quarta-feira, 13 de maio de 2009

Lendo Madame Bovary



Refeição Cultural

De ontem pra hoje li 75 páginas. Estou na segunda parte (o livro está dividido em três).

O estilo é bem tradicional em relação ao realismo. Há muita descrição e detalhes. Isto, ao leitor de hoje, é bastante enfadonho e cansativo.

TÉCNICAS NARRATIVAS: SUMÁRIO E CENAS

Os momentos de descrição nos romances são momentos de parada no tempo narrativo, ou seja, pode-se passar páginas e páginas sem que se avance na história em si. Novamente, para o leitor contemporâneo, é muito difícil se ater ao que está lendo. De um parágrafo ao outro, quando vemos, já estamos pensando nas contas a pagar e coisas afins.

É bem verdade que a literatura de romances tem dois esquemas básicos de narração. Em momentos distintos, o escritor trabalha com sumários, ou seja, dá um apanhado geral da cena ou contexto em que o ato acontece - aqui pode-se descrever tanto um instante como um longo período de tempo; e, alternando com esse esquema, trabalha com cenas, onde os fatos narrados estão acontecendo com a participação dos personagens. Normalmente diálogos, ou diálogos intercalados por participação do narrador, que pode ser onisciente ou não.


Algumas observações interessantes:


Na história dos Bovary, o narrador é onisciente. Já sabe de tudo e de todos, do início ao fim; ele é um Demiurgo.

Veja que interessante a descrição do casal Bovary após a primeira noite de núpcias. O narrador já nos dá a dica de quem é quem em relação ao comportamento do par:

"No dia seguinte, em compensação, parecia outro. Ele é que poderia ser tomado pela virgem da véspera, ao passo que a noiva nada deixava a descoberto, por onde se pudesse adivinhar qualquer coisa. Os maliciosos não sabiam o que responder e contemplavam-na com atenção desmesurada quando ela passava junto deles" (cap.3, parte 1)

Ao longo da história, o narrador vai nos mostrando que Ema tem uma natureza arredia para a rotina do "lar doce lar" das famílias tradicionais burguesas do século XIX, onde a mulher é a perfeita governanta da casa e procriadora dos herdeiros.

Interessante observar que o que alimenta a imaginação de Ema são os livros de romances, que a todo momento são citados pelo narrador (livros de Balzac e George Sand) e também aparecem em cenas de diálogos.

Gostei da posição do narrador em relação às críticas que ele faz para a sociedade burguesa da época:

"Tudo o que a rodeava de perto, os campos enfadonhos, os burguesinhos imbecis, a mediocridade da existência, parecia-lhe uma exceção no mundo, um caso particular em que se achava envolvida, ao passo que para além se estendia, a perder de vista, o imenso país da felicidade e das paixões" (cap.9, parte 1)

Uma "desculpa" se constrói para o que Ema fará mais adiante. Ela se incomoda com as características que vão dominando seu marido com o passar dos anos de casados:

" - Que pobre diabo! que pobre diabo! - dizia ela em voz baixa, mordendo os lábios.

Sentia-se, de resto, cada vez mais irritada. A idade ia-o tornando pesadão; à sobremesa divertia-se em cortar as rolhas das garrafas vazias, e, depois de comer, passava a língua pelos dentes; ao engolir a sopa fazia um gorgolejo em cada gole e, como começasse a engordar, os olhos, já por si tão pequenos, pareciam ter subido para as fontes, empurrados pelas bochechas"
(cap.9, parte 1)


E aí, que pensar de um(a) companheiro(a) que pensa assim do outro(a) companheiro(a), heim?

O narrador também tece belas críticas à instituição da igreja (e não da fé), através de um dos personagens:

Fala do farmacêutico Homais:

" - Eu tenho uma religião, a minha religião, e mesmo até mais do que todos eles, com as suas momices e charlatanices. Eu creio em Deus! Creio no Ente Supremo, num Criador, qualquer que seja, pouco importa, que nos pôs neste mundo para desempenharmos os nossos deveres de cidadãos e de pais de família; mas o que não preciso é ir a uma igreja beijar salvas de prata, engordar com a minha algibeira uma súcia de farsantes que vivem muito melhor do que nós! Porque o podemos venerar de qualquer maneira, num bosque, num campo, ou mesmo contemplando a abóbada celeste, como os antigos. O meu Deus é o Deus de Sócrates, de Franklin, de Voltaire e de Béranger! Eu sou pela 'profissão de fé do vigário saboiano' e pelos princípios imortais de 1789! Por isso não admito um Deus que passeie no seu jardim de bengala na mão, aloje os amigos no ventre das baleias, morra soltando um grito e ressuscite ao fim de três dias: coisas absurdas por si mesmas e completamente opostas, além disso, a todas as leis da física; o que nos demonstra, de resto, que os padres têm sempre permanecido numa ignorância torpe, na qual se esforçam por mergulhar as populações" (cap.1, parte 2)

Que fala fantástica desse farmacêutico. Assino embaixo!

Fim

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