxas de lucro dos capitalistas vêm caindo, ou seja, vem diminuindo a capacidade de acumulação do capital

- Há uma crise que permeia todos os setores do capital, uma crise global

- Celso Furtado: já nos anos noventa nos alertava sobre a dimensão da crise do capital. Não só as periferias seriam afetadas pela crise, mas também os centros hegemônicos iriam sofrer como as periferias

- A crise é permanente, não é cíclica como até os anos setenta, é uma crise rastejante, a crise atingiu os seus limites incontornáveis. Ex.: meio ambiente e ecologia limitam a expansão do capital

- Taxa de utilização decrescente das mercadorias: não funcionam mais as soluções de gestão do Estado capitalista como ocorreu ao longo do tempo

- Antes: o modo keynesiano (Welfare State), o Estado era mediador da relação K vs T, com as políticas macroeconômicas que permitiam acumulação de K, pois parte da taxa de lucro era usada para bens e direitos sociais

- Mesmo durante o Welfare State, o "Estado de bem-estar social", havia limites temporais e geográficos, os benefícios não eram para todos, eram para alguns escolhidos e privilegiados: os trabalhadores da Europa e dos EUA e durou três décadas

- Enquanto isso, o pau comia nas demais regiões exploradas e vítimas do capitalismo, África e Américas do Sul e Central, por exemplo

- A partir das décadas de 70 e 80 o neoliberalismo iniciou a destruição do Estado de bem-estar social pós-guerra, com Reagan e Thatcher

- No Brasil, a rede de proteção social conquistada a duras penas e com todas as lutas dos anos oitenta (a CF 1988) - e com os governos do PT - começou a ruir com os movimentos organizados a partir de 2013

- Importante registrar que mesmo os direitos da CF 1988 eram para um segmento da sociedade, para o trabalho formal, o restante ficava de fora, o que não é muito diferente do cenário na Europa e EUA com os imigrantes e indocumentados

- Alerta aos reformistas: a crise atual do capital não permite mais a reconstrução do Estado de bem-estar social ou qualquer rede de proteção social, acabou!

- Vejam o que tem acontecido com os avanços dos segmentos de extrema-direita na atualidade: a regra é desfazimento de qualquer direito social, civil ou político e cada um por si, se virem!

- Marx e os órgãos das máquinas: 1º motor, 2º transmissão/energia, 3º ferramentas, 4º os controles automáticos/robotização (Bacchi). A fase atual torna desnecessária a força de trabalho humana:

Citação do meu resumo do texto (aqui) do prof. Fábio Campos: "- O 4º órgão... "Segundo Bacchi (2020), nos anos 1960 foi introduzido o quarto órgão daquela máquina que Marx (2013) descrevera no cap. 13 do Livro I de O Capital. Além do motor, a transmissão e a máquina ferramenta do século XIX, surge o 'quarto órgão de controle' que introduz 'a máquina programável' e, com ela, o que determinou a crise estrutural" (p. 106)

- Quando vêm os robôs são expulsos os humanos que geram valor, que geravam a mais-valia, por isso as taxas de lucro vêm diminuindo: mais máquinas, menos humanos, taxas de lucro menores

- Além da queda nas taxas de lucro com a expulsão do trabalho humano, a massa salarial é reduzida e com isso o consumo é menor

- Temos ainda a obsolescência programada para reduzir a vida útil das mercadorias, que hoje não duram nada, são uma porcaria

- Eis aí a taxa decrescente de utilização das mercadorias, gerando um ponto de sobrecarga insuportável para a natureza, o planeta. É a grande aceleração do uso de recursos naturais dos anos setenta adiante

- Não há saída dentro do sistema capitalista, ou mudamos a relação dos humanos com a natureza ou acaba tudo

- O Estado é a muleta de reprodução do capital atual, é só analisarmos como se dão as coisas nas políticas dos países do mundo

- Para piorar mais ainda, temos o complexo industrial militar dos EUA, que são empresas privadas que recebem encomendas do Estado. Essa "mercadoria" - armas - é feita e estocada sem ser utilizada em sua totalidade, sendo assim uma espécie de K perfeito: tem o Estado por trás, uma fonte inesgotável de dinheiro

- E o Estado norte-americano tem ainda a moeda que domina o mundo capitalista, ou seja, o mundo financia o complexo industrial armamentista dos EUA, tanto por vender mercadorias ao mundo (em dólares), quanto por receber de volta o dólar no investimento de seus papéis da dívida

- Os EUA emitem papéis da dívida, o mundo investe nesses papeis, e o mundo financia o déficit descomunal do país. O dólar vai e volta, financiando o déficit interno

- O braço armado do Estado sempre foi essencial para o capitalismo

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Comentário final do blog:

A aula do prof. Ivan Jacob foi espetacular!

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